Suicídio: o manejo na clínica psicológica por meio da Terapia Cognitivo-Comportamental | Colunista

Definição e contextos

O trabalho em saúde mental convida o profissional a conhecer contextos sociais, psicológicos e psicopatológicos dos mais diversos. As condições do adoecimento mental em que o psicólogo vai se deparar pode ser crônica ou aguda e ambas demandam conhecimentos e práticas específicas de manejo; assim acontece com o fenômeno comum a diversos transtornos psiquiátricos: o comportamento suicida.

A origem da palavra suicídio data de pelo menos quatro séculos e deriva do latim sui = de si próprio e caedere = matar. O cerne do conceito diz respeito ao ato de terminar com a própria vida, mas outras ideias paralelas e complementares também estão presentes: tratam da motivação, intencionalidade e letalidade do ato (BOTEGA, 2015). A esse conjunto de ações e pensamentos damos o nome de comportamento suicida. 

Entrelaçando fatores biológicos e psicológicos, o suicídio tem origem multifatorial, considerando, entre outros, os aspectos sociais, de gênero e idade. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 800 mil pessoas morrem por suicídio anualmente, representando 1,4% de todas as mortes no mundo; entre jovens com idade de 15 a 29 anos esta é a segunda causa de morte! (BRASIL, 2017).

Suicídio na história da humanidade

Pela honra heróica na guerra ou para evitar a desonra, para o alívio do suplício infligido por colonizadores, pela fuga da escravidão (…). Dos povos primitivos à Modernidade o suicídio vem sendo relatado, o que muda com o passar dos séculos são as suas condições narrativas, a quem serve o ato e a sua simbologia. 

Na Grécia de Sócrates, ao passo que ele repudia e mesmo assim o comete, há um desenvolvimento de aceitação estóica da ação suicida neste período, balizada pelo Estado, inclusive. Já na Idade Média europeia, os tabus e rituais se intensificam, o corpo daquele que se suicidou não era retirado pela porta da casa, mas sim por uma janela ou buraco feito na parede, também não era enterrado com os demais da sua comunidade e tinha as mãos decepadas. Até que, com Santo Agostinho, o suicídio torna-se um pecado oficialmente. (BOTEGA, 2015). 

Já a partir do século de Shakespeare, a visão se modifica e o suicídio passa por diversas revisões filosóficas, até que se entende a melancolia como uma possível causa. 

Da condenação à uma alienação do humor, a liberdade individual de escolha da vida ou morte é levantada, quebrando paradigmas. Há um dedo da Igreja, outro da literatura, e chegamos na modernidade, onde de acordo com Botega (2015, p. 17) “o número de estudos científicos sobre o suicídio nas ciências humanas, na estatística, na bioética e na neurociência cresceu de modo considerável.”.  Neste momento o julgamento moral e penalidades cedem lugar à uma problemática científica. 

Atualmente compreendemos melhor a interrelação dos fatores sociais, biológicos e psicológicos que estão relacionados ao suicídio, que tomou as proporções de uma questão de Saúde Pública.

Crise suicida

As crises vitais fazem parte do desenvolvimento humano. Elas são aquelas enfrentadas durante a passagem de um ciclo para o outro: infância para a adolescência, depois para a vida adulta e então para a velhice. Mas há também outras que podem ocorrer ao longo de toda a vida: as crises circunstanciais, estas se originam de maneira externa e incontrolável, são os acontecimentos mais raros e extraordinários (mudanças, acidentes, mortes…). (BOTEGA, 2015)

As crises têm significados próprios para cada sujeito e são incorporadas na sua história de vida. Quando o sofrimento se torna intolerável, a crise pode levar a um colapso existencial. Conforme Botega (2015, p. 12) “Se ela ultrapassar a capacidade pessoal de reação e adaptação, pode aumentar a vulnerabilidade para o suicídio, que passa a ser visto como solução única para uma situação insuportável.”.  

Neste momento, de sofrimento intenso, irrompe a crise suicida. O vazio existencial acompanha a desesperança e a angústia, que estão em níveis elevados, fazendo com que a impulsividade domine a cena psicológica. A esta altura, o risco para suicídio fica extremamente alto, é necessário que se compreenda e acolha a complexidade emocional da situação para que um tratamento seja bem sucedido. 

Intervenções e manejo

Para Botega (2015) a crise suicida, sendo um quadro clínico muito grave, se sobrepõe a confidencialidade. Dada a característica do risco de morte ou autolesão, um familiar deve ser obrigatoriamente contatado, considerando a delicadeza do momento e as angústias envolvidas. 

O trabalho do psicólogo diante das demandas do comportamento suicida perpassa, inevitavelmente, por estes dilemas éticos que devem ser analisados criticamente à luz do nosso Código de Ética Profissional. Questões que envolvem a quebra do sigilo são inerentes a este processo e o modo de agir diante das circunstâncias deve ser balizado pela boa expertise clínica, análise de risco e contato com a rede de apoio do paciente. (ZANA; KOVÁCS, 2013)

Fundamentalmente, para adentrarmos neste terreno de cuidado, devemos estar capacitados pessoal, teórica e tecnicamente! (CFP, 2005). 

Assim sendo, a Terapia cognitivo-comportamental (TCC) é reconhecidamente um tratamento baseado em evidências para a questão da redução do risco de suicídio. Ela toma as cognições de desesperança em pauta e trabalha para que o paciente as recupere, adiciona-se estratégias comportamentais, de engajamento e compromisso para reduzir o risco e prevenir recaídas. 

De acordo com Wright et al. (2019) o paciente que apresenta elevada desesperança tende a desconfiar da eficácia do novo tratamento. Alguns passos devem ser seguidos inicialmente para estabelecer um vínculo de confiança e, aos poucos, restaurar a esperança: 

  • Reconhecer e admitir que o sentimento de desesperança é legítimo;

  • Ouvir com atenção e possibilitar que o paciente detalhe sobre tratamentos anteriores e relacionar como o insucesso deles está afetando a atual atitude negativa;

  • Ressaltar que a desesperança é um modo de pensar comum quando nos sentimos deprimidos e que a TCC tem um foco para auxiliar a lidar melhor com ela. 

A essa altura, é importante destacar a estrutura do trabalho, com metas realistas que demonstram positivamente ao paciente que há um caminho pré definido, sistemático e bem pensado para a resolução dos seus dilemas e sofrimentos. (Wright et al., 2019). 

No embalo do princípio do empirismo colaborativo, desenvolver no paciente um compromisso com o tratamento é parte fundamental do processo, pois objetiva diminuir a probabilidade de abandono da terapia. 

Assim, uma estratégia pode ser solicitar ao paciente que controle seus impulsos suicidas por um número determinado de sessões, após esse período é realizada uma avaliação do progresso. Neste tempo, o paciente está comprometido com a realização da meta e aprendendo as habilidades de enfrentamento específicas de que necessita. (Wright et al., 2019).

De acordo com Reyes (2002) o impulso trabalha em favor da emoção. Para que ela seja aliviada na explosão da ação, neste caso o suicídio. O manejo de controle de impulsos consiste no adiamento desta ação, para isso o profissional pode seguir algumas orientações:

  • Aplicação sistemática de recomendações como o fato de se autoavaliar diariamente em relação à tensão interna, controle emocional e vulnerabilidade psicológica; 

  • Avaliar as prováveis ??consequências dos impulsos que imagina, sonha ou teve na realidade; 

  • Reforçar sistematicamente a autoestima do paciente, suas crenças de autocontrole e autoeficácia desse controle; 

  • Ensiná-lo a se retirar do ambiente provocativo e socializar a agressividade por meio de atividades físicas preferencialmente (exercícios ou atividade prática que o sujeito goste);

  • Encontrar uma pessoa para ajudá-lo a se comprometer a evitar e controlar o comportamento, uma vez que perceba o impulso.

  Na entrevista clínica é essencial que se pergunte abertamente sobre suicídio, só assim é possível saber se o paciente pensa ou já pensou a respeito; deve-se abrir um diálogo franco e empático (Botega, 2015). Todo o manejo vem em seguida, a partir desta abertura.

Neste sentido, é necessária uma avaliação abrangente sobre o risco de suicídio, com questionamentos diretos a respeito do estado mental, observação clínica do comportamento, contato com familiares e/ou amigos. Perguntas sobre a frequência, duração e gravidade dos pensamentos suicidas atuais e passados, se há planos estruturados e como se dá o acesso aos meios letais são essenciais neste momento.  

Ainda nesta avaliação, questionamentos detalhados acerca dos fatores de risco e de proteção são igualmente importantes para compor o plano de tratamento. Alguns instrumentos como o Questionário de Saúde do Paciente-9 (PHQ-9) e o Inventário de Depressão Beck-II podem oferecer bons métodos de investigação e serem utilizados rotineiramente. (Wright et al., 2019).

Após a entrevista narrativa é hora de traçar um plano de segurança, ele tem por objetivo auxiliar o paciente a reconhecer possíveis sinais de alerta e fatores desencadeantes já identificados na entrevista. 

Conforme Wright et al. (2019) esse tipo de intervenção “baseia-se na observação de que o risco de suicídio baixa e flui e de que auxiliar o paciente a aplicar habilidades específicas durante os períodos de maior risco pode evitar o suicídio.”. Alguns passos podem ser seguidos: 

  • Identificação dos sinais de advertência;

  • Desenvolvimento de estratégias de enfrentamento; 

  • Identificação de cenários e contatos sociais; 

  • Entrar em contato com familiares ou amigos, profissionais; 

  • Tornar o ambiente seguro (verificar o acesso a facas, cordas…);

  • Identificar e construir motivos para viver. Essas variáveis são particulares e desenvolvidas em conjunto com o paciente. 

Durante todo o processo de tratamento, o uso de métodos comportamentais e a modificação de pensamentos automáticos e crenças nucleares devem estar presentes. 

O profissional deve lançar mão das ferramentas que a TCC disponibiliza para a condução clínica. Neste sentido, consolidar as habilidades desenvolvidas e orientar a realização de tarefas para a prevenção de recaídas estão no pacote. A essa altura o paciente pode exercitar o uso de imagens mentais guiadas que lembram as crises anteriores e analisar como lidar com os fatores precipitantes e usar o que aprendeu até então. (Wright et al., 2019).

Finalmente, é necessário considerar que o trabalho em saúde mental exige sensibilidade e compaixão ao sofrimento humano. 

Ao mesmo tempo, o conhecimento amplo das condições que se apresentam – como o suicídio – e os saberes específicos da área de atuação são essenciais. Essa combinação de fatores possibilita segurança ao profissional para conduzir o tratamento, e alívio do sofrimento ao paciente (nosso objetivo) que passa a se sentir compreendido e ajudado. 

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REFERÊNCIAS

BOTEGA, Neury José. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

BRASIL. Suicídio. Saber, agir e prevenir. Boletim Epidemiológico Secretaria de Vigilância em Saúde − Ministério da Saúde, 2017. 

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília, 2005. 

GUIBERT REYES, Wilfredo. Enfrentamiento especializado al paciente suicida. Rev Cubana Med Gen Integr,  Ciudad de La Habana ,  v. 18, n. 2, p. 143-148,  abr.  2002.   Disponível em <http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0864-21252002000200008&lng=es&nrm=iso>. acessado em 26 abr.  2021.

Rodrigues de Oliveira Zana, Augusta; Kovács, Maria Julia. O Psicólogo e o atendimento a pacientes com ideação ou tentativa de suicídio. Estudos e Pesquisas em Psicologia, vol. 13, núm. 3, 2013, pp. 897-921. Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Brasil. 

WRIGHT et al. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental: um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed, 2019.