Programa de gestão de riscos psicossociais nas relações de trabalho | Colunista

1. PERCEPÇÃO E RISCOS PSICOSSOCIAIS NO TRABALHO

Pretende-se trazer a luz à percepção dos riscos psicossociais do trabalhador frente ao trabalho, ao trabalhar e a organização, de modo a evidenciá-los nas interações sujeito-trabalho. Ansiedade, depressão, burnout, assédio e violência no trabalho entre outros, são distúrbios que fazem parte dos riscos psicossociais no ambiente laboral. Diante disso, coloca-se como desafio inicial a compreensão do conceito percepção. 

Entende-se que a percepção é um fenômeno multifacetado e complexo, sendo a relação entre os processamentos psicológicos humanos que envolvem tanto as sensações como pelo repertório do indivíduo presente na memória ou ainda associações e comparações. Dessa forma, pode se dizer que não há homogeneidade na atividade perceptiva, mas idiossincrasia. De Gáspari e Schwartz apontam que, 

“A complexidade da percepção justifica-se pelo fato de que implica na crença de uma realidade exterior e num sentimento de objetividade”. “Porém, a atividade perceptiva sempre se faz acompanhada de um juízo de exterioridade e, sendo assim, as reações mentais que se desencadeiam e se processam, não resultam apenas da mera visão do objeto exterior”. “Mais que isso, a percepção envolve também as experiências introjetadas pelo ser humano, ao longo de sua existência, seja formal ou informalmente” (DE GÁSPARI; SCHWARTZ, 2005, p. 70). 

Faz-se necessário salientar que a percepção compreende um conjunto de valores e crenças que filtram a realidade em que o indivíduo está inserido atribuindo-lhe significado Berger e Luckmann (1990) apontam que “a percepção é uma atividade psicológica que deve ser interpretada a partir do contexto psicossocial ao qual o indivíduo que percebe se encontra”. Amparado no entendimento desses estudiosos, busca-se compreender a relação do indivíduo com o ambiente laboral e, desse modo, identificar os fatores que atuam de forma negativa sobre o indivíduo impactando negativamente a saúde mental do trabalhador, consequentemente acarretando em mais esforço físico, psicológico e emocional. 

Na contemporaneidade, o tema Saúde Mental, Fator humano e Trabalho é uma questão presente na produção de conhecimento e diferentes áreas têm abordado o tema sob diferentes prismas, ora enfatizando a conexão de nexos causais entre a sintomatologia de origem psicológica (SILVA, 1992) ora enfatizando as condições, a organização do trabalho ou ressaltando as experiências e vivências de trabalhadores.

Conforme explicado acima o que importa, portanto, é que as percepções do indivíduo frente aos riscos psicossociais podem sofrer influências de suas crenças e valores. Essa, porém, é uma questão subjetiva do indivíduo em face a todos os impactos inerentes aos riscos psicossociais em que possa estar envolvido no processo de trabalho. É preciso ressaltar embora está questão seja incipiente no Brasil, infelizmente, em países desenvolvidos os riscos psicossociais no ambiente de trabalho já vem sendo trabalho de forma bastante consistente.

2. TRABAHO E RISCOS PSICOSSOCIAIS

A primazia deste texto centrar-se à na dialética da mediação entre homem e trabalho, ou seja, compreender o fenômeno trabalho e o trabalhar em suas formas de expressão como aquele que necessita muito mais, em sua essência, da subjetividade do que da objetividade. 

Deste modo, um aspecto que fica evidente é que a proposta é concentrar esforços no sujeito como epicentro dessa mediação, pois, de outro modo, seria apenas compreender essa relação do ponto de vista de sua objetividade, reduzindo o sujeito a um segundo plano, a uma “coisa”.

Como já é perceptível, o tema é relevante, atual e não pode ser invisibilizado. Assim sendo, é importante compreender a noção de riscos psicossociais que, segundo a International Labour Association, é definido em termos de interação entre conteúdo do trabalho, organização e gestão do trabalho, outras condições organizacionais e ambientais, e as competências e necessidades do trabalhador. 

Outra definição esclarecedora é a que aponta que “os fatores psicossociais são aqueles que estão ancorados nas interações humanas e trabalho e, têm origens e consequências em, pelo menos, cinco âmbitos de análise: o individual, as atividades de trabalho, grupo (s) de trabalho, organizacional e do entorno” (ZANELLI; TOLFO, 2012).

Para a corrente liderada por Yves Clot (2001) “as relações entre atividade e subjetividade devem estar no centro da análise e, para ele, o trabalho é visto não apenas como trabalho psíquico, mas como atividade concreta e irredutível”, ou seja, esse autor critica em Dejours o que ele chama como uma despotencialização da saúde e uma valorização da normalidade. 

Nesse sentido, contemplando a dualidade indissociável do trabalho, compreende-se as organizações como organismos vivos e, para tal, propõe-se a necessidade de uma “teoria do equilíbrio”. 

De acordo com Wilson (2014), “organizações sistêmicas são conjuntos de atividades ou entidades inter-relacionadas em função de um propósito comum, cujos vínculos entre as partes caracterizam estados de forma, função ou causalidade, os quais se modificam de acordo com as circunstâncias e os eventos do entorno”. 

Sendo assim, é importante pensarmos a organização e o trabalho como agentes que impactam diretamente o sujeito como ponto central desta dinâmica que se desenvolve. Podemos perceber conforme citado acima que esse quadro remete a uma busca de pensarmos neste equilíbrio tanto no campo da teoria, quanto no campo da atividade. Não é exagero afirmar que esse tema é complexo e sua resolução igualmente desafiadora, mas precisamos repensar a atividade e também a organização.

3. PROGRAMAS DE GESTÃO DE PREVENÇÃO DE RISCOS PSICOSSOCIAIS

Programas de gestão de prevenção de riscos psicossociais, auxiliam nas percepções e proteção do trabalhador frente às mazelas que afligem aos trabalhadores nas relações interpessoais no trabalho e na organização, e, dessa forma, possibilitando o dimensionamento dos riscos a serem geridos, podendo antecipar-se a algumas questões que no contexto de trabalho, podem causar o adoecimento (CABANHA, 2019).

Pressupõe-se que apresentar uma visão global e abrangente, filtrando e traduzindo os anseios dos trabalhadores frente à exposição a fatores de risco, levantando informações relevantes acerca dos seguintes pontos: subjetividade (s), exigências laborais, sobrecarga mental, organização e conteúdo do trabalho, relações interpessoais no trabalho, gestão organizacional, interface trabalho-indivíduo, saúde e bem-estar atua como proteção dos trabalhadores.

Nesse sentido, o programa enquanto prospecto, pode contribuir através de uma revisão sistemática da literatura sobre a exposição a riscos psicossociais em contextos de trabalho, com enfoque nos fatores individuais e fatores do trabalho, pois ainda é baixa essa produção, sobretudo no Brasil. Além disso, pode-se dizer que são reduzidos os estudos sistemáticos sobre instrumentos que avaliam a percepção das relações interpessoais no trabalho e os fatores e riscos psicossociais.

Assim sendo, o programa de fatores e riscos psicossociais, sirva, no sentido Deleuze e Guattari (1992), “como um modo de pensar-agir que favorece a comunicação entre os membros” e, ao mesmo tempo, como best practice, como uma emergência prática de ação que visa antecipar-se sobre os impactos negativos dos fatores psicossociais, pois ele pode ser, para o(s) trabalhador(es), um porta-voz acerca dos problemas com os quais se defronta(m), quer sejam, institucionais, organizacionais, nas relações interpessoais no trabalho, relações de trabalho ou nas relações de produção. 

Porém, é preciso dizer que a proposta certamente está condicionada a uma série de fatores e, conforme aponta Latour (2016, p. 30) a “ideia só avançará ao preço de múltiplos desvios e composições”. Finalmente, espera-se que esta pesquisa possa auxiliar os pesquisadores, sobretudo os da psicologia organizacional e do trabalho, enveredando pela interdisciplinaridade, buscando a integração e o diálogo entre a Psicologia, Psicossociologia, Saúde do trabalhador e Trabalho.

Por fim, podemos chegar à conclusão de que um programa de gestão dos riscos psicossociais é imprescindível para atingir os trabalhadores que se encontram em situação de vulnerabilidade. Logo, é indiscutível que seja necessário lançar mão de instrumentos que possam avaliar com fidedignidade os riscos em ambientes laborais. Nesse sentido, é possível que esta tarefa apresente alguma complexidade e que ainda é um trabalho incipiente, mas que se faz necessário o fomento desse tipo de iniciativa e consequentemente melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores.

Matérias relacionadas:

post apoio atualização_1524x200_lp-atualização (1).jpg (122 KB)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBORNOZ, S. (1988). O que é trabalho. Coleção primeiros passos, 171. São Paulo: Editora brasiliense. 

BERGER, P. L. & LUCKMANN, T. (1990). A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. (F. S. Fernandes, trad.). Petrópolis: Vozes.

CABANHA, S. Inventário de percepção de fatores e riscos psicossociais: intersubjetividades nas relações de trabalho.  In: Anais da Semana do Servidor (Universidade Federal de Integração Latino-Americana). 2019. Disponível em: https://dspace.unila.edu.br/bitstream/handle/123456789/5446/Cabanha%2C%20Samuel%20.pdf?sequence=1&isAllowed=y%20-%20Acesso%20em:%2007.%20Jan.%202021.

CLOT, Yves. Clinique du travail, clinique du réel. Le Journal des Psychologues, 2001; 185:48-51.

DE GÁSPARI, J. C.; SCHWARTZ, G. M. O Idoso e a Ressignificação Emocional do Lazer. Psicologia: teoria e pesquisa. Jan.-Abr. 2005, V. 21, n. 1, pp. 069-076.

DEJOURS, C. A Loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. Trad. Ana Isabel Paraguay e Lucia Leal. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1992. 

______Psicodinâmica do trabalho. São Paulo: Atlas, 1994. 

DELEUZE, Giles. GUATTARI, Félix. O que é filosofia? Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.

FOUCAULT, M. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.

GUATTARI, Félix.  Da produção da subjetividade. In: . Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

GUATTARI, F. Da produção de subjetividade (1987). Tradução Suely. Rolnik. In: PARENTE, A (Org.). Imagem Máquina. São Paulo: 34, 1993. p. 177-191.

LATOUR, Bruno. Cogitamus: seis cartas sobre as humanidades cientificas / Bruno Latour; tradução de Jamille Pinheiro Dias. – São Paulo: Editora 34. 2016 (1ª Edição). 216 p.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (2013). A prevenção das doenças profissionais. Disponível em http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/gender/doc/safeday2013%20final_012.pdf. Acesso em 03 de agosto de 2018.

SILVA FILHO, João Ferreira da. “A medicina, a psiquiatria e a doença mental”. In: Cidadania e loucura: Políticas de saúde mental no Brasil. Organização: Silvério Almeida Tundis e Nilson do Rosário Costa. Petrópolis: Editora Vozes, 1992. p. 75-102. 

WILSON, J. Fundamentals of systems ergonomics/human factors. Applied Ergonomics, v. 45, 2014. In. O Balanced Scorecard (BSC) como Ferramenta de Ergonomia Organizacional: Fundamentação Teórica. RESZKA, Igor; MERINO, E. A. D. HFD, v.3, n.5, p 01 – 23, 2014.

ZANELLI, J. C.; TOLFO, S. R. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, Volume nº 12(3), set-dez 2012, pp. iii-vi ISSN 1984-6657.

ZANELLI, J.C. Formação e atuação em Psicologia Organizacional. Psicologia — ciência e profissão. Conselho Federal de Psicologia, ano 6, nº 1, 1986.