Prescrição farmacêutica na dor de cabeça autolimitada | Colunista

INTRODUÇÃO

Cefaleia é o sinônimo para dor de cabeça, que é um termo que engloba toda dor na região da cabeça, independente de sua etiologia. Ou seja, engloba-se enxaqueca, dor de cabeça tensional, cefaleia por dor na coluna ou cervicogênica, cefaleia associada à sinusite, dentre outras.

A cefaleia é subdividida em duas categorias. A cefaleia primária engloba enxaqueca (mingrânea), cefaleia tensional, cefaleia em salvas e cefaleias diversas não associadas a lesões estruturais. A cefaleia secundária, por sua vez, engloba cefaleia associada a traumatismo craniano, associada a doenças vasculares, distúrbios intracranianos, associada à interrupção ou inserção de substâncias, infecções não encefálicas, distúrbios metabólicos, neuralgia craniana, dores faciais e cefaleia não classificável.

A cefaleia tem prevalência de 10% e instala-se, geralmente, antes dos 30 anos de idade. Fatores desencadeantes são individuais, mas estão envolvidos com o estilo de vida, por exemplo, estresse, jejum, traumas cranianos, alguns tipos específicos de alimentos (como chocolate e cafeína). O uso de alguns medicamentos também pode ser desencadeador da cefaleia, por exemplo, antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina e vasodilatadores como bloqueadores de canal de cálcio. Exposição a ruídos, odores fortes, temperaturas elevadas, desidratação, mudanças súbitas de altitude, variações climáticas e alterações hormonais também são fatores que podem precipitar a cefaleia.

Os sintomas costumam ser intensos, interferindo no dia a dia e pode interromper o sono ou até mesmo impedir de dormir. A crise é debilitante e pode esgotar o individuo mesmo após a melhora. A dor atinge seu pico logo nas primeiras duas horas e tende a melhorar em 24 horas quando não há outro problema já pré-estabelecido, chamado então de autolimitado. Algumas enxaquecas podem ser antecipadas da aura, ou seja, conjunto de fenômenos neurológicos que antecedem a dor de cabeça, como visão turva, náuseas, vertigem, alterações na fala, fraqueza e até parestesia da face, língua e extremidades.

O tratamento da dor de cabeça autolimitada pode ser realizado com anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), sendo que a maioria é isenta de prescrição e pode ser realizada após anamnese farmacêutica em um consultório ou no momento da dispensação farmacêutica.

Ao contrário da dor de cabeça autolimitada, a enxaqueca é uma cefaleia recorrente de intensidade moderada a grave associada a sintomas neurológicos, gastrintestinais e autônomos, que dependendo da incidência, é necessário o acompanhamento neurológico preventivo com manejo não farmacológico, principalmente associado à atividade física, controle da alimentação e higiene do sono, e farmacológico, que engloba β-bloqueadores, agonistas serotoninérgicos, AINEs e até anticonvulsivantes. Como esses fármacos não são isentos de prescrição e a enxaqueca necessita de um diagnóstico, não engloba no manejo de cefaleia autolimitada.

ENTENDIMENTO PRÉVIO DO MANEJO DE PROBLEMA DE SAÚDE AUTOLIMIDADO

Primeiramente, é importante ressaltar que para realizar uma consulta farmacêutica é necessário ter consultório farmacêutico, que por sua vez segue uma norma, como a CFF nº 585/2013 e CFF nº 586/2013, a qual também engloba a prescrição farmacêutica como atribuição clínica. Portanto, a prática de diálogo com o usuário do sistema de saúde no balcão da drogaria não é uma consulta farmacêutica.

Entretanto, é dever do farmacêutico dialogar com o usuário no momento da dispensação para identificar possíveis incongruências que estejam relacionadas com os medicamentos, por exemplo, medicamento-doença, medicamento-indivíduo ou medicamento-medicamento.

Desta forma, não somente há a devida orientação quanto ao medicamento dispensado, mas também a identificação e o manejo de problema de saúde autolimitado, que é definido como uma enfermidade aguda de baixa gravidade, de breve período de latência que desencadeia uma reação orgânica, a qual tende a cursar sem dano para o paciente e que pode ser tratada de forma eficaz e segura com medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica, cuja dispensação não exija prescrição médica.

FATORES QUE INTERFEREM NA PRESCRIÇÃO FARMACÊUTICA

Em suma, o farmacêutico só deve prescrever medicamentos isentos de prescrição em casos de problema de saúde autolimitado. Para isso, o farmacêutico deve saber identificar uma cefaleia autolimitada, por exemplo, sem que mascare um problema de saúde mais grave ou comprometa a integridade física do indivíduo ou de terceiros.

Desta forma, gestantes e lactantes devem ser encaminhadas ao médico, pois, os sintomas podem estar relacionados à gravidez ou à lactação e qualquer medicamento prescrito incorretamente mascara a verdadeira situação ou compromete a integridade do feto ou do leite materno. No mesmo raciocínio, crianças menores de sete anos também precisam ser encaminhadas ao médico pediatra para melhores investigações.

Apresentação anterior de episódios de dor de cabeça na mesma intensidade pode ser um sinal de enxaqueca, que requer diagnóstico, prescrição médica e acompanhamento neurológico. Dor de cabeça ao esforço físico pode estar associada à intensa rabdomiólise ou esforço inadequado, necessitando de avaliação médica.

Alteração do estado mental pode estar associada a problema primário como tumor cerebral. Com relação à dor de cabeça com dores na nuca, deve-se ter cautela, pois, a rigidez da nuca é um sintoma clássico de meningite.

A duração do problema autolimitado é curta, não ultrapassando 48 horas, sendo que entre 36 a 48 horas, deve-se ter maior observação e cautela quanto à prescrição. Aliás, qualquer piora na intensidade de dor ou aparecimento de outros sintomas, deve-se encaminhar ao médico também.

O estado de hidratação também é importante, dispensando a necessidade de prescrição farmacêutica, pois, a reposição hídrica intravenosa com soro fisiológico já pode ser o bastante. A qualidade do sono também é um fator que pode eventualmente dispensar a necessidade de prescrição.

Cefaleia com histórico de glaucoma também deve ser encaminhado ao médico, pois pode ser um sinal de elevação da pressão intraocular. No entanto, indivíduos que utilizam óculos, quando altera o grau das lentes, pode haver leve cefaleia. Mas se não houve mudança no grau das lentes e a cefaleia começou abruptamente, sendo que outros fatores já citados tenham sido descartados, então se deve encaminhar ao médico.

Febre, problemas renais ou histórico de problemas com analgésicos (qualquer problema que seja), recomenda-se o encaminhamento ao médico para melhor avaliação e melhor prescrição.

MEDICAMENTOS QUE PODEM SER PRESCRITOS POR FARMACÊUTICOS

O farmacêutico pode prescrever medicamentos (CFF nº 586/2013) isentos de prescrição, que formam uma categoria de fármacos que não necessitam de receita médica. São considerados de alta segurança e de venda livre, facilmente adquiridos em drogaria. No entanto, apesar de serem considerados seguros, não são isentos de interações medicamentosas, tampouco de efeitos adversos ou de riscos à saúde.

Por isso, a necessidade das orientações farmacêuticas no ato da dispensação até para uma cefaleia autolimitada é de suma importância para a saúde coletiva e bem estar individual.

Englobam-se disponíveis para a prescrição farmacêutica, cabíveis para tratar a cefaleia autolimitada: ácido acetilsalicílico (AAS), paracetamol (acetominofeno), dipirona e ibuprofeno.

Quanto ao ácido acetilsalicílico, é importante identificar se há a utilização de outros anticoagulantes, antidiabéticos, tratamento da gota, ulcera/gastrite, artrite, suspeita de dengue ou alguma hipersensibilidade ao AAS. Deve-se ter cautela com indivíduos com histórico de asma. Caso positivo algum desses fatores, considerar as demais alternativas.

Quanto ao paracetamol, primeiramente, deve-se verificar se há algum problema hepático prévio, medicamentos ou plantas medicinais hepatotóxicas ou condição atrelada ao etilismo. Perguntar sobre algum histórico de hipersensibilidade ao paracetamol. Caso positivo algum desses fatores, considerar as demais alternativas.

Se houver caso positivo para ambos os casos, considera-se a dipirona, exceto nos casos em que há hipersensibilidade à dipirona, histórico de discrasias sanguíneas, uso de imunossupressores, casos raros de diminuição da pressão arterial ou qualquer outro problema. Aliás, a dipirona pode ser uma alternativa ao paracetamol para casos de cefaleia autolimitada em indivíduos que são mais sensíveis à dor, tal qual a escada analgésica da Organização Mundial da Saúde.

Se houver problemas anteriores e com a dipirona, ainda pode-se buscar tratamento com o ibuprofeno, exceto em casos em que haja problemas gástricos, uso contínuo de anticoagulantes, hipersensibilidade e suspeita de COVID-19. A hipótese ainda necessita de maiores esclarecimento se há alguma relação entre o aumento da expressão da Enzima Conversora de Angiotensina-2 (ECA2), que estaria envolvido no aumento da infecção pelo SARS-Cov-2. Além disso, como o ibuprofeno é um potente inibidor de COX-1, ou seja, há interferência na coagulação, podendo interagir com anticoagulantes. Dependendo da evolução da infecção, utilizam-se anticoagulantes, como a heparina, e desta forma, aumentando o risco de sangramento. Portanto, a fim de manter a segurança dos usuários de saúde, contraindica-se ibuprofeno em caso de suspeita de COVID-19.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da atribuição clínica do farmacêutico ter ganhado notoriedade e reconhecimento nos últimos anos, é de suma importância capacitar não só o entendimento prático, mas também a responsabilidade no ato da prescrição. É comum e simples identificar uma dor de cabeça, mas é extremamente importante e complexo não mascarar um problema secundário.

REFERENCIAS

BRASIL. Conselho Federal de Farmácia. Resolução CFF nº 586, de 29 de agosto de 2013. Regula a prescrição farmacêutica e dá outras providências. Diário Ofi cial da União, Brasília, DF, 26 set. 2013b. Seção 1, p. 136.

BRASIL. Conselho Federal de Farmácia. Resolução nº 585, de 29 de agosto de 2013. Regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico e dá outras providências. Diário Ofi cial da União, Brasília, DF, 26 set. 2013a. Seção 1 p.186.

BRASIL. Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Fascículo II – Medicamentos Isentos de Prescrição / Projeto Farmácia Estabelecimento de Saúde / CRF-SP: Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo; Organização Pan-Americana de Saúde – Brasília, 2010.

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REFERÊNCIAS

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