A ameaça à saúde pública com o uso irracional de antimicrobianos | Colunista

Oi farma, tudo bem? Hoje vamos falar sobre o uso indiscriminado de antimicrobianos e o risco à saúde pública.

Os antimicrobianos são fármacos de origem natural ou sintética, cujo mecanismo de ação baseia-se na inibição do crescimento bacteriano (bacteriostáticos), e na morte de microrganismo (bactericidas). 

A penicilina foi o primeiro antimicrobiano descoberto em meados de 1928, sendo de origem natural, derivado de fungos. Ao decorrer dos anos, foram desenvolvidas diversas outras classes farmacológicas de antimicrobianos, em contrapartida, com o uso indiscriminado, surgiram alguns problemas, como as bactérias resistentes. Atualmente, o desenvolvimento e registro de antimicrobianos são bem inferiores que em décadas passadas e os fármacos atuais podem não ser eficazes no futuro. 

A resistência microbiana pode ser classificada de duas formas: 

  • Intrínseca (natural): de forma genética, ou seja, os microrganismos podem possuir resistência natural a algum fármaco, como no caso dos Enterococcus que apresentam resistência à classe farmacológica das cefalosporinas. 

  • Adquirida: pode-se dizer que têm interferência de outros fatores, como o uso irracional, sendo um exemplo, a resistência à classe farmacológica da B-lactamase pelas bactérias do tipo estafilococos. 

O próprio microrganismo possui um conjunto de mecanismos de resistência para contornar a ação do antimicrobiano, e consequentemente, tornar-se resistente. Na resistência adquirida, a bactéria altera seu DNA genético, que pode ocorrer de duas formas: 

  1. Indução ou mutação de um DNA nativo; 

  2. Introdução de um DNA estranho- genes de resistência- que podem ser transferidos entre gêneros ou espécies diferentes de bactérias. 

Agora que você entendeu o que são antibióticos e quais os mecanismos de resistência bacteriana, vamos falar sobre os motivos e as consequências na saúde pública? 

Bem, o uso irracional está ligado a diversos fatores, desde erros na prescrição, seleção,escolha dos fármacos, incerteza do diagnóstico, desconhecimento farmacológico, utilização com base na interrupção dos sintomas,automedicação, entre diversos outros que, por consequência, resultam nos mecanismos de defesa do microrganismo ao medicamento. Além disso, o uso frequente dos antimicrobianos em infecções do tipo viral é um dos fatores primordiais para a resistência, portanto, devemos ter em mente que estes fármacos não possuem eficácia farmacológica contra organismos virais. 

Em 2017, a Organização Mundial da Saúde divulgou um comunicado com uma lista de “agentes patogênicos prioritários”, ou seja, são os microrganismos classificados de acordo com sua urgência na saúde pública para o desenvolvimento de novos medicamentos, sendo divididos os grupos de prioridade alta, crítica ou média. Na categoria de prioridade alta, um patógenobastante conhecido é o Staphylococcus aureus, resistente à meticilina, com sensibilidade intermediária e resistência à vancomicina. 

O estudo “Combatendo infecções resistentes a medicamentos globalmente: relatório final e recomendações” (O’Neill e The Reviewon Antimicrobial Resistance, 2016) afirma que até 2050 poderá haver um aumento gradual de mortes provenientes a resistência medicamentosa, com índices assustadores de 10 milhões de vidas em cada ano. 

Quais são os impactos na saúde pública?

  • Estudos demonstram que o internamento proveniente de reações adversas a antibióticos geram um gasto enorme aos cofres públicos;

  • Pode haver uma seleção de microrganismos resistentes em uma comunidade; 

  • A partir de microrganismos multirresistentes, há uma dificuldade em tratar determinadas doenças; 

  • Risco à qualidade de vida; 

  • Ineficácia de fármacos antimicrobianos disponíveis; 

  • Mortalidade em massa;

O marco para o Uso Racional de Antibióticos no Brasil surgiu a partir da resolução RDC Nº 20/2011, que regulamenta os parâmetros como prescrição, dispensação, controle, embalagem e rotulagem dos antimicrobianos. Desde então, as farmácias e drogarias privadas e públicas, devem dispensar o medicamento com a retenção do preceituário, devendo atender a todas as exigências predispostas. Além disso, os antimicrobianos estão inseridos no Sistema Nacional de Gerenciamento de produtos Controlados (SNGPC), programa de controle inserido em farmácias e drogarias, o qual é fundamentado pela resolução RDC Nº 22/2014

Atualmente, diversas medidas podem ser implementadas para tentar contornar a resistência microbiana, das quais: 

  1. Incentivar e financiar pesquisas e desenvolvimento de medicamentos;

  2. Desenvolvimento de políticas públicas; 

  3. Inserção de programas educacionais que visem à promoção da higiene e prevenção a infecções;

  4. Inserir programas de vigilância global no monitoramento ao uso de antimicrobianos;

  5. Sempre que possível, recomendar exames laboratoriais, como antibiogramas e desenvolver novos técnicas laboratoriais;

  6. Detecção de resistências microbianas no meio hospitalar e comunitário; 

  7. Redução da utilização de antimicrobianos na agricultura; 

  8. Promover esquemas mais curtos de tratamento, baseando-se no princípio de “prazo mínimo eficaz de uso”;

  9. Posologias modificadas de antimicrobianos, otimizando a farmacodinâmica;

  10. Realizar ações de nível global e nacional, visto que este é um problema enfrentado por todos. 

Apesar de todas as medidas de controle e prevenção à resistência microbiológica, ainda há um longo caminho a percorrer, desta forma, medidas de conscientização à população se tornam de extrema importância. Conversar e educar sobre a automedicação, demonstrar a importância de realizar o tratamento certo, no período certo, pode ser eficaz e amenizar o descontrole atual. Ainda não será suficiente, mas proporcionará tempo de desenvolver futuros medicamentos e novas pesquisas. 

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Referências

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