Cadê o divã? Psicanálise e orientação psicanalítica | Colunista

No contexto da minha prática clínica, percebo que no imaginário da maioria das pessoas, quando se fala em tratamento psicológico a primeira coisa que vem em mente é o divã. Ah, o divã! Aquele móvel que é meio um sofá, meio uma poltrona, onde o paciente pode deitar-se e falar. Recordo de alguns familiares decepcionados quando foram conhecer meu primeiro consultório e não havia o tal divã. “- Mas por que não ter um divã?”; era a primeira pergunta que eu ouvia. 

O divã é exclusivo do psicanalista; mas também há outras diferenças entre o psicanalista e o psicoterapeuta de orientação psicanalítica. Vamos juntos descobrir um pouco mais destas diferenças e também sobre suas abordagens e algumas semelhanças?

E o que é a Psicanálise?

É a teoria do Freud! Bem simples, né! 

Falando sério. Sim, a Psicanálise é um termo criado por Freud, e a primeira vez que ele citou este termo foi em 1896 em seu artigo “A hereditariedade e a etiologia das neuroses”. Este termo (psi-analíse) substituiu as expressões “método catártico” e “ab-reação”, os quais eram as técnicas utilizadas sob a hipnose e sob a sugestão. Estas ferramentas foram o ponto de partida para a origem da psicanálise. O termo psicanálise foi o marco que centrou a livre associação de ideias dentro da atividade psicanalítica. (ZIMERMAN, 2008)

Bom, já sabemos que a Psicanálise é uma criação de Freud, apareceu pela primeira vez em 1896 e marcou a livre associação como sua principal atividade. Também é importante salientar que ela, a psicanálise, possui pilares que a sustentam enquanto teoria e prática clínica.

Estes pilares, de acordo com Zimerman (2008), foram definidos por Freud em 1922, sendo eles: o inconsciente, o Complexo de Édipo, a resistência, a representação e a sexualidade. Neste mesmo contexto, o próprio pai da psicanálise coloca definições claras do que é a psicanálise: 

1) processo investigativo dos processos mentais, os quais seriam basicamente inacessíveis de outra maneira; 

2) método que tendo por alicerce esta investigação oferece o tratamento de transtornos neuróticos e; 

3) cadeia de designações psicológicas obtidas por este meio e que gradualmente formaram uma nova disciplina científica.

A psicanálise, como vimos, ocupa-se de explorar o inconsciente (aquilo que não está acessível), por meio da aberta fala do paciente (livre associação). 

Falando abertamente, o paciente entra em contanto com conteúdos recalcados (escondidos de si mesmo), porém em alguns momentos pode haver uma dor intensa devido a uma lembrança desagradável, então pode ocorrer a resistência. 

A representação, por sua vez, é tida como uma produção mental e continuamente corresponde a um objeto que está ausente e que por meio dela torna-se subjetivamente presente. A sexualidade, por fim, é a base do sujeito psicanalítico, somos, enquanto seres humanos, seres psicossexuais. 

A psicanálise é, portanto, uma forma de tratamento terapêutico que permite ao sujeito o tratamento de suas neuroses e/ou psicoses, por meio da interpretação, realizada por um psicanalista, dos conteúdos inconscientes do paciente. 

Quem é o Psicanalista e como é o Tratamento dentro da Psicanálise?

De acordo com o Psicólogo Felipe Souza (2015), em nosso país não existe a graduação em psicanálise. O psicanalista é, preferencialmente, um psicólogo ou psiquiatra de formação, que se submete a um curso, geralmente nas IPAs (Institutos Internacionais de Psicanálise). Existe um tripé na formação de um bom psicanalista: estudo das teorias, análise didática (analista ser analisado por um profissional mais experiente) e a supervisão. 

Em algumas escolas de formação psicanalítica a graduação em psicologia ou psiquiatria não é tida como um pré-requisito. É aceito as mais diversas formas de graduação, infelizmente.  

Mas é sempre importante salientar que uma formação adequada leva alguns anos e que análise didática individual (futuro psicanalista ser analisado), é essencial para a formação adequada nesta linha de atendimento. É necessária esta explicação, uma vez que existe no mercado vários cursos de pouca duração e qualidade inferior. 

Agora que já sabemos quem é o Psicanalista (psicólogo ou psiquiatra com formação em instituições de psicanálise ou outro profissional graduado que frequentou um curso de formação psicanalítica), que tal conhecer como são as sessões dentro desta linha de atendimento? 

A primeira etapa (primeiras sessões) é a das entrevistas: são realizadas entrevistas preliminares, onde o psicanalista as utiliza para um melhor conhecimento do sujeito a ser analisado (paciente) e suas demandas (queixas).

Após estas sessões iniciais, e só após elas, o sujeito (paciente) é convidado a deitar-se no tão famoso divã. 

Como descrito nos parágrafos acima, a livre associação é a principal ferramenta. Portanto o paciente é convidado a falar abertamente sobre si, sobre o que lhe angustia, sobre suas dores e medos. Ouvindo a demanda e detentor dos conhecimentos da ciência psicanalítica, o profissional é capaz de conduzir as sessões, fazendo as pontuações necessárias para o bom andamento das sessões. 

Quem é o Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica e o que é a Terapia de Orientação Psicanalítica?

Psicoterapeuta é o psicólogo graduado e que possua registro no Conselho Regional de Psicologia (CRP), do estado no qual irá exercer a profissão. Também é facultado o exercício da psicoterapia para médicos psiquiatras que possuam uma pós-graduação na área.

Portanto, é importante perceber que a psicoterapia não é exclusiva dos psicólogos, uma vez que psiquiatras, desde que cursem uma pós-graduação específica em psicoterapia (curso de especialização lato sensu) ou de uma residência na área, podem utilizarem-se desta ferramenta. (ALONSO, 2019).

Para Cordioli (1998), este tipo de terapia tem os mesmos embasamentos do tratamento psicanalítico. Neste ambiente, as associações são um pouco mais restritas, já que são conduzidas pelo terapeuta para as questões chaves. Esta modalidade de terapia volta-se mais para problemas delimitados, onde o paciente é estimulado a trazer as percepções acerca do foco escolhido. 

Gomes (2008), apresenta este mesmo entendimento sobre o que é a terapia de orientação psicanalítica. Ela cita que esta modalidade de atendimento se ocupa dos mesmos postulados da psicanálise propriamente dita, ocupando-se do conhecimento sobre o inconsciente, a associação livre, a interpretação dos sonhos, entre outros. 

Como se percebe, a Terapia de Orientação Psicanalítica é uma derivação do Tratamento Psicanalítico. Aqui vale ressaltar que existem várias linhas de orientação psicanalítica, portanto, o psicoterapeuta irá se guiar por um dos autores que mais se identificar. 

Mas afinal, quais as diferenças?

Primeiro, o divã é exclusivo da psicanálise. Por isto, familiares, eu não tenho um divã no meu consultório. 

Segundo: a formação profissional.  O Psicanalista pode ter uma graduação mais diversificada, embora o ideal seja que este possua graduação em psicologia ou em psiquiatria. Já o profissional que atende com a linha de Psicoterapia de orientação psicanalítica dever ser formado em psicologia ou ser psiquiatra com pós-graduação na área. 

Terceiro: a psicóloga Fabiana Alonso (2019), coloca que dentro do tratamento psicanalítico, o tempo de duração é mais longo e as sessões mais frequentes, uma vez que se objetiva a modificação estrutural com mudanças de aspectos da personalidade. Já na Psicoterapia de Orientação Psicanalítica o objetivo é a melhora da relação da queixa trazida pelo paciente, com o alívio dos sintomas, o que proporciona uma melhora na qualidade de vida do sujeito – então demanda um menor tempo de tratamento. 

Quarto: tipo de interpretação (ferramenta utilizada pelo profissional para dar sentindo à comunicação verbal e não verbal do paciente). Na Psicanálise é utilizado com mais frequência a interpretação transferencial (interpreta-se a forma como o paciente se relaciona com os outros), enquanto na Psicoterapia de Orientação Psicanalítica utiliza-se mais as interpretações extransferenciais (interpreta o que ocorre fora da transferência). (GOMES, 2008). 

Devemos levar em consideração que…

Se teve aqui uma breve explanação de uma e outra abordagem de tratamento, com foco nos pontos principais. É impossível em poucas linhas traçar aqui toda uma explicação sobre a temática proposta. 

Ambas formas de tratamento possuem a mesma origem e apresentam a possibilidade de melhoras significativas aos que as procuram. No entanto, a eficácia do tratamento advém de dois pontos: a qualificação do profissional procurado e a vontade do paciente em passar por mudanças, as quais muitas vezes passam primeiro por um caminho de dor em busca do autoconhecimento. 

Com divã ou com a poltrona, conhecendo-se profundamente e procurando modificações estruturais ou trabalhando questões pontuais, com mais ou menos tempo dedicado, o mais importante é o tratamento. A procura pela mudança depende do desejo de cada paciente – e o desejo este sim, é pontual em cada passo do ser humano. 

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BIBLIOGRAFIA

ALONSO, Fabiana. Qual a diferença entre Psicoterapia de Orientação Psicanalítica e a Psicanálise? 2019. In: https://psicoterapiaclinica.com.br/diferenca-psicoterapia-orientacao-psicanalitica-psicanalise/#atendimentos. Acesso: 21 abr.2021

CORDIOLI, Aristides Volpato. Psicoterapias: abordagens atuais. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas. 1998

GOMES, Fernando Grilo; CEITLIN, Lucia Helena; HAUCK, Simone  and  TERRA, Luciana. A relação entre os mecanismos de defesa e a qualidade da aliança terapêutica em psicoterapia de orientação analítica. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2008, vol.30, n.2. In: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082008000300006#:~:text=A%20psicoterapia%20psicanal%C3%ADtica%20(PSCPA)%20%C3%A9,e%20dar%20um%20significado%20aos.  Acesso 21 abr. 2021.

ZIMERMAN, David. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. [recurso eletrônico] / David Zimerman – Dados Eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed. 2008

SOUZA, Felipe. Diferença entre terapia com psicólogo e psicanalista. 2015. In: https://www.psicologiamsn.com/2015/07/diferenca-entre-terapia-com-psicologo-e-psicanalista. Acesso: 21 abr.2021