Você pode até negar as aparências, mas não disfarce as evidências: conheça a psicologia científica | Colunista

  • CIÊNCIA E PSEUDOCIÊNCIA

Bom, para entendermos sobre a Psicologia baseada em evidências (famosa PBE), é necessário falarmos primeiro sobre o que de fato é ciência e pseudociência, vamos lá? A ciência tem um caráter falseável – pode ser testada, pode ser falha e o seu princípio é a dúvida: a ciência trabalha com probabilidade. Para Robert M (2018, p 31): “O propósito real do método científico é garantir que a natureza não o leve a pensar que você sabe algo que verdadeiramente não sabe”.

A pseudociência, não possui espaço para ser confrontada e testada, embora tenha caráter racional em suas argumentações, são inflexíveis, logo, impossíveis de serem submetidas a testes para demonstrar que são falsos ou não (PILATI, 2018). Mas como a pseudociência faz tanto sucesso? A nossa cognição é comumente adaptada a lidar com certezas e não com probabilidades, assim temos uma facilidade em sermos seduzidos para tratamentos, conteúdos que ofereçam absoluta certeza em suas explicações, sendo impossíveis de serem testadas.

  • INTRODUÇÃO A PBE

O movimento da psicologia baseada em evidências teve um marco teórico em 2005, quando a Associação Psiquiátrica Americana (APA) se juntou com um grupo de especialistas e criou a prática baseada em evidências. Nesse movimento, a associação inseriu a psicologia baseada em evidências, onde disponibilizou materiais com as melhores técnicas, as melhores abordagens da psicoterapia, para que os profissionais da Psicologia e da Psiquiatria pudessem embasar a sua prática em tratamentos que de fato iria entregar resultados.  A prática baseada em evidências é compreendida pela integração dos melhores resultados de pesquisa disponíveis atualmente, com a expertise do profissional, cultura e preferências do paciente na tomada de decisão. (Associação Americana de Psicologia, 2005).

Basear o tratamento em evidências científicas é ter o compromisso com o paciente de entregar resultados, é tomar decisão seguindo a melhor evidência disponível para o seu cuidado e tratamento, afinal ciência e o cuidado humano andam lado a lado.

  • EVIDÊNCIA CIENTÍFICA RELEVANTE

A melhor evidência científica disponível é classificada pela efetividade, eficiência e segurança das intervenções realizadas no tratamento psicológico. Mas quais são os critérios que são utilizados para classificar esse tratamento como efetivo?

Para classificar estudos com evidência clínica e científica foi criada a pirâmide das evidências (figura 1), onde tipos de estudos são definidos com base na qualidade da metodologia, validade e aplicabilidade ao paciente.

Diagrama

Descrição gerada automaticamente
                                                            Pirâmide das evidências (Figura 1)

A pirâmide das evidências demonstra a presença de estudos primários na base, com as revisões sistemáticas e meta-análises no topo, possui um modelo criterioso e crescente. Para ficarmos experts em PBE vamos compreender todos os níveis dessa tabela? 

Opinião de experts/estudos com animais/estudos in vitro???? Observações pessoais sobre determinado assunto e até sobre o seu próprio estudo realizado. Essas opiniões e estudos são importantes, porém em nível de evidência científica, possui o menor peso. Embora os animais tenham um organismo parecido com o dos seres humanos, ainda somos muito diferentes e os resultados não podem extrapolar para os humanos. 

Relato de caso / Série de casos???? O relato de caso é uma descrição mais completa, detalhada. Contém características relevantes sobre procedimentos terapêuticos utilizados, sinais e sintomas (Parente, 2010). Por serem casos narrados pelo próprio ponto de vista do autor, não possuem grande peso na pirâmide. O relato/série de casos são as evidências atuais que a Psicanálise possui.

Estudos de Caso-controle???? O pesquisador compara dois grupos de pessoas (um grupo com doença “X” e outro sem a doença “X”) com o enfoque de avaliar possíveis relações de causa e efeito. Esses estudos são importantíssimos, porém por serem apenas hipóteses e não haver nenhuma intervenção, seu nível de evidência ainda não é alto.

Estudos de Coorte???? Estudos que possuem longo acompanhamento de determinada população com o objetivo de analisar fatores de risco e prognósticos. Embora seja extremamente relevante para avaliar a história de doenças e estudos de intervenções terapêuticas, possui alguns problemas por serem considerados estudos caros, demorados e pela desistência de participantes ao longo da pesquisa.

Ensaios Clínicos Randomizados???? Os ensaios clínicos randomizados são considerados o “padrão ouro” das evidências. Aborda de forma aleatória (randomização) a definição de dois ou mais grupos que serão posteriormente comparados. Um desses grupos receberá uma intervenção, e o outro grupo será apenas de controle. Os participantes dos grupos possuem características semelhantes (faixa etária), para que eles sejam os mais parecidos possíveis. Os Ensaios Clínicos Randomizados (ECR’s) permitem analisar a eficácia da intervenção ou o medicamento que está sendo estudado. É importante ressaltar que durante esse acompanhamento tanto o pesquisador, quanto o paciente precisa ser imparcial com o desfecho da intervenção na qual está sendo testada para diminuir a chance de vieses dominarem o pensamento, pois quando a busca é voltada para um assunto que se acredita, o resultado será voltado para confirmar essa crença e não a confrontar. 

Revisões Sistemáticas???? As revisões sistemáticas são estudos que analisam um grande número de ECR’s durante um espaço de tempo determinado, o objetivo principal é de um projeto de revisão, buscar na literatura o maior número possível de estudos relacionados ao respectivo assunto.

Essas classificações se tornaram necessárias em decorrência da grande quantidade de publicações para a prática clínica. Assim, utiliza-se o conhecimento científico para o suporte nessa prática de decisão clínica, através do tipo e qualidade. Profissionais que utilizam a prática da Psicologia Baseada em Evidências (PBE), avaliam de forma crítica as evidências encontradas, analisam as descobertas correlacionadas com o seu paciente, para escolher em conjunto com ele as suas preferências e decisões.

  • RESISTÊNCIA A PBE

Não são todos os profissionais que trabalham com a PBE na prática, embora muitos psicólogos sejam céticos no uso de dados de pesquisa para a sua decisão clínica. Estudos apontam que psicólogos acreditam mais em sua própria experiência clínica, falas de teóricos e nas opiniões dos colegas do que na literatura científica disponível (Chambless & Ollendick, 2001; Stewart & Chambless, 2010).

Um dos maiores desafios para a PBE é o fato da ciência restringir inferências, consequentemente por algumas abordagens psicoterápicas se aproximarem mais da efetividade do que outras, algumas práticas necessitariam de alterações ou até poderiam ser abandonadas (Lilienfeld, 2013). Sendo assim, a resistência maior dá-se em profissionais que já possuem enraizadas essas abordagens para o tratamento na sua prática clínica há muitos anos antes do fortalecimento da PBE.

É importante salientar que existem formas para compreender e superar concepções errôneas sobre a prática da psicologia baseada em evidências, com o investimento do conhecimento científico. A PBE é um processo contínuo, não são dogmas, trata-se de um ambiente aberto com uma revisão cuidadosa dos melhores métodos disponíveis no presente momento para ajudar os pacientes, excluindo objeções falsas e argumentações sem embasamentos científicos (Gibbs & Grambrill 2002).

  • COMO ENCONTRAR TRATAMENTO BASEADO EM EVIDÊNCIA?

Com o enfoque de representar o campo da Psicologia Clínica com pesquisas, ensinos e integrar a ciência com a prática psicológica, a APA criou o site da Sociedade de Psicologia Clínica, divisão 12 (div12.org). O site possui um recurso (figura 2) que disponibiliza informações sobre os tratamentos eficazes para diagnósticos psicológicos. Além do site listar as principais referências, recursos clínicos e oportunidades de tratamento, eles são combinados com a experiência clínica, valores e características do paciente.

Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente

                                                                                               Div12.org (Figura 2)

Ao acessar o site da divisão 12, na parte inferior é possível clicar na opção de tratamentos psicológicos (figura 2) e em seguida você, leitor, tem a possibilidade de visualizar lista de tratamentos, procurar tratamentos por diagnósticos e/ ou procurar tratamentos por sintomas. Com essa ferramenta é possível saber a força da base de evidências do tratamento para determinado transtorno e suas classificações que variam de “forte” a “evidência insuficiente” para uma prática estritamente baseada em evidências.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Declaração de política sobre prática baseada em evidências em psicologia. Disponível em: https://www.apa.org/practice/guidelines/evidence-based-statement. Acesso em: 10 abr. 2021.

CHAMBLESS, D. L., Sanderson, W. C., Shoham, V., Johnson, S. B., Pope, K. S., Crits-Christoph, McCurry, S. (1996). Uma atualização sobre terapias empiricamente validadas. O psicólogo clínico, 49(2), 2010. p. 5-18.

Gibbs, L., & Gambrill, E. (2002). Prática baseada em evidências: Contra-argumentos a objeções. Research on Social Work Practice, 12 (3), p. 452-476. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1049731502012003007. Acesso em: 12 abr.

LEONARDI, Jan Luiz; MEYER, Sonia Beatriz. Prática Baseada em Evidências em Psicologia e a História da Busca pelas Provas Empíricas da Eficácia das Psicoterapias. Brasília, v. 35, n. 4, p. 1139-1156, dez. 2015. Disponível em . Acesso em: 12 abr.  2021.

Lilienfeld, S. O. (2011). Distinguir psicoterapias científicas de pseudocientíficas: avaliando o papel da plausibilidade teórica, com uma pequena ajuda do reverendo Bayes. Psicologia Clínica: Ciência e Prática, p. 105-112.

MELNIK et al. Revista Costarricense de Psicologia. Costa Rica, v. 33, n. 2, p. 79-92, dez./2014. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/4767/476747238008.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021.

PARENTE, RAPHAEL CÂMARA MEDEIROS; OLIVEIRA, M. A. P.; CELESTE, ROGER KELLER. Relatos e série de casos na era da medicina baseada em evidência. Bras J Video-Sur, v. 3, n. 2, p. 67-70, 2010.

PILATI, Ronaldo. Ciência e pseudociência: Por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar. 1. ed. São Paulo: editora contexto, 2018. p. 31-80.

PIRSIG, Robert M. Zen e a arte da manutenção de motocicletas: Uma investigação sobre valores. 3. ed. [S.l.]: wmfmartinsfontes, 2015.

SOCIETY OF CLINICAL PSYCHOLOGY. Divisão 12. Disponível em: https://div12.org/psychological-treatments/. Acesso em: 12 abr. 2021.