“Medo de dentista” é uma argumentação que, provavelmente, todos nós já ouvimos alguma vez na vida. Esse medo – que pode ser do procedimento anestésico, da possibilidade de dor, dos instrumentais ou até mesmo devido a um trauma do passado – pode ter diferentes intensidades, variando entre leve ansiedade durante os atendimentos até resistência às consultas.
Essas manifestações podem dificultar o tratamento, aumentando seu tempo de duração e, em alguns casos, reforçando e até mesmo aumentando o medo sentido pelo paciente. Dessa forma, o atendimento de tais pacientes se torna uma situação estressante e possivelmente desafiadora, para ambas as partes envolvidas.
Como figura de autoridade dentro do consultório, cabe ao Cirurgião-Dentista desenvolver métodos que acalmem e tornem a experiência do tratamento menos traumática para os pacientes. Os métodos farmacológicos – óxido nitroso e benzodiazepínicos, por exemplo – são velhos conhecidos dos profissionais, mas ainda existem possibilidades não farmacológicas, como a Hipnose e a Programação Neurolinguística (PNL) por exemplo.
Do começo: o que é hipnose e PNL?
A hipnose científica surgiu no século XIX, mas existem registros de técnicas similares sendo realizadas no Egito Antigo, em 1500 a.C. Com o passar do tempo, o significado e a visão das pessoas sobre a técnica foi se alterando, o que pode ter contribuído para alguns erros de interpretação muito comuns atualmente, como vê-la como uma ciência mística ou acreditar que a pessoa hipnotizada está dormindo.
Na verdade, o transe hipnótico é a condição em que a consciência se modifica de forma temporária, no qual a mente consciente (representada pelo hemisfério cerebral esquerdo) se relaxa e a mente inconsciente (hemisfério direito) se expressa. Isso altera funções ligadas ao comportamento, humor, memória e aprendizado, facilitando o relaxamento e o autoconhecimento. Em geral, ambientes calmos e uma voz tranquila e monótona são necessários para atingir o estado de transe, que pode ter uma profundidade diferente para cada pessoa.
Ao contrário, a PNL não altera o funcionamento cerebral e corporal. A PNL trabalha com a percepção individual da realidade e com questões mais pessoais, como as crenças, medos e características de cada indivíduo. O propósito é melhorar as comunicações interpessoais, alcançar maior inteligência emocional e até mesmo concretizar mudanças comportamentais ou de hábitos.
O processo se inicia com uma autoaplicação e, posteriormente, aplicação em outras pessoas para ajudá-las. Assim como na hipnose, o tom de voz e as palavras escolhidas podem influenciar muito no sucesso do processo. Ademais, a PNL também auxilia na melhora de aspectos da vida profissional e pessoal, não só do paciente, mas também do Cirurgião-Dentista, como seu perfil profissional no mercado de trabalho, seu posicionamento e liderança de equipes.
Ambas as técnicas, apesar de funcionarem muito bem de forma complementar, não necessariamente precisam estar vinculadas. Além disso, é importante ressaltar que existem cursos sobre as duas técnicas para habilitar os profissionais a aplicá-las. Dessa forma, apesar da responsabilidade do Cirurgião-Dentista de tornar o atendimento mais tranquilo, muitas vezes o próprio paciente pode já chegar conhecendo e sendo adepto de ao menos uma dessas técnicas.
Mas como funciona?
A hipnose, como dito anteriormente, altera o funcionamento cerebral e a percepção do indivíduo sob o transe. Dessa forma, na odontologia é usada principalmente para reduzir o estresse e ansiedade dos pacientes e, ainda, como uma técnica equivalente ou auxiliar da anestesia. O mecanismo da hipnose responsável por amenizar a sensação álgica tem sido muito estudado, sendo que a teoria mais recente diz respeito à sua ação sobre o Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA). Basicamente, ao antever ou passar por um processo potencialmente doloroso, temos a indução da produção e liberação de cortisol, o famoso hormônio do estresse. Durante o transe hipnótico o SARA promove a produção de serotonina e β-endorfinas, que caracterizam o bem-estar e se contrapõem ao cortisol e à dor.
Como a profundidade do transe é muito variável entre os indivíduos (existem 5 graus diferentes, sendo que nem todas as pessoas serão capazes de atingir todos), a hipnose é normalmente utilizada como coadjuvante das anestesias, reduzindo a quantidade de anestésico necessária para uma anestesia geral, por exemplo. Outra forma de utilização que gera a hipnoanalgesia é a combinação da prática com a inalação de óxido nitroso e oxigênio, que deixa o paciente levemente sedado e mais propenso à indução do transe pelas palavras do profissional. Esse método é vantajoso inclusive para pacientes com comorbidades – como cardiopatias, doenças sistêmicas e/ou respiratórias –, pois o óxido nitroso não possui efeitos adversos, constituindo uma combinação benéfica.
Já a PNL não se baseia em mudanças físicas no funcionamento cerebral, suas bases são mais subjetivas e relacionadas com o processo de autoconhecimento e relações interpessoais. Existem diversas técnicas que compõem a PNL, com diferentes propósitos e aplicações, cabendo ao profissional indicar as mais adequadas para cada paciente. Fundamentalmente, podemos dividir a PNL em seis bases:
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Você: a principal base para o sucesso da técnica é você e suas próprias características e motivações pessoais, afinal, sem suas habilidades e atitudes nenhuma mudança efetiva será notada.
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Pressuposições: funcionam como um guia para as crenças pessoais, pois se relacionam com o que cada um considera ser a verdade, e assim definem a realização das ações.
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Rapport: constitui uma ligação baseada em empatia e confiança, que permite e facilita a transferência de informações.
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Resultado: ao visualizar um resultado específico, você pode traçar ações consistentes para alcançá-lo.
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Feedback: durante o processo, é importante reservar momentos para se autoanalisar e reajustar o que for necessário para atingir seu objetivo final.
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Flexibilidade: nem sempre as coisas acontecem como esperamos, por isso reconhecer o que não funciona e procurar outros meios para conquistar um resultado é essencial.
Quando eu devo usar?
A prática hipnótica pode ser usada em todas as especialidades odontológicas para otimizar a eficácia dos tratamentos, principalmente com aqueles pacientes que sofrem de odontofobia. Adicionalmente, também pode ser usada para o aconselhamento dos pacientes sobre hábitos parafuncionais, de higiene e alimentação; preparo psicológico para procedimentos maiores como cirurgias e relaxamento de musculaturas específicas.
Tem grande utilidade no caso de trismos ou luxação da ATM; como auxiliar na adaptação do indivíduo a um tratamento longo, como o ortodôntico por exemplo ou ao uso de uma prótese removível; surdez condicionada para quando o paciente se incomoda com os sons comuns ao consultório; auxílio na anestesia e, por fim, promovendo a hemostasia e xerostomia, facilitando o trabalho do profissional.
Apesar da amplitude do uso odontológico, é de extrema importância notar que nem todos os pacientes poderão ser submetidos ao procedimento hipnótico. Indivíduos portadores de doenças que prejudicam a capacidade mental, que estejam passando por tratamento psiquiátrico, crianças com menos de 4 anos de idade ou idosos não possuem recomendação para a hipnose, devendo ser priorizado o uso de métodos farmacológicos para o controle da dor e ansiedade. Ademais, é necessário considerar as crenças individuais, pois mesmo após detalhada explicação do profissional, ainda é direito do paciente recusar a técnica e não se submeter ao método sugerido.
A PNL, entretanto, pode ser aplicada em qualquer pessoa, independentemente da idade ou de comorbidades. As técnicas podem ser usadas para alterar as respostas de medo e ansiedade, mas também para aprimorar o desenvolvimento de outras áreas da vida pessoal e profissional, dependendo do foco e necessidades apresentadas pelo indivíduo que decide se submeter aos processos.
Benefícios e Pontos Positivos
Os benefícios comuns a ambas as técnicas podem ser considerados infinitos, já que promovem uma mudança principalmente interna e na visão de mundo do indivíduo. Entre os mais relacionados à terapêutica odontológica, podemos citar:
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Redução do estresse e cansaço durante o atendimento, para o paciente e para o profissional;
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Possibilidade de aplicação no próprio consultório, sem necessidade de instrumentos ou equipamentos específicos e durante o próprio procedimento;
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Maior participação do paciente no atendimento, uma vez que ele deve participar do processo de entendimento e escolha da técnica utilizada;
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Possibilidade de tratar fobias, impedir a geração de traumas e proporcionar experiências mais tranquilas.
Tratando-se especificamente da Programação Neurolinguística, os benefícios podem se ampliar para a vida pessoal e profissional, não apenas do paciente, mas também do próprio Cirurgião-Dentista. No consultório, o profissional que pratica a PNL lida melhor com os trabalhos em equipe, gestão de pessoas, vendas e relacionamentos interpessoais, destacando-se tanto entre seus colegas quanto entre seus pacientes.
Hipnose e seus mitos
Parte devido ao seu histórico, e parte devido ao desconhecimento generalizado sobre a técnica, muitos mitos surgiram ao redor da hipnose e persistem até hoje. Aqui temos os principais:
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“A pessoa hipnotizada está dormindo/inconsciente”: como explicado, a mente hipnotizada se encontra em um estado especial, entre a vigília e o sono. A pessoa continua capaz de perceber o que se passa a seu redor, apenas extremamente concentrada em algo específico.
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“O hipnotizador controla o hipnotizado”: ao contrário do que muitos pensam, a pessoa que está em um transe hipnótico não toma atitudes que já não tomaria em estado de vigília pleno. O que o profissional faz é sugerir pensamentos e cenários que contribuem para a manutenção do estado e tranquilidade durante a sessão.
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“A pessoa terá sua mente, segredos e pensamentos expostos”: assim como explicado no item anterior, a pessoa não contaria seus segredos, e o profissional não tem como acessar essas informações pessoais.
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“Se algo acontecer com o hipnotizador, a pessoa fica no transe para sempre”: como explicado, o transe hipnótico é temporário, ou seja, após algum tempo a pessoa naturalmente volta ao estado de vigília, sendo impossível permanecer infinitamente hipnotizada ou ter danos permanentes.
Frente ao exposto, existem dificuldades e problemas que surgem durante os atendimentos odontológicos que podem ser estressantes tanto para o profissional Cirurgião-Dentista quanto para o paciente. A hipnose e a PNL surgem, então, como potenciais alternativas terapêuticas, com a vantagem de serem não farmacológicas e não invasivas. No entanto, ainda existe muito preconceito permeando tais práticas, o que limita o número de profissionais buscando os cursos de especialização (essenciais para a prática legal dos procedimentos), bem como os pacientes dispostos a se submeter às técnicas. Para se manter atualizado, conseguir mais informações sobre os temas, esclarecendo também as dúvidas dos pacientes e encontrar os cursos disponíveis no Brasil, é interessante acompanhar o site da Sociedade Brasileira de Hipnose (SBH) e o da Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística (SBPNL).
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Referências bibliográficas:
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