Nutrição comportamental no atendimento nutricional | Colunista

Nutricionistas devem considerar, além das práticas profissionais consagradas, existentes na área, os aspectos comportamentais.

Como seres humanos complexos que somos, há muito é de conhecimento geral que os alimentos fazem parte de um cenário igualmente amplo, diversificado e heterogêneo.

Aspectos sociais, econômicos, culturais, bem como experiências vividas dos pacientes são relevantes.

A procura por um nutricionista envolve em muitos casos mudanças de hábitos alimentares, seja para qualidade de vida, de prevenção ou de atendimento às necessidades de patologias variadas; tendo como denominador comum a necessidade de alterações quanto às escolhas alimentares.

Por isso a nutrição comportamental se mostra cada vez mais relevante, para um atendimento que visa não apenas adequações nutricionais, como também o paciente que necessitará passar por tais adequações.

Já é de conhecimento geral que dietas restritivas não trazem benefícios, principalmente à longo prazo, pois alterações bruscas de hábitos, carregados de aspectos emocionais, culturais, sociais, entre outros, é difícil de ser mantido – gerando ainda a possibilidade de ocasionar quadros de compulsão alimentar.

Então como ter este olhar, durante os atendimentos?

A relação entre nutricionista e paciente, através da escuta ativa e humanizada, permite que durante a abordagem das mudanças alimentares, haja espaço para:

  • o paciente ser inserido – narrando suas expectativas e necessidades, aspectos culturais, sociais, religiosos, econômicos, emocionais, que reflitam na sua dieta atual;
     
  • ser participante das escolhas que conseguirá realizar, tendo em conjunto com o nutricionista, um papel decisor de metas e submetas realistas;
     
  • verificação de pensamentos, emoções, gatilhos que possam desencadear dificuldades de adaptação, compreender como é o cenário em que a alimentação acontece que podem afetar adaptações e mudanças,
     
  • como o paciente percebe e interpreta a necessidade de mudança alimentar, 
     
  • quais ferramentas poderão auxiliar – como práticas de Mindful Eating, preparação para cada submeta e meta final, que informe o estágio em que o paciente se encontra e quais passos deverá percorrer, técnicas motivacionais e ainda averiguar a necessidade de recorrer ao amparo multiprofissional,
     
  • gerenciar altas expectativas, reduzindo possíveis cargas de ansiedade, culpa ou desistência possíveis durante o remanejamento,
     
  • entendimento de quais são as crenças e valores do paciente, percepção de narrativas que demonstram haver autocrítica, julgamentos, conflitos e traumas, bem como experiências passadas que envolvam a alimentação.

Para tanto o profissional nutricionista deve compreender sobre as múltiplas influências e seus papéis na vida humana, estar apto à condutas de motivação e acompanhar todo o período de adaptação, por ser passível de dúvidas e anseios, que poderão surgir em outros momentos que não no início do atendimento, para que as alterações alimentares ocorram de modo tranquilo e permanente, ciente que envolve etapas de assimilação até que um novo hábito aconteça e se mantenha.

Resultados observados da utilização de ferramentas 

Das ferramentas que auxiliam nas alterações comportamentais citadas, destaco o Mindful Eating, que se baseia no conceito de atenção plena, possibilita o ancoramento no momento presente e autopercepção do ato de se alimentar.

Proveniente do Mindfulness, o Mindful Eating se baseia no comer mais consciente, perceptivo, capaz de desacelerar emoções e reações automáticas que algumas pessoas têm ao se alimentarem de modo ansioso, estressado e rápido. Contrapondo portanto à estes, na percepção da alimentação de modo sensorial, observando os alimentos assim como pensamentos, emoções e sensações.

Esta observação deve ser afastada de julgamentos internos, como cobranças por exemplo, pois a ideia é a de autopercepção, autoconhecimento, para a identificação de fatores que podem estar atuando no automatismo.

Um estudo intitulado “Mindful Eating: Trait and state mindfulness predict healthier eating behavior”(2014) observou como a prática pode permitir um comer mais saudável, como ferramenta de encorajamento.

De acordo com o estudo, o Mindfulness pode permitir um comer menos impulsivo, com redução de consumo calórico.

Já em estudo mais recente, intitulado “Mindfulness, Mindful Eating e Comer Intuitivo na abordagem da obesidade e transtornos alimentares”(2020), observou-se como resultado da prática, que o Mindful Eating é relevante quanto ao aspecto comportamental e psicoemocional.

A Nutrição enquanto ciência, voltada ao atendimento nutricional clínico, já compreende que há processos envolvidos na transição de um comportamento para um novo, como o apontado no Modelo Transteórico, elaborado pelos psicólogos James Prochaska e Carlo DiClemente de 1982, material este, comum na formação de nutricionistas.

Do mesmo modo outras ferramentas, que visam mudança de comportamento e aquisição de um novo hábito, igualmente são processos que demandam tempo, razão pela qual o paciente deve se manter motivado, aberto à experiência e em auto-observação. 

DiClemente, um dos autores do conhecido Modelo Transteórico, reuniu resultados mais recentes de aplicações variadas utilizando o Modelo Transteórico, no livro produzido com colegas, intitulado “Por que é Tão Difícil Mudar? Contribuições do Modelo Transteórico de Mudança do Comportamento na Prática Clínica e na Promoção de Saúde” (2017).

Todo processo de mudança objetiva uma meta a ser alcançada, mas quando estas são longas, demoradas para serem alcançadas, tornam-se difíceis manterem-se presentes e de modo motivado na mente. Eis porque o nutricionista deve incluir submetas com períodos mais curtos de serem alcançadas, voltadas à meta final. Pacientes mais motivados, diminuem as chances de recaída ou desistência.

As influências no Comportamento Humano: um olhar amplo

Várias áreas, além da nutrição, se debruçam no entendimento e análise comportamental focada em hábitos humanos; incluindo empresas que desejam vender seus produtos e/ou serviços. O entendimento percorre pelas mesmas máximas de observações e considerações que influenciam o comportamento – fatores sociais, culturais, pessoais, psicológicos, entre outros.

Para ampliar a visão, indico um artigo intitulado “Comportamento do Consumidor: Os Fatores de Influência” (2016).

Vale a pena manter a mente aberta para estudos científicos realizados por outros profissionais, como os da área de marketing. Embora os objetivos não coincidam, o sujeito é o mesmo, nós seres humanos, seres sociais e influenciáveis por muitos aspectos. 

Referências

Fontes: JORDAN,Christian H.; WANG,Wan; DONATONI,Linda; MEIER, Brian P. Mindful Eating: Trait and state mindfulness predict healthier eating behavior, Personality and Individual Differences.  Personality and Individual Differences, vol. 68, p. 107-111, 2014.

BARBOSA, Marina Rodrigues; PENAFORTE, Fernanda Rodrigues de Oliveira e  SILVA, Ana Flavia de Sousa. Mindfulness, mindful eating e comer intuitivo na abordagem da obesidade e transtornos alimentares. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) [online]. 2020, vol.16, n.3, pp. 118-135. ISSN 1806-6976.  http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.165262.

OLIVEIRA,Margareth da Silva; BOFF, Raquel de Melo; CAZASSAS,Milton José; DiCLEMENTE, Carlo C. e colaboradores. Por que é tão difícil mudar? – Contribuições do Modelo Transteórico de Mudança do Comportamento na Prática Clínica e na Promoção da Saúde. Edição 1. Ed.Sinopsys, 2017.

OLIVEIRA, Felipe Gabriel Barbosa de. Comportamento do Consumidor: Os Fatores de Influência. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 1, vol. 9. pp 613-630., outubro / novembro, 2016.