Nutrição e autismo: o que eu preciso saber? | Colunista

A terminologia “autismo” percorreu por diversas alterações ao longo das décadas, e hoje em dia, é chamado de Transtorno do Espectro Autista (TEA) conforme classificado pelo 5° Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) da american psychiatric association. Para tanto, o “autos” tem significado “próprio” e “ismo” se traduz em uma configuração em um estado e/ou orientação, isto é, uma pessoa fechada, reclusa em si mesma.

As características que marcam no aspecto são alterações subjetivas que compõem o ser humano, ou seja, habilidades de interação social, dificuldades de comunicação e o aliciamento em comportamentos repetitivos e estereotipados. No entanto, existem diversos tipos e graus da TEA, e por isso nem sempre esses marcos vão estar presentes em todos os acometidos.

Desse modo, os comportamentos, habilidades, preferências, aversões, funcionamento, necessidades de aprendizagem são individuais e diferentes para cada ciclo da criança, tendo em vista que esse processo muda ao longo do desenvolvimento infantil.

  • Prevalência e incidência do Autismo

A prevalência (casos novos e antigos) e incidência (casos novos) de crianças diagnosticadas com TEA vem aumentando em todo mundo, onde dados epidemiológicos mundiais estimam que 1 a cada 88 nascidos vivos apresentam TEA, acometendo principalmente indivíduos do sexo masculino. Logo, as últimas estatísticas recentes demonstram que 1 em cada 50 crianças em idade escolar (6 – 12 anos) são diagnosticadas com autismo nos Estados Unidos.

No Brasil, conforme o Ministério da Saúde (2013), não existe uma estimativa epidemiológica oficial dos casos de autismo no país. No entanto, atualmente, sabe-se que os brasileiros afetados pelo TEA também vêm aumentando, estimando-se que existam cerca de 500 mil pessoas com TEA. Vale ressaltar que o espectro do autismo além de ser um transtorno invasivo do desenvolvimento, ele persiste por toda a vida, uma vez que não possui cura e seus fatores de riscos não são claramente conhecidos. 

  • Diagnóstico

Não existe nenhum marcador biológico ou exames específicos para o autismo, por isso que o diagnóstico para identificação do Autismo é essencialmente clínico, ou seja, baseado através da história clínica e métodos de observação direta/indireta do comportamento do paciente e de uma entrevista com os pais ou cuidadores responsáveis pela criança. 

Existem escalas padronizadas para o rastreio e diagnóstico do autismo, todavia, só deve ser utilizado por profissionais de saúde capacitados e treinados, considerando que existe toda uma classificação para categorizar os graus de autismo, sendo classificado entre leve, moderado e avançado.

  • Manifestações gastrointestinais no autismo

Os distúrbios do trato gastrointestinal (TGI) estão entre as condições médicas e nutricionais mais comuns entre a TEA, apesar da sua alta prevalência, os respectivos distúrbios são frequentemente negligenciados quando se aborda a dietoterapia do autismo. Por isso que quando não tratado os distúrbios do TGI, potencializará o desenvolvimento de diversos problemas, incluindo sono, transtornos comportamentais e psiquiátricos. 

Os autistas apresentam como consequência a chamada famosa, disbiose intestinal, na qual, é quando ocorre um desequilíbrio entre bactérias protetoras e patógenas no intestino com a produção de efeitos nocivos ao organismo e como contribuição, uma diminuição da produção de enzimas digestivas, inflamação da parede intestinal e aumento da permeabilidade intestinal, sendo que todos estes fatores agravam os sintomas da TEA.

As pesquisas relacionadas a microbiota e TEA em grande sua maioria são em modelos animais, uma vez que, a introdução de bactérias probióticas Lactobacillus reuteri foi capaz de diminuir e/ou reverter os déficits de interação social em camundongos, apesar dos mecanismos não terem sido identificados. 

Entretanto, existem também diversos estudos em seres humanos, entre eles se destaca através da revisão sistemática conduzida por Carmo Cupertino et al (2019), na qual identificou um estudo de pós mortem de córtex cerebral e cerebelo em crianças com autismo, que descobriram um aumento da neuroinflamação e comprometimento da barreira intestinal através da expressões dos genes de biópsias duodenais, que ressalva fortemente associação do eixo intestino-cérebro como ponte principal da etiologia, patogenia e sintomatologia do TEA.

  • Sintomas gastrointestinais 

  • Dor abdominal

  • Diarreia crônica

  • Flatulência

  • Vômitos

  • Regurgitação

  • Perda de peso

  • Intolerância aos alimentos

  • Alergias alimentares

  • Sensibilidade alguns compostos nutritivos

  • Irritabilidade intestinal

  • Disenteria 

Existe uma hipótese bastante discutida e forte na literatura de que uma das etiologias do autismo é de origem gastrointestinal, devido ao eixo-intestino-cérebro e do sistema imunológico.

  • Estado nutricional e consumo alimentar 

A avaliação do estado nutricional e consumo alimentar tem sido uma poderosa ferramenta na investigação de problemas relacionados alimentação e nutrição, com isso, a importância dessas ferramentas se tornam necessárias para que se estabeleça quadros de riscos nutricionais e proponha protocolos de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças, ocasionadas por um distúrbio alimentar ou má consumo alimentar. 

Nessa visualização, quando a criança possui um inadequado consumo alimentar, isto pode modificar o seu estado nutricional e até mesmo, agravar os sintomas da TEA. Assim, os desafios nem sempre são por parte das crianças, e sim dos pais, que precisam saber lidar com os fatores do comportamento alimentar e saibam intervir nesses respectivos fatores para que criança tenha experiências positivas na introdução alimentar ou não com relação com a comida.

Um estudo realizado pela University of Massachusetts Medical School demonstraram que crianças com TEA expuseram mais recusa alimentar do que as crianças com desenvolvimento típico, sendo representado cerca de 41,7% vs. 18,9% dos alimentos concedidos. Além disso, as mesmas crianças exibiram um repertório alimentar limitados do que as crianças típicas (19,0% vs. 22,5% alimentos apresentados).

No que tange ao estado nutricional, o estudo conduzido por Nor et al. (2019) demonstra que a obesidade está entre as principais comorbidade e/ou doença que mais afeta as crianças com autismo, em comparação com as crianças da população geral, sua prevalência é representada por variações de 17 a 32% de crianças com TEA e sobrepeso entre variações de 13 a 33%. 

Um estudo também conduzido nos Estados Unidos da América (EUA) mediado pela Pesquisa Nacional Nutrição e Promoção da Saúde da Criança de 2016, foi certificado que 19 a 23% das crianças com TEA apresentaram sobrepeso e obesidade.

  • Tratamento dietético

Atualmente, o principal tratamento mais estudado para o controle do autismo são as intervenções dietéticas e nutricionais, a fim de minimizar os efeitos deletérios causados pela má metabolização de substâncias alimentares (SA) agravadoras do espectro. 

Assim, uma dessas substâncias alimentares seria o glúten, uma proteína presente nos cereais, ou seja, trigo, cevada, centeio e por vezes, na aveia, por meio da contaminação cruzada e a outra substância seria a caseína, proteína constituinte dos laticínios e derivados, uma vez que, são dificilmente digeridos por indivíduos com autismo formando moléculas exorfinas.

A exorfina é um receptor opioide gerado através da ingestão de proteína de glúten e caseína, e quando existe esse contato com esse receptor, ocorre a formação de peptídeos com atividade opióide, gluteomorfinas e caseomorfinas respetivamente. Assim, essas moléculas conseguem ultrapassar a barreira hematoencefálica, causando efeitos ao nível do sistema nervoso central (SNC) agravando ainda mais a sintomatologia do autismo, por isso que o protocolo no manejo do autismo é avaliar a individualidade e resposta alimentar a essas substâncias na criança antes das restrições.

Até porque, o protocolo de exclusão alimentar de forma imediata tem sido bastante questionado com algumas evidências na literatura, dado que, os estudos ainda são bastante controversos, demonstrando melhora ou não no quadro clínico da criança, sendo necessário avaliar individualmente.

Vale ressaltar também que a dietoterapia deve ser conforme os sinais e sintomas, história clínica, avaliação nutricional e individualidade do paciente, visto que, as últimas evidências científicas mediante os benefícios de uma dieta isenta de glúten e caseína não são fortes, em razão que o tema tem sido muito questionado e até mesmo controverso, sendo que tem estudos que não mostram quaisquer melhorias com adoção dessa dieta ou melhora dos sintomas com a dieta com glúten e caseína (LY et al., 2017; Whiteley, 2015; Stewart et al., 2015; Mulloy et al., 2011).

  • Três curiosidades interessantes do autismo

  • O autismo tem nome e definição desde 1911, quando foi descrito como a versão clínica mais severa da esquizofrenia.

  • Acredita-se que autistas às vezes ficam quietos por longos períodos porque sentem muitas coisas ao mesmo tempo e precisam de silêncio para se recompor.

  • No Reino Unido, muitas salas de cinema são adaptadas para pessoas autistas: elas têm o volume mais baixo, a luz é mais escura, e as pessoas podem levar as comidas e bebidas que desejarem.

 

REFERÊNCIAS

American Psychiatry Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais-DSM-V. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BLUMBERG, S.J.; BRAMLETT, M.D.; KOGAN, M.D.; ET AL. Changes in prevalence of parent-reported autism spectrum disorder in school-aged U.S. children: 2007 to 2011–2012. National health statistics reports. Hyattsville, MD: National Center for Health Statistics, 2013.

BOYD, B.; et al. Descriptive Analysis of Classroom Setting Events on the Social Behaviors of Children with Autism Spectrum Disorder. Education and Training in Developmental Disabilities, v. 43, n. 2, p. 186-197, 2008.

BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

CAMARGO, S.P.H.; RISPOLI, M. Análise do comportamento aplicada como intervenção para o autismo: definição, características e pressupostos filosóficos. Revista Educação Especial. v. 26, n. 47, p. 639-650 | set./dez. 2013.

CARMO-CUPERTINO, Marli et al. Transtorno do espectro autista: uma revisão sistemática sobre aspectos nutricionais e eixo intestino-cérebro. ABCS Health Sciences, v. 44, n. 2, 2019.

CERMAK, E.A; CURTIN, L.E; BANDINI, M.A “Food Selectivity and Sensory Sensitivity in Children with Autism Spectrum Disorders”. Journal of the American Dietetic Association. v.110, n.2 p.238–246, 2010.

CZAPLINSKA, J.K; PRUSKA, J.J. Nutritional strategies and personalized diet in autism-choice or necessity? Trends in Food Science & Technology, v.49, March, Pages 45-50. 2016.

EMIDIO, P. P. et al. Avaliação Nutricional Em Portadores Da Síndrome Autística. Nutrire, Barueri, v.34, n. 28, p. 382-382, 2014.

GOMES, P. et al. Autismo no Brasil, desafios familiares e estratégias de superação: revisão sistemática. Jornal de Pediatria. v.91, n.2 p.111-121, 2015.

GROKOSKI, K. C. Composição corporal e avaliação do consumo e do comportamento alimentar em pacientes do transtorno do espectro autista. Dissertação (mestrado em medicina) – Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

HEALY S., AIGNER C.J., HAEGELE J.A. Prevalence of overweight and obesity among US youth with autism spectrum disorder. – National Autistic Society: Autism. v.28, n.4 p.1-10. 2019. 

LORD, C.; ET AL. Autism spectrum disorders. Neuron, v. 28, n. 2, p. 355-363, 2000.

LY, V. et al. Elimination diets’ efficacy and mechanisms in attention deficit hyperactivity disorder and autism spectrum disorder. European child & adolescent psychiatry. v.34, n.7 p.36-45. 2017.

MONTEIRO, M.A. et al. Transtorno do espectro autista: uma revisão sistemática sobre intervenções nutricionais. Rev. paul. pediatr. vol.38. São Paulo. v.38, n.1. p.1-7.  Epub Mar 16, 2020.

MULLOY, A. et al. Addendum to “gluten-free and casein-free diets in treatment of autism spectrum disorders: A systematic review”. Research in Autism Spectrum Disorders, v.5, Issue 1, January–March, Pages 86-88. 2011.

NOR, N. K.; GHOZALI, A. H.; ISMAIL, J. prevalence of overweight and obesity among children and adolescents with autism spectrum disorder and associated risk factors. Frontiers in pediatrics, v. 7, n.1 p.11-20. 2019.

OLIVEIRA, Andreia Margarida Boucela Carvalho de. Perturbação do espectro de autismo: a comunicação. Porto: ed. Porto, 2009

ROSA, V. S.; SALES, C. M. M, e ANDRADE, M. A. C. Acompanhamento nutricional por meio da avaliação antropométrica de crianças e adolescentes em uma unidade básica de saúde Rev. Bras. Pesq. Saúde, Vitória, v. 19, 1p. 28-33, jan-mar, 2017.

RUSKIN, D. et al. Ketogenic diets improve behaviors associated with autism spectrum disorder in a sex-specific manner in the EL mouse. Physiology & Behavior, v.168, 1 January Pages 138-145. 2017.

STEWART P.A, et al. Dietary Supplementation in Children with Autism Spectrum Disorders: Common, Insufficient, and Excessive. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics. v.115, n.8, p.1237-48. 2015.

WHITELEY P. Nutritional management of (some) autism: a case for glutenand casein-free diets? The Proceedings of the Nutrition Society. v.74, n.3 p.202-207. 2015.

ZILKHA, N; KUPERMAN, Y; KIMCHI, T. High-fat diet exacerbates cognitive rigidity and social deficiency in the BTBR mouse model of autism. Neuroscience. v.5, 14 March Pages 142-154. 2017.