Em dezembro de 2019, a comissão municipal de saúde de Wuhan, na China, reportou 27 casos de uma pneumonia viral, sendo sete deles casos graves. Em pouco tempo, identificou-se que esta pneumonia era causada por um novo tipo de coronavírus que foi nomeado, mais tarde, como SARS-CoV-2 (CHENG, SHAN, 2020).
Devido a agressividade deste novo coronavírus e a sua rápida velocidade de transmissão, outros países também começaram a reportar casos desta pneumonia, obrigando a OMS, em meados de março de 2020, a declarar o estado de pandemia (CUCINOTTA, VANELLI, 2020).
Em fevereiro de 2020, o Brasil relatou seu primeiro caso de COVID-19 no estado de São Paulo, e, desde então, a contaminação se espalhou pelos estados, dificultando qualquer estratégia de controle de propagação (MELO, et al 2020).
Atualmente, em março de 2021, o Brasil registra 12 milhões de casos e 300 mil mortes. E, embora, 97% dos pacientes acometidos pela COVID-19 tenham um desfecho positivo, não se sabem quais podem ser as repercussões em longo prazo, mesmo daqueles que desenvolveram manifestações leves ou moderadas (YELIN, et al. 2020; WHO, 2021).
Além disso, um significativo número de pacientes relata sintomas persistentes, mesmo após a alta hospitalar. A proporção exata destes indivíduos que experienciam sintomas de longa duração é incerta, mas estima-se que cerca de 10% dos pacientes que são hospitalizados podem desenvolver esta persistência sintomatológica (HUANG, et al. 2021).
As sequelas da COVID-19 de longa duração afetam praticamente todos os sistemas, desde o musculoesquelético até o tegumentar. Os sintomas mais comuns, citados pelos pacientes, são: fadiga e fraqueza muscular; dispneia e necessidade de suplementação de oxigênio; ansiedade e depressão; palpitação e dor torácica; tromboembolismo; doença renal crônica e perda de cabelo (NALBANDIAN, et al. 2021).
Assim, torna-se crucial o entendimento do impacto destes sintomas persistentes na vida das pessoas, e como a fisioterapia pode atuar reestabelecendo ao máximo a capacidade funcional de cada indivíduo acometido pela COVID-19.
O Papel da Fisioterapia
A fisioterapia desempenha um papel essencial na COVID-19. Seja na fase aguda, atendendo pacientes com sintomas leves e moderados, realizando o suporte ventilatório com dispositivos não-invasivos, utilizando algoritmos para escalonar ou descalonar a oxigenoterapia e iniciando a mobilização precoce de pacientes que toleram ou que apresentam uma reserva cardiorrespiratória adequada.
Para pacientes graves, o fisioterapeuta auxilia no manejo da ventilação mecânica, e na discussão da incorporação de manobras para melhora oxigenativa, como o recrutamento alveolar e a posição prona. Além disso, auxilia no desmame ventilatório e na reabilitação precoce, utilizando tanto a cinesioterapia quanto as mudanças posturais e a evolução das mesmas, a fim de melhorar a mobilidade e funcionalidade destes pacientes.
Na fase tardia, em pacientes que mesmo após a alta hospitalar ainda relatam sintomas, a fisioterapia também pode exercer um papel fundamental para melhora da funcionalidade e da qualidade de vida destes pacientes.
Um programa de reabilitação pulmonar, desenvolvido por fisioterapeutas, com foco na melhora da capacidade cardiorrespiratória se faz necessário, uma vez que a fibrose pulmonar – sequela do extenso processo inflamatório causada pela COVID-19 – desencadeia alguns destes sintomas, como a dispneia e fadiga (DEMECO, et al 2020). Na realidade, a reabilitação pulmonar em pacientes com doenças pulmonares já é bem descrita na literatura, portanto, parte deste conhecimento prévio pode ser adaptado para esta nova realidade, uma vez que os objetivos da reabilitação pulmonar são os mesmos.
As alterações morfofisiopatológicas causadas pela COVID-19, como a deposição de colágeno no interstício pulmonar na fase de remodelamento do processo de cicatrização, provoca diminuição da complacência pulmonar, redução dos volumes pulmonares, piora da troca gasosa e desequilíbrio da relação V/Q´.
Tais mudanças na arquitetura pulmonar podem não gerar sintomas no paciente em repouso, contudo, durante a atividade física – até mesma aquela de mínimo esforço – gera dispneia importante, com queda de saturação, impedindo a continuidade do exercício físico. Esta limitação da reserva respiratória pode transformar a vida de um paciente funcionalmente ativo em uma sedentária; que pode exacerbar todos os sintomas acima descritos, piorando ainda mais a qualidade de vida deste indivíduo (DANTES, TUDORACHE, MAN, 2019).
Portanto, otimizar a função cardiorrespiratória através do exercício físico é a pedra angular de um programa de reabilitação pulmonar (PRP). Com isso, deve-se estabelecer um programa específico e direcionado às limitações funcionais de cada paciente, ou seja, os exercícios propostos devem ser individualizados, considerando a idade, às incapacidades, as comorbidades e a gravidade dos sintomas. Para tal, esses pacientes devem ser avaliados antes de iniciar um PRP.
Esta avaliação deve levar em consideração todos os aspectos que vão – ou que tendem a – sofrer influência e modificação pelo exercício físico. Assim, devem ser analisados os sintomas de dispneia – com a escala MRC de dispneia; a fadiga e esforço físico – com a escala de percepção de esforço de Borg; testes de esforço submáximo – com o teste de caminhada de seis minutos; a funcionalidade – como o índice de Barthel; a força muscular – com a avaliação da 1RM; e a qualidade de vida – com o questionário de qualidade de vida SF-36.
Outros exames, como tomografia de tórax, ecodoppler, e testes de esforço máximo também podem ser utilizados caso estejam a disposição para avaliar a integridade destas estruturas, a aptidão, bem como a estratificação de risco ao exercício físico. Assim, pode-se observar a melhora do quadro sintomatológico do paciente, e realizar alterações no programa caso seja necessário. Ao final do programa de reabilitação – que pode durar de 8 a 10 semanas – o fisioterapeuta reavalia o paciente com o mesmos testes e condições anteriores e verifica a sua evolução (DANTES, TUDORACHE, MAN, 2019; WOUTERS, et al. 2020).
Após a avaliação do paciente, um PRP pode ser prescrito. Os tipos de exercícios que compõem este programa são: exercícios aeróbicos; exercícios para aumento da força muscular; exercícios de equilíbrio e alongamentos. Este programa deve, portanto, ser estruturado de forma a seguir os princípios da fisiologia do exercício, ou seja, deve-se estipular a frequência, a intensidade e tempo de duração de cada exercício proposto. Geralmente, na fase inicial do programa de treinamento, sugere-se a execução de 2 a 3 sessões por semana com duração de 30 minutos; com a progressão do programa, a melhora dos sintomas e da capacidade cardiorrespiratória, pode-se aumentar o número de sessões e/ou a duração do treinamento (DANTES, TUDORACHE, MAN, 2019; DEMECO, et al. 2020).
No elegante estudo de Jarosch e colaboradores (2020); um programa de reabilitação pulmonar foi conduzido em pacientes com fibrose pulmonar. Este consistia em exercícios de endurance e treinamento de força para os maiores grupamentos musculares. A intensidade do exercício aeróbico era estipulada de acordo com o teste ergométrico (60 a 100% do pico de esforço).
Já o exercício de força era prescrito em séries de 3 com 15 a 20 repetições. Já a progressão da intensidade ou do tempo era baseado na escala de Borg (1-10) sempre que a percepção subjetiva do esforço fosse graduada abaixo dos 4 pontos. Em apenas 3 semanas de programa, os autores observaram uma melhora importante da capacidade de exercício medida pelo teste de caminhada de seis minutos, com um incremento médio de 61 metros.
Chikhanie e colaboradores (2021), encontraram os mesmos benefícios, em relação a melhora da capacidade de exercício, em pacientes pós-COVID-19 admitidos em um centro de reabilitação pulmonar. A diferença é que a recuperação destes pacientes parece ser mais rápida e mais acentuada quando comparada com outras doenças pulmonares. Ou seja, o quanto antes este paciente for admitido num programa de reabilitação, mais acelerada será a sua recuperação ao nível funcional prévio a internação.
A fisioterapia (em conjunto com as outras especialidades da saúde), portanto, desempenha um papel chave na melhora dos sintomas, da capacidade cardiorrespiratória, na funcionalidade e na qualidade de vida dos pacientes que sofrem de sequelas pós-COVID-19. A reabilitação pulmonar é multimodal, mas também individualizada. Assim, uma avaliação minuciosa deve ser realizada a fim de destacar cada incapacidade do paciente que vai servir de base para uma prescrição de exercícios adequada. No mais, a promoção e a educação em saúde deve ser sempre estimulada; incentivando o paciente a sempre se manter fisicamente ativo e a perseguir um estilo de vida mais saudável.
REFERÊNCIAS
CHENG, Z.; CHAN, J. 2019 Novel coronavirus: where we are and what we know. Infection. V. 48; Nº 2, p. 155-163. 2020.
CHIKHANIE, Y. et al; Effectiveness of pulmonary rehabilitation in COVID-19 respiratory failure patients post-ICU. Respiratory Physiology & Neurobiology. V. 287; Nº 13. 2021.
CUCINOTTA, D.; VANELLI, M. WHO Declares COVID-19 a Pandemic. Acta Biomed. V. 91; Nº 1; p. 157-160. 2020.
DANTES, E.; TUDORACHE, E.; MAN, M. The Role of Pulmonary Rehabilitation in Patients with Idiopathic Pulmonary Fibrosis. In STOJŠI?, J. Interstitial Lung Diseases. Londres: IntechOpen. 2019. p. 55-80.
DEMECO, A.; et al. Rehabilitation of patients post-COVID-19 infection: a literature review. Jounal of International Medical Research. V. 48; Nº 8; p. 1-10. 2020.
HUANG, Y. et al. COVID Symptoms, Symptom Clusters, and Predictors for Becoming a Long-Hauler: Looking for Clarity in the Haze of the Pandemic. MedRxiv. Preprint. 2021.
JAROSCH, I.; et al. Short-Term Effects of Comprehensive Pulmonary Rehabilitation and its Maintenance in Patients with Idiopathic Pulmonary Fibrosis: A Randomized Controlled Trial. Journal of Clinical Medicine. V. 9; Nº 5; p. 1-12. 2020.
MELO, C. et al. COVID-19 pandemic outbreak: the Brazilian reality from the first case to the collapse of health services. An. Acad. Bras. Ciênc. V. 92; Nº4; p. 1-14. 2020
NALBANDIAN, A.; et al. Post-acute COVID-19 syndrome. Nature Medicine. V. 36; Nº 1. 2021.
WHO: WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboad. Disponível online em < https://covid19.who.int/region/amro/country/br> Acesso em 30 de março de 2021.
WOUTERS, E.; et al. An update on pulmonary rehabilitation techniques for patients with chronic obstructive pulmonary disease. Expert review of respiratory medicine. V. 14; Nº 2; p. 149-161. 2020.
YELIN, et al. 2020. Long-term consequences of COVID-19: research needs. The Lancet. V. 20; Nº 10; p. 1115-1117. 2020.