Os movimentos da Psicologia a partir da atuação na clínica ampliada visados na emancipação social enquanto compromisso ético político, advém do entendimento a necessidade à fomentos de projetos e políticas que consideram o olhar sócio histórico articulado na problemática de como a constituição das representações e papéis sociais inferem no modo como o conceber gênero é lidado pensando nas simultaneidades de opressões.
Desdobrando-se em “[…] uma forma de indicar “construções culturais” – a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres […]” (SCOTT, 1995, p.75). E, aqui acrescento, a indagação a que (m) se refere (m) esses homens e mulheres?, logo, incluindo a pluralidade interseccional raça, gênero, classe, sexo etc.
Deste modo, o fazer da intervenção psicológica não só deve considerar tal indagação, mas vincular-se a partir da atuação multiprofissional COM a comunidade/sociedade em suas especificidades por tratar-se de um problema social intergeracional. Que pensada na realidade social brasileira, implica-se no enfrentamento da deslegitimação e fragilização das leis devido aos retrocessos sociais por hegemonia de poder. Logo, voltada a “uma nova forma política, onde são problematizadas as relações de forças e estratégias de gestão e investimento da potencialização da vida, tendo em vista o seu posicionamento ante os efeitos produzidos pelas ações […]” (DETMANN; ARAGÃO; MARGOTTO, 2016, p.366) violadoras, “[…] por desigualdades na família, escola, igreja, meios de comunicação, relações de trabalho e relações sociais como um todo” (MARINHO; GONÇALVES, 2016, p.97).
Reiterando, em uma análise temporal frente a essas ações, a Psicologia veio constituindo-se a “[…] uma responsabilidade social e uma prática ética pela constituição de outros modos de vida não assujeitados a um controle ou uma gestão despotencializadora da vida […] (DETMANN et al, 2016, p.366). À pessoas racializadas, LGBTQIA + , com deficiência etc à “[…] uma ampla gama de preocupações que acabou por contrapor a prática à atuação em consultórios privados que possuíam (e ainda possuem) ênfase hegemônica na condução de psicoterapia individual e avaliações psicodiagnósticas […] (SILVA; BONATTI, 2020, p.67). Que no caso da violência de gênero implica-se na perspectiva macro, através da “[…] subordinação de categorias oprimidas dentro da matriz social de gênero […]” (MARINHO et al, 2016, p.97).
Neste sentido, a clínica ampliada visando a intervenção psicológica, em específico a temática, tem desenvolvido aos profissionais apesar das dificuldades frente os retrocessos
“[…] a possibilidade de diversificar seu trabalho clínico, ampliando seu foco de intervenção, passando do indivíduo para a comunidade, saindo do seu consultório para introduzir-se em diversas instituições e comunidades, atendendo pessoas de várias classes sociais, criando e adaptando suas estratégias de intervenção (MONTEIRO, 2012,p.20).
Isto é, dialogadas por processos educativos e informativos para garantias de direitos a partir de “[…] intervenções mantendo relação com o contexto jurídico e social no qual a vítima e o autor estão inseridos criando um espaço terapêutico e estratégias de intervenção psicossocial a fim de facilitar as mudanças subjetivas […] (MONTEIRO, 2012,p.21). Tendo como instrumentalização a busca por transformação da realidade.
A realização de oficinas, palestras, rodas de conversas são exemplos de feitos que viabilizam a efetividade da intervenção em violência de gênero, que incluem temáticas como: direitos humanos, cidadania, autonomia, autoconhecimento, autoestima por meio de uma “leitura crítica da realidade, com a finalidade de que as pessoas reconheçam-se e se movimentem na condição de coconstrutoras de si e dos seus contextos social, comunitário e familiar […]” (SILVA et al, 2020, p.62). Ou seja, “[…] afirmá-lo como historicamente construído […] favorecendo condições para suscitar potencialidades, melhor qualidade de vida e construção de novos modos de existência.” (SILVA et al, 2020, p.67). Sendo também construtor/a por vias desnaturalizantes.
Por fim, em ressalva percebe-se por ser um processo, que ainda há muito a se fazer. Principalmente no que concerne a capacitação constante em sentido dialético, que infere ainda em parte na “[…] falta de conhecimento das condutas a serem seguidas […] a falta de formação no tema […] (MARINHO et al, 2016, p.101), falta de representatividade e estímulo político que em seriedade considerem a ciência também em investimentos etc, que não só serve de
[…] um impedimento para a discussão acerca de rotinas, procedimentos e práticas no dia a dia dos profissionais, como – e mais importante – vem alicerçando práticas fragmentadas e por vezes contrárias aos procedimentos básicos recomendados para o setor saúde no manejo de situações de violência de gênero (MARINHO et al, 2016, p.102).
Em contraponto a proposta apresentada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), compreendendo,
[…] que a clínica ampliada não fica restrita apenas ao âmbito das políticas de saúde, configurando-se como uma alternativa teórico-metodológica-ético-política para que o psicólogo inserido no contexto do CRAS atue, a partir das questões propostas pelo PAIF, em um trabalho no campo das subjetividades, potencializando o protagonismo dos usuários, de forma a construir um olhar crítico deles sobre a realidade em que estão inseridos e os meios para ressignificar suas vidas e criar novas possibilidades de ação em seu mundo vivido (SILVA et al, 2020, p.70).
Rememorando atuações interligadas por micro e macro extensões. Isto é, através de uma compreensão do social em consideração as subjetividades que perpassam suas realidades. Logo, sejam elas tanto no campo urbano quanto no rural, a partir da dialeticidade provocada por tais vivências, agregando-se o saber/conhecimento popular como necessário também para ações efetivas, que novamente por ressalva são imprescindíveis pensando em uma construção integral e em conjunto.
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REFERÊNCIAS:
DETTMANN, Ana Paula da Silva; ARAGÃO, Elizabeth Maria Andrade; MARGOTTO, Lilian Rose. Uma perspectiva da Clínica Ampliada: as práticas da Psicologia na Assistência Social. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 3, set/dez 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/fractal/v28n3/1984-0292-fractal-28-03-00362.pdf. Acesso em: 08 fev 2021.
MARINHO, Paloma Abelin Saldanha; GONÇALVES, Hebe Signorini. As práticas dos profissionais de saúde em relação à violência de gênero em uma maternidade no Rio de Janeiro. HU Revista, Juiz de Fora, v. 42, n. 2, jul./ago, 2016.
MONTEIRO, Fernanda Santos. O papel do psicólogo no atendimento às vítimas e autores de violência doméstica. 2012. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2593/3/20820746.pdf. Acesso em: 08 fev 2021.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. 1995. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso em: 16 abr 2020.
SILVA, Rafael Bianchi; BONAT, Graziela Lastoria. A Clínica Ampliada e o Trabalho do Psicólogo nos Centros de Referência de Assistência Social. Revista Psicologia e Saúde, v. 12, n. 2, mai/ago 2020. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpsaude/v12n2/v12n2a05.pdf. Acesso em: 08 fev 2021.