Microbiota, Covid-19 e dieta: qual a relação? | Colunista

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O COVID-19, causada pelo vírus Sars-CoV-2, é uma pandemia atualmente que vêm trazendo números alarmantes de infecção e mortes por todo o mundo. Segundo o site Worldometer, 2.970.716 pessoas já morreram mundialmente, e no Brasil, esse número está em 358.425 mortes, sendo o segundo país com maior mortalidade com o vírus e o terceiro com maior número de casos. 

Sabe-se que o Sars-CoV-2, em sua fisiopatologia, liga-se ao receptor ACE2, que é expresso em diversos lugares no corpo humano, como por exemplo, pulmão, coração, rins, vasos sanguíneos, dentre outros, o que explica a manifestação de sintomas pulmonares, cardiovasculares e renais exacerbados, já que este receptor está ligado ao sistema renina-angiotensina-aldosterona que regula, principalmente, a pressão arterial.

Um estudo recente sugeriu que o RNA do Sars-CoV-2 pode ser detectado nas fezes de pacientes infectados, o que levanta a questão: haveria relação da microbiota intestinal e o COVID-19? Há pacientes que apresentam sintomas gastrointestinais, como diarreia e isso reforça a hipótese do papel da microbiota intestinal no eixo intestino-pulmão. Mas como isso aconteceria?

Eixo intestino-pulmão, COVID e Imunidade

Já foi demonstrado que há uma relação bidirecional entre o intestino e pulmão através dos metabólitos microbianos que podem, pelo sangue, impactar o pulmão, induzindo inflamação, e o mesmo, por sua vez, afetar a microbiota intestinal. Pacientes idosos e imunocomprometidos podem evoluir facilmente para casos mais graves, e é hipotetizado que, através do eixo intestino-pulmão, possa haver influência nas manifestações clínicas apresentadas.

O intestino exerce um papel fundamental na regulação do sistema imune inato e adaptativo, este último que é bem acometido durante e após a infecção do coronavírus. Nesta condição, é observado uma resposta exacerbada com uma “tempestade de citocinas” induzindo a inflamação, associada com quadro de disfunção dos linfócitos ou até mesmo linfopenia.

De uma forma simplificada, essa “cytokine storm” (termo em inglês) é uma ativação extrema e incessante do nosso sistema imune. As citocinas mais envolvidas são as interleucinas, interferons, fator de necrose tumoral, família das quimiocina, entre outros. Estas podem ser divididas em fatores pró-inflamatórios (como IL-1β, IL-6, IL-12, TNF, e IFN-γ) e fatores anti-inflamatórios (como IL-4, IL-10, IL-13 e TGF-β). 

Havendo a detecção do agente invasor, o organismo libera quimiocina e citocinas, ativando macrófagos e células dendríticas, por exemplo, atraindo mais células inflamatórias, fazendo-as que migrem da corrente sanguínea para o tecido/célula alvo, amplificando a resposta inflamatória. 

A composição desta microbiota intestinal pode ser afetada por diversos fatores, como por exemplo, dieta, exercício físico, ambiente e até mesmo presença ou não de inflamação crônica. Sabe-se que num quadro inflamatório, há um aumento da permeabilidade entre os enterócitos, possibilitando a translocação bacteriana assim como de LPS (lipopolissacarídeo), componente da membrana de bactérias gram-negativas, que poderá induzir a inflamação sistêmica. Contudo, isto num quadro de COVID-19, pode agravar ainda mais todo o contexto inflamatório, podendo trazer agravamento das manifestações clínicas. 

A depender da idade e comorbidades, a taxa de complicações pela doença é alta. Uma metanálise determinou que pacientes com hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares tem maior risco de evoluir para o quadro mais grave, e que essas comorbidades podem afetar o prognóstico do paciente. A respeito das doenças inflamatórias intestinais (DII), uma revisão sistemática com metanálise concluiu que o risco de infecção por SARS-CoV-2 é comparável entre pessoas com DII e a população em geral. Contudo, é importante dar uma atenção a esta microbiota, pensando no papel exercido pela mesma no sistema imune.

Dieta e microbiota intestinal

O tipo de dieta é um importante fator modulatório da microbiota intestinal. Dietas ricas em açúcares e gorduras, principalmente saturadas, modulam esta microbiota com o aumento de cepas bacterianas “maléficas”, criando um desequilíbrio entre as bactérias comensais, trazendo um aumento de translocação, ativação do complexo CD14/TLR4, que através da via NFkB, induz a inflamação.

Os prebióticos vêm como uma opção para melhora desta microbiota e sistema imune, já que, as bactérias irão fermentar esses carboidratos não digeríveis, produzindo ácidos graxos de cadeia curta (acetato, butirato e proprianato) que irão regular, por exemplo, o sistema imune, participando da maturação de linfócitos.

Os probióticos tem sido uma maneira de melhorar o sistema imune, principalmente usando os receptores toll-like e outras vias. Os gêneros principais são Lactobacillus e Bifidobacterium, que pode trazer essa relação benéfica de modulação da microbiota.

De forma geral, a dieta vem a influenciar a imunidade em âmbito intestinal e pulmonar, podendo ter um papel importante no fortalecimento do sistema imune de maneira profilática, e devendo ser usada com cautela em pacientes com COVID-19, principalmente, se for a respeito da suplementação de probióticos, já que se trata de um quadro inflamatório, e essas bactérias podem invés de melhorar a imunidade, podendo piorar o quadro de inflamação pela translocação bacteriana. Alimentos como castanhas, peixes, leite e derivados, abacate, sementes de abóbora, maçã, couve e vegetais verdes-escuros, limão, acerola, aveia e dentre outros, são alimentos que contém zinco, magnésio, selênio, polifenóis e fibras, nutrientes esses que são essenciais para modulação da microbiota e sistema imune.

Perspectivas

Há muitos estudos hipotetizando essa relação microbiota, covid-19 e nutrição, entretanto, ainda são necessários mais estudos clínicos para entender como isto acontece, e por exemplo, se for indicado suplementação de probióticos, quais cepas seriam mais adequadas, ou quais tipos de prebióticos seriam mais benéficos.

Muito se é discutido sobre microbiota, dieta e como isso influencia em diversas patologias, logo, é necessário o uso com cautela de suplementações, avaliação do quadro clínico e inflamatório. Em pacientes infectados que possuam doenças inflamatórias intestinais “ativas”, ou em pacientes em quadro diarreico devido ao Sars-CoV-2, recomendo avaliar criteriosamente principalmente suplementação de cepas probióticas para não piorar o quadro de inflamação já existente.

Contudo, uma alimentação saudável rica em fibras, polifenóis e nutrientes como magnésio, selênio e zinco, pode ser uma opção para a população como fortalecimento do sistema imune afim de ter-se uma profilaxia, e até mesmo como uma possível forma de auxiliar na recuperação pós-infecção de COVID-19.

Referências

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