Cárie precoce da infância: do diagnóstico à promoção de saúde infantil | Colunista

Cuidar da saúde infantil é fundamental para prevenir doenças e promover qualidade de vida. A cárie dentária é a doença crônica mais comum em crianças, com impacto direto na qualidade de vida infantil, o que acarreta em problemas de saúde pública1 . A dor desencadeada pela doença cárie pode afetar a função mastigatória, o que gera distúrbios no crescimento infantil, baixo peso e comprometimento do rendimento escolar1,2 A cárie precoce na infância (CPI) é a patologia que atinge dentes decíduos de lactentes e de pré-escolares2.

A CPI é definida pela presença de lesão cariosa na dentição decídua em crianças menores de seis anos de idade3. A CPI é definida pela a presença de pelo menos um dente cariado (com ou sem cavitação), ausência de um dente (por cárie) ou a existência de uma restauração em dente decíduo em crianças entre 0 e 71 meses de idade4. Geralmente, a deterioração promovida pela doença se dá a partir dos incisivos superiores, seguido pelos molares superiores e inferiores ao afetar sequencialmente à erupção dos dentes decíduos.

Quando não tratada, a CPI pode progredir rapidamente e contribuir para o aparecimento de dor e infecção dentárias3,4. Porém, pode ser evitada se diagnosticada precocemente e os fatores de risco controlados, e o que resulta na redução/ interrupção da progressão da doença. A CPI tem um padrão de progressão característico, frequentemente os primeiros sinais ocorrem ainda no processo de erupção dentária. Inicialmente, a lesões acometem a superfície vestibular dos incisivos superiores seguidos dos primeiros molares decíduos e caninos, por serem os próximos na sequência de erupção. Incisivos inferiores são os últimos a serem acometidos, devido à alta concentração de saliva na região5.

A lesão cariosa é um sinal ou sintoma de que houve perda de tecido mineralizado pela ação de ácidos produzidos pelos microrganismos do biofilme dentário, o qual o pH é em torno de 5,5 (crítico para hidroxiapatita) a 4,5 (crítico para fluorapatita)6. Nesta faixa de pH, o tecido dentário sofre o processo de des-remineralização com o auxílio da saliva, a qual controla a perda e ganho de minerais da estrutura dentária6,7.

Sabe-se que o biofilme dental é um fator biológico indispensável para o desenvolvimento de lesões cariosas, no entanto, as lesões só progridem em regiões de estagnação do biofilme dentário7. Embora a presença do biofilme seja um fator causal para o acometimento de lesões, não necessariamente é suficiente para que a lesão ocorra, mas sim, determinados nutrientes da dieta dos indivíduos podem resultar em flutuações no pH que irão determinar ou não a formação de lesões7,8.

A presença contínua de carboidratos fermentáveis na dieta, e consequentemente a produção de ácidos na superfície dentária gera a adaptação microbiana que seleciona microrganismos acidogênicos7. Desta forma, ocorre o rompimento da homeostase microbiana do biofilme, com proliferação de microrganismos agravantes do desequilíbrio no processo de des-remineralização dentária. Caso a desmineralização prevaleça, resulta na perda de minerais dentários desencadeante do processo carioso. Conforme o ambiente ácido torna-se prevalente, o número de microrganismos acidogênicos aumenta e contribui para o desenvolvimento da lesão7,8.

O aspecto clínico inicial carioso do esmalte dentário apresenta-se com a superfície rugosa e opaca, caso clinicamente visível denominado de mancha branca ativa não-cavitada8. Após a mancha branca instalada, caso o pH continuar ácido ocorrerá a progressão da lesão por meio da ruptura da estrutura histológica. 

Previamente, a CPI era denominada cárie de mamadeira diagnosticada como cárie aguda e extensa em crianças menores de 3 anos de idade portadores de hábito de sucção nutritiva noturno4,5 Após intensas  discussões em grupos de pesquisa, adotou-se o termo “cárie da primeira infância” (CPI) devido à etiologia multifatorial da cárie, aliados ao consumo frequente de sacarose e a inadequada desorganização do biofilme independente do veículo de consumo dos carboidratos fermentáveis8,9.

O diagnóstico precoce e correto da doença cárie tem se tornado um procedimento desafiador para o profissional, devido à queda na prevalência e alteração no padrão de desenvolvimento das lesões cariosas. A utilização de métodos para detecção de lesão proporciona a identificação de lesões em estágio clínico inicial (pré-cavitação). À medida que o desenvolvimento da lesão ocorre, a área de cavitação progride lateralmente e em direção a polpa. Quantidade de estruturas dentária são perdidas, e o não tratamento da lesão podem causar necrose pulpar4,9,10.

Com o desenvolvimento de cavidades cariosas, quando não tratadas, a criança passa a apresentar um quadro de infecção, dor, dificuldade de mastigação, trauma psicológico e perda prematura de dentes4,9,10

O sucesso do manejo da CPI não deve ser baseado somente na remoção das lesões cariosas e a restauração dentária com materiais odontológicos. Além do planejamento e preparo na execução da reabilitação bucal, deve-se priorizar cuidados para a manutenção das orientações e procedimentos realizados a longo prazo, a fim de evitar e prevenir o insucesso: a reincidência da doença e falha dos procedimentos restauradores. A criança desenvolve seus cuidados por meio do núcleo familiar. Assim sendo, a conscientização do núcleo familiar é de extrema importância para longevidade do procedimentos reabilitadores, manutenção da saúde bucal e promoção de qualidade de vida infantil. 

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REFERÊNCIAS 

  1. Nunes VH, Perosa GB. Cárie Dentária em Crianças de 5 Anos: Fatores Sociodemográficos, Lócus de Controle e atitudes Parentais. Ciência e Saúde Coletiva 2017;22(1):191-200. 

  2. Ng  MW, Chase I. Early Childhood Caries: Risk Based Disease  Prevention and Management. Dent Clin of North América 2013; 57(1):1-16

  3. Inaki LT et al. Atuação Interdisciplinar Odontologia/Fonoaudiologia no Tratamento de Paciente com Cárie Precoce da Infância. Rev CEFAC, Piracicaba 2015; 17(2): 595-603.

  4. Pineda IC, Osório SRG, Franzin LCC. Cárie Precoce da Primeira Infância e Reabilitação em Odontopediatria. Revista Uningá 2014; 19(3): 51-55. 

  5. Souza et al. A carie é uma doença transmissível? Fatores maternos  e da criança relacionados com o desenvolvimento da carie na primeira infância. Arquivo Brasileiro de Odontologia 2014;10(2):1-8.

  6. Silva MGB et al. Cárie Precoce da Infância: Fatores de Risco Associados. Arch Health Invest 2017. 6(12): 574-579. 

  7. Carvalho JC. Caries process on occlusal surfaces: evolving evidence and understanding. Caries Res. 2014;48(4):339-46.

  8.  Ismail AL, Sohn W, Tellez M, Amaya A, Sen A, Hasson H, Pitts NB. The international Caries Detection and Assessment System (ICDAS): an integrates system for measuring dental caries. Community Dent Oral Epidemiol. 2007; 35(3): 170-8. 

  9. Fernandes LR, Miranda CC. Prevalência e Severidade da Cárie Dentária no Atendimento de Odontopediatria no Centro Municipal de Saúde Americo Velloso e Hamilton Land. Academus Revista Cientifica de Saúde 2016; 1(1): 1-11.

  10. MACEDO LZ, Ammari MM. Cárie da primeira infância: conhecer para prevenir. Rev Rede Cuidados em Saúde 2014 8(3):1-14