A amplificação do contágio pelo SARS-CoV-2 nos levou para um cenário pandêmico, que, atualmente perdura por mais de um ano. Por conta disso, os olhos do mundo viraram-se para a ciência. Assim, a ansiedade por uma solução cresceu cada vez mais e deste modo, iniciou-se uma enorme e incansável busca por medicamentos que pudessem frear o crescimento viral. Mas seria assim tão fácil a produção de um medicamento antiviral? Para isso precisamos entender um pouco da história e das características dos vírus.
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Vírus durante a história
O entendimento científico do vírus é importante não apenas pela visão da Saúde Pública, mas também por conta da sua variedade na natureza. Estima-se que existem 10 vírus para cada bactéria em nosso corpo, e 10 bactérias para cada célula do nosso corpo. Ou seja, eles possuem uma enorme diversidade.
O estudo sobre o vírus foi iniciado com o botânico russo Dimitry Ivanovsky que pesquisava uma doença que afetava a produção de tabaco. Ele pôde observar que o patógeno era transmitido apenas por meio do contato planta a planta. Outro estudioso, o botânico Martinus Beijerinck, nomeou e definiu o conceito de vírus após observar que eles eram diferentes das bactérias, o vírus do tabaco não podia ser cultivado em meio nutrientes. Apenas na década de 30, que foi possível observar os vírus com o auxílio do microscópio eletrônico.
A família viral a qual o SARS-CoV-2 pertence, chamados de Coronavírus, foi descoberta por June Almeida. Na década de 60, a amostra nomeada de B814 possuia características diferentes do vírus influenza, ela o descreveu como semelhante, mas não exatamente o mesmo. Assim, descobrindo o 1º coronavírus humano da história.
Em 1978, Salvador Luria definiu vírus como: “entidades potencialmente patogênicas, cujo o genoma são ácidos nucléicos que se replicam no interior de células vivas, usando maquinaria sintética celular, e que causam síntese de partículas que podem transferir o genoma para outras células”.
Ao decorrer da história passamos por alguns surtos, epidemias e pandemias causadas por vírus. E podemos observar que a erradicação ou até mesmo o controle só aconteceu por meio das vacinas.
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Características virais
Os vírus podem variar entre 0,2 a 0,3 μm. Embora existam vírus com até 1,0 μm, em sua maioria são parasitas pequenos. Por dependerem completamente do seu hospedeiro (células ou bactérias), os vírus não são considerados seres vivos, afinal não possuem metabolismo próprio. São classificados por seus métodos de replicação e estrutura dos seus genomas. Possuem uma estrutura considerada simples, uma cobertura externa de proteína e/ou lipídeos, enzimas responsáveis por sua replicação e seu código genético (DNA ou RNA). Como são parasitas obrigatórios, não costumam permanecer um grande período em meio extracelular, então como combater um vírus que se “esconde” dentro de nossas células? Essa é uma das primeiras barreiras encontradas pelo fármaco.
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Antivirais
Desenvolvidos na década de 80, os antivirais possuem mecanismo de ação de acordo com o tipo de replicação de cada vírus. Ou seja, para cada tipo de vírus existe um fármaco com mecanismo de ação diferente. De modo geral, o mecanismo de ação dos antivirais, visa prioritariamente o bloqueio da replicação viral, a qual ocorre dentro da célula ou bactéria infectada (hospedeiro), na fase de desnudamento viral e síntese, respectivamente, quando o material genético do vírus é exposto e replicado (transcrição e tradução).
De acordo com Baltimore (1971), os vírus foram agrupados em sete classes diferentes. Nos vírus pertencentes às classes I, III, IV e V, a tradução do RNA mensageiro ocorre no citoplasma do hospedeiro. Nos vírus da classe II, o processo de tradução ocorre no núcleo. A classe VI, da família Retroviridae possui uma enzima chamada Transcriptase Reversa que realiza sua síntese de DNA /,a partir do RNA viral. Os vírus da última classe (VII) possuem RNA intermediário.
O SARS-CoV-2 é um vírus de RNA que possui uma fita simples de sentido positivo, por conta dessa característica é comum que os coronavírus sofram mutações em seu processo de replicação. O novo coronavírus possui a proteína S (denominada Spike) que por sua vez reconhece a proteína ECA-2 (Enzima Conversora de Angiotensina) presente nas células do trato respiratório, por meio disto, o vírus consegue penetrar na célula. A partir desse ponto, a célula infectada começa a trabalhar exclusivamente para o vírus e passa a replicar o RNA viral com o “comando” das proteínas E, M e N.
Os antivirais podem atuar em qualquer uma das fases de replicação do vírus, deste modo possuímos algumas classificações.
Inibidores não nucleosídeos
Bloqueiam o potencial de ligação da enzima transcriptase, interferindo em seu DNA e replicação viral. Temos exemplos: Efavirenz, Etravirina e Nevirapina. Eles são utilizados no tratamento contra o HIV.
Inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa
Também agem na enzima transcriptase reversa, tornando sua replicação do DNA defeituosa, seus principais princípios ativos são: Estavudina, Zidovudina, Didanosina, Abacavir, Lamivudina e Tenofovir. Também são utilizados para o tratamento para infecção da imunodeficiência humana (AIDS).
Inibidores de DNA-polimerase
Agem diretamente com o bloqueio do DNA viral, deste modo impedindo que sua cadeia seja prolongada. Exemplos: Aciclovir, Cidoforvir, Penciclovir e Foscarnete. Utilizados respectivamente para o tratamento do vírus da herpes (aciclovir), rinite causada por citomegalovírus (cidoforvir), herpes simplex 1 e 2 e varicela zoster (penciclovir) e rinite causada por citomegalovírus, pneumonia virótica (foscarnete).
Inibidores de fusão do HIV
Impedem que o vírus HIV entre nas células de defesa e se reproduza. Por exemplo: Enfuvirtida e Maraviroc.
Imunomoduladores
Esses fármacos atuam diretamente no sistema imune, para assim ativar a produção de enzimas antivirais. Por exemplo: Interferons e Imunoglobulina.
Inibidores da protease
Bloqueiam a produção de proteína do vírus, assim impedindo a sua reprodução em outras células. Fármacos mais populares: Fosamprenavir e Saquinavir, indicados para pessoas infectadas com HIV. Lopinavir e Ritonavir também são utilizados para o tratamento de pacientes infectados com HIV, inclusive em outubro de 2020, foi realizado um estudo randomizado sobre sua utilização para o tratamento da COVID-19, porém não apresentou melhora na carga viral.
Para um fármaco ser considerado um bom antiviral ele precisa ter uma boa seletividade, pois, quanto maior a seletividade, menor a toxicidade nas células hospedeiras. Porém, por não possuir metabolismo próprio e depender diretamente de um hospedeiro, esse trabalho de não agredir a célula hospedeira se torna muito difícil e por serem tão pequenos, oferecem poucos alvos bioquímicos para que possa acontecer interação com o fármaco. Com o crescimento do SARS-CoV-2 pelo mundo, podemos observar que é preciso estímulo para pesquisas de antivirais, afinal, ainda existem muitas patologias causadas por vírus que não possuem seu devido tratamento. Por conta da sua grande variedade na natureza, muitos vírus ainda irão surgir e temos que estar cada vez mais preparados para isso.
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Referências:
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FRANKE, Felipe – “Antivirais: a ilusória simplicidade que esconde um longo caminho”, UFRSG, 2020. Disponível em:
JARED, Carlos – “Uma breve história dos vírus na visão de um naturalista”, INSTITUTO BUTANTAN, 2020. Disponível em: https://coronavirus.butantan.gov.br/ultimas-noticias/uma-breve-historia-dos-virus-na-visao-de-um-naturalista#:~:text=Eles%20fazem%20parte%20da%20grande,3%2C5%20bilh%C3%B5es%20de%20anos.
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