Oie, Farma,
Você sabia que os pacientes oncológicos são mais susceptíveis às reações adversas a medicamentos (RAM)?
Saiba agora a importância da farmacovigilância e como ela poderá ajudar o paciente, a comunidade científica e você, farmacêutico (a).
Neoplasias e quimioterapia
As neoplasias são crescimentos celulares anormais, que geralmente são tratadas por quimioterapia (Atualmente, temos alternativas de terapias que reduzem o aparecimento de RAM, como terapia alvo molecular e os mediadores de resposta imune, os quais serão abordados em uma próxima publicação).
Normalmente, as quimioterapias atuam de modo sistêmico e indiscriminado, ou seja, afetando as células normais e agindo, majoritariamente, sobre as células malignas. Além disso, temos a famosa polifarmácia e o uso irracional de medicamentos que corroboram, juntamente com a quimioterapia, para o surgimento das reações adversas a medicamentos.
A identificação da RAM é imprescindível para garantir melhor plano de cuidado ao paciente e a segurança do tratamento, dessa forma, também influencia no manejo do Cuidado Farmacêutico.
Ademais, além da farmacovigilância ajudar na segurança do paciente, também auxilia no acervo do conhecimento de RAM da comunidade científica global. E isso é possível por meio de centros, como The Uppsala Monitoring Centre, cuja função principal é receber as RAM notificadas por centros nacionais e estabelecer um método efetivo para detectar RAM não reveladas nos ensaios clínicos, visando ajudar pacientes e médicos a tomarem decisões terapêuticas sábias.
Esse Centro Colaborador, localizado na Suíça, é responsável por coordenar o Programa Internacional de Monitorização de Medicamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), composto por 142 países, inclusive o Brasil, que foi admitido pela OMS para integrar o Programa em 2001.
Você viu, Farma, como a farmacovigilância é importante?! Não acabei ainda, senta que lá vem história!
Farmacovigilância
A farmacovigilância é o acompanhamento dos medicamentos que estão no comércio, ou seja, seria a fase IV, pós-comercialização, do ensaio clínico, em que, de acordo com a OMS, visa detectar, avaliar, compreender e prevenir os efeitos adversos e reações adversas a medicamentos ou quaisquer problemas relacionados ao medicamento e suas queixas técnicas.
A farmacovigilância é relatada através de notificação, podendo ser feita por busca ativa ou passiva. Quer saber como notificar? É só clicar aqui.
O relato mais conhecido de RAM, que você já deve ter conhecimento, é a tragédia causada pela talidomida (1961). Há relatos de RAM desde a antiguidade, mas o primeiro registro ocorreu 1848, com o uso de clorofórmio como anestésico.
E, atualmente, no Brasil, o evento adverso mais polêmico, que ainda está sendo investigado, foi o uso off-label, não comprovado cientificamente, da hidroxicloroquina via nebulização em pacientes com Covid-19 grave.
Mas, calma aí, o que é RAM e Evento adverso?
RAM e Evento Adverso
Em consoante com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 1972), as RAM são definidas como sendo qualquer evento nocivo e não intencional que ocorreu na vigência do uso de medicamento, em doses normalmente usadas em humanos com finalidades terapêutica, profilática ou diagnóstica.
Com isso, overdose, acidentais ou intencionais, e ineficácia do medicamento para o tratamento indicado, não são consideradas RAM.
Já o evento adverso é qualquer ocorrência médica desfavorável, que pode ocorrer durante o tratamento com um medicamento, mas que não possui, necessariamente, relação causal com este tratamento (OPAS, 2005).
Para esclarecer de uma vez por todas:
TODA RAM É UM EVENTO ADVERSO, MAS NEM TODO EVENTO ADVERSO É UMA RAM.
Peraí, como avaliar a causalidade entre o medicamento e a RAM observada?
Por meio da aplicação da Escala de Probabilidade mais utilizada, o algoritmo de Naranjo et al. (1981), que é um método sistemático, em forma de questionário, com o objetivo de relacionar a temporalidade entre o uso do medicamento e o aparecimento da RAM.
Ressalta-se, que nenhum algoritmo existente possui a capacidade de firmar, com 100% de certeza, de que o evento é realmente uma RAM.
E nessa hora, Farma, você deve estar se perguntando:
– Você poderia dar uma aplicação prática?
E é claro que eu posso!
Relato de Caso
“Paciente feminina, 66 anos, diagnosticada com LMC (1ª Observação) em 06/2017, com imatinibe 400 mg/dia.
Dia 04/08/2017: admitida na hematologia devido hemorragia digestiva baixa.
Dia 07/08/2017, apresentou anemia e plaquetopenia. Foi suspenso o imatinibe.
Dia 14/08/2017, novo exame mostrou melhora do quadro e, no dia seguinte, paciente recebeu alta, sendo prescrito novamente o medicamento.
Doze dias depois, paciente retornou à internação, devido relato de hematoquezia e astenia. Hemograma com grave pancitopenia e, no dia 30/08/2017, o imatinibe foi suspenso. A fim de identificar a relação entre a pancitopenia e o uso do imatinibe, foi aplicado o algoritmo de Naranjo (2ª Observação). A causalidade foi dada como definida (3ª Observação).
Conclusão: Apesar de relatos na literatura sobre a toxicidade hematológica gerada pelo imatinibe (4ª Observação), a aplicação do algoritmo pelos profissionais de saúde, possibilita a reflexão sobre outras possíveis causas. Assim, pode tornar-se uma ferramenta multidisciplinar de auxílio na investigação e na decisão clínica, o que evidencia a importância da interdisciplinaridade, possibilitando um atendimento mais seguro ao paciente.” (PAES, et al., 2018, p. 23).
1ª Observação: LMC são as siglas correspondentes à Leucemia Mieloide Crônica. É uma neoplasia mieloproliferativa, em que um dos tratamentos existentes é o uso de inibidor de tirosina quinase, que no caso é o imatinibe. (Quer saber mais sobre oncohematologia? Então, fique atento às próximas publicações).
2ª Observação: Como dito anteriormente, o algoritmo de Naranjo trata-se de um questionário, pelo qual dá-se para estimar a causalidade entre o evento e a RAM.
De forma, que o questionário possui 10 questões para conhecer a possível RAM e classificá-la em uma categoria de probabilidade (TABELA 1).
Tabela 1. Algoritmo de Escala de Probabilidade para Determinação de RAM
Fonte: (NARANJO et al., 1981)
Assim, para cada resposta, são atribuídos pontos, e, ao final, soma-se essa pontuação, tornando possível classificar as reações em categorias de probabilidade: definida (9 ou mais) / provável (5 a 8) / possível (1 a 4) / improvável (0 ou menos).
PRESTA ATENÇÃO! Há duas categorias não classificáveis pela Escala de Probabilidade, visto que são casos em que a RAM não pode ser julgada, devido à falta de dados, comprometendo uma avaliação apropriada, são elas: Condicional e Não Acessível.
3ª Observação:
A análise pelo algoritmo de Naranjo, assim como pelos outros algoritmos, classifica as RAM de acordo com seis categorias (WHO, 2000):
• Definida: evento clínico, podendo incluir anormalidade de exames de laboratório, que ocorra em um espaço de tempo plausível em relação à administração do medicamento, e que não pode ser explicado por doenças concomitantes, por outros medicamentos ou substâncias químicas. A resposta da retirada do medicamento dever ser clinicamente plausível. O evento deve ser farmacológico ou fenomenologicamente definido, utilizando um procedimento de reintrodução satisfatória, se necessário;
• Provável: evento clínico, podendo incluir anormalidades de exames laboratoriais, com um tempo de sequência razoável da administração do medicamento, com improbabilidade de ser atribuído a doenças concomitantes, outros medicamentos ou substâncias químicas e que apresenta uma razoável resposta clínica após a retirada do medicamento. A informação de reintrodução não é necessária para completar a definição;
• Possível: evento clínico, podendo incluir anormalidade de exames de laboratório, com um tempo de sequência razoável da administração do medicamento, mas que poderia também ser explicado por doença concomitante, outros medicamentos ou substâncias químicas. A informação sobre retirada do medicamento pode estar ausente ou não ser claramente reconhecida;
• Improvável: evento clínico, podendo incluir anormalidade de exames de laboratório, que apresenta uma relação temporal com a administração de um medicamento que determina uma improvável relação causal e no qual outros medicamentos, substâncias químicas ou doenças subjacentes oferecem explicações plausíveis;
• Condicional/ não classificado: evento clínico, podendo incluir anormalidade de exames de laboratório, notificado como uma reação adversa, sobre o qual mais dados são essenciais para uma avaliação apropriada ou os dados adicionais estão sob avaliação;
• Não acessível/ não classificado: notificação sugerindo uma reação adversa que não pode ser julgada, porque a informação é insuficiente ou contraditória e não pode ser verificada ou suplementada
4ª Observação:
Para relacionar o medicamento com a possível RAM é necessário consultar a literatura, principalmente plataformas como MICROMEDEX®, UP TO DATE®, DRUGS.COM®, MEDSCAPE®, que são bancos de dados com informações médicas atualizadas constantemente.
Geralmente, para hospitais pertencentes à Rede Sentinela, universidades estaduais e federais, o Ministério da Saúde e a Agência de Vigilância Sanitária oferecem o acesso gratuito ao MICROMEDEX®.
Pronto, agora terminei.
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Até a próxima publicação
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Referências:
CRF/RS alerta sobre Hidroxicloroquina via nebulização. Disponível em: <CRF/RS alerta sobre Hidroxicloroquina via nebulização>. Acesso em dia 10 de abril de 2021.
NARANJO, C.A.; BUSTO, U.; SELIERS, E.M.; SANDOR, P.; RUIZ, I.; ROBERTS, E.A.; JANECEK, E.; DOMECQ, C; GREENBLATT, D.J. A method for estimating the probability of adverse drug reactions. Clinical Pharmacology & Therapeutics, v. 30, p. 239-245, 1981.
PAES, N.F. Aplicação do Algoritmo de Naranjo como Instrumento de Suporte para a Decisão Clínica: Relato de Caso. Revista Brasileira de Cancerologia n. 64.2, p. 23. Rio de Janeiro, 2018.
SHULZE, M.M. Tratamento Quimioterápico em Pacientes Oncológicos. Rev. Bras. Oncologia Clínica. Vol. 4. N.º 12 (Set/Dez) 17-23, 2007
OPAS. A importância da farmacovigilância. Brasília: OPAS, 2005
VARALLO, F. R. Internações hospitalares por Reações Adversas a Medicamentos (RAM) em um hospital de ensino, 2010
WHO. International drug monitoring: the role of the national centers. WHO Technical Report Series n. 498. Genebra: WHO, 1972
WHO. International drug monitoring: Safety monitoring of medicinal products. Guidelines for setting up and running a pharmacovigilance centre. Uppsala: UMC, 2000