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O que é gestão de antimicrobianos?
A gestão de antimicrobianos (ou em inglês, Antimicrobial Stewardship) é um conceito a ser implementado na gestão hospitalar a fim de atingir três objetivos na administração de antimicrobianos e promover o uso racional dos mesmos.
O primeiro objetivo é trabalhar com uma equipe interdisciplinar a fim de garantir que o usuário receba o antimicrobiano adequado, com a dose correta e no tempo necessário ao tratamento.
O segundo objetivo é prevenir o uso excessivo, uso irracional e o abuso dos antimicrobianos, tanto em ambiente hospitalar, quanto no ambiente ambulatorial. Por exemplo, prescrição de antimicrobianos para tratamento antiviral, sem evidências científicas. Outro exemplo é o controle da febre na pancreatite utilizando antimicrobianos.
Também pode ser aplicado a casos onde não há a necessidade da antibioticoterapia, por exemplo, abcessos na pele (desde que possam ser resolvidos com drenagem e incisões) ou colonização bacteriana do trato urinário. A aplicação de antibióticos de amplo espectro contra infecções comunitárias ou em regiões endêmicas também é uma forma incorreta de se utilizar os antimicrobianos. O abuso, por outro lado, é difícil de ser rastreado e, geralmente, possui conflito de interesse financeiro.
O terceiro objetivo visa minimizar a aquisição de resistência, tanto ao indivíduo com infecção quanto na comunidade. Foi demonstrado que o desenvolvimento de resistência Gram-negativa a carbapenêmicos e cefalosporinas de amplo espectro aumenta de 10 a 20 vezes após a exposição a esses antimicrobianos. Atrelada à resistência, há o aumento da morbidade e mortalidade, além de aumentar significativamente os custos hospitalares.
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Por que é necessário?
Desde 1935 até 2003, surgiu quatorze novas classes de antibióticos. Atrelado ao rápido desenvolvimento de fármacos antibacterianos surgiu a resistência. De 1998 a 2011, 10 novos antibióticos foram aprovados, mas somente 2 deles (daptomicina e linezolida) realmente possuem alvo de ação relevante.
O custo de desenvolvimento de novos fármacos é extremamente elevado e pode ser interpretado como uma aposta arriscada, já que antimicrobianos não são tão lucrativos quanto o tratamento de doenças crônicas.
Desta forma, o uso racional de antimicrobianos é o principal desafio, encontrando-se frente à falta de interesse da indústria farmacêutica em desenvolver fármacos com menor espectro de ação e que os atuais sejam prescritos de maneira correta. Fazem-se necessários sistemas de gestão de antimicrobianos, sobretudo em ambiente hospitalar, rígidos e com o uso restrito.
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Quem participa da gestão?
Os hospitais possuem a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), que é uma equipe multidisciplinar, geralmente compõem a comissão um médico infectologista e um farmacêutico, no mínimo. A colaboração dos laboratórios de microbiologia e a epidemiologia hospitalar são vitais para a expansão dos horizontes de atuação da comissão.
Além disso, é fundamental a participação de membros administrativos para que a CCIH tenha força na gestão hospitalar e seja um meio de interligar a área administrativa aos profissionais da saúde.
A área especializada em comunicação é útil para divulgação de informações tanto para aumentar a adesão à CCIH dos demais profissionais da área da saúde, quanto na educação em saúde para os usuários do sistema de saúde.
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Como realizar a gestão?
Existem duas abordagens bem sucedidas para administrar antimicrobianos e, geralmente, implementa-se a combinação de ambas.
A abordagem “pré-prescrição para administração usa autoridade prescritiva restritiva”, ou seja, alguns antimicrobianos são selecionados e considerados de uso restrito, requerendo a autorização prévia para uso por todos, exceto um seleto grupo de médicos.
A vantagem desta abordagem é que se direcionam alguns antimicrobianos para tratamentos específicos, com base nos padrões de resistência local.
A outra abordagem é “pós-prescrição para administração usa revisão e feedback prospectivos”. O prescritor do antimicrobiano revisa as ordens atuais de fármacos antimicrobianos e fornece aos médicos recomendações para continuar, ajustar, alterar ou descontinuar a terapia com base nos estudos microbiológicos disponíveis e nas características clínicas do caso.
A vantagem é o poder de focar na redução da escalada, um aspecto crítico do uso inadequado de antimicrobianos. Desescalonamento é a modificação do regime terapêutico do antimicrobiano empírico inicial com base em dados de cultura, testes laboratoriais e o estado clínico do indivíduo, por exemplo, mudança do espectro ampliado para mais estreito, terapia combinada para monoterapia ou até mesmo a interrupção total.
As técnicas de biologia molecular são formas de diminuir a escalada mais cedo no curso do antibiótico, apesar de representar elevado custo, ainda assim representa um impacto positivo nas finanças quanto aos custos de antibióticos, tempo de hospitalização e as variáveis atreladas à resistência.
Outras técnicas também são importantes para realizar a gestão de antimicrobianos. A restrição de fármacos é uma técnica utilizada para minimizar as opções terapêuticas, assim, uma padronização demonstraria menor desenvolvimento de resistência e menor gasto com fármacos pouco utilizados ou ineficientes.
Algoritmo de tratamento é uma técnica que pode relacionar as opções terapêuticas com diretrizes e fatores clínicos relevantes, como alergia, função renal, custo de terapia. Apesar de depender do nível de sofisticação, os algoritmos são decisivos para minimizar os erros do tratamento empírico.
Diretrizes clínicas utilizam recomendações nacionais e internacionais, mas precisam incorporar as tendências locais nas resistências antimicrobianas e metas específicas do hospital a fim de reduzir custos. A grande vantagem é que incorpora inúmeras evidências científicas no hospital, alcançando profissionais que não possuem especialidade em infectologia. Em paralelo a essa técnica, há a educação em saúde, onde se devem elaborar programas educacionais sobre antimicrobianos, elaboração de algoritmos e diretrizes e debates sobre a utilização destes fármacos.
Otimizar as doses é técnica utilizada para atingir a eficácia, tecido alvo e minimizar o uso em off label. Com essa técnica, maximizam-se os efeitos do fármaco através de uma padronização e minimiza-se a ocorrência de resistência.
Apoio à decisão assistidos por computador é uma técnica que depende da capacidade hospitalar em investir em computadores e programas (software) que auxiliem a administração de antimicrobianos. Desta forma, diminui a ocorrência de efeitos inesperados, incompatibilidades e as susceptibilidades.
Programa de troca endovenosa para oral é a parte que deve ter a presença vital dos farmacêuticos trabalhando em conjunto com os médicos, pois é papel do farmacêutico redigir ordens de trocas e manter a biodisponibilidade efetiva, ou seja, ao trocar a via endovenosa pela via oral, a efetividade deve ser mantida, com toxicidade mínima.
Programa de dosagem é outra área de atuação do farmacêutico clínico/hospitalar, pois alguns fármacos como a vancomicina e alguns aminoglicosídeos precisam ter seus níveis séricos monitorados. Eventualmente, há necessidade de ajustes de doses, troca de fármacos e monitoramento laboratorial (função renal e hepática, por exemplo).
A ciclagem de antibióticos também é uma técnica onde há a remoção programada e substituição de antimicrobianos específicos ou classes de antimicrobianos. A hipótese é que removendo classes ou fármacos específicos regularmente, o desenvolvimento de resistência pode ser evitado. Esta é uma técnica ainda não muito bem esclarecida quanto aos efeitos benéficos, mas deve ser estudada e discutida.
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Passo a passo da implementação da gestão antimicrobiana
Primeiro ponto é o entendimento dos agentes patógenos e o uso de antimicrobianos na instituição, ou seja, é necessário individualizar o plano de gestão de acordo com os agentes patógenos e aos antimicrobianos disponíveis.
A avaliação dos recursos é onde há o estudo da infraestrutura e da disponibilidade de recursos para se implementar a gestão, isto é, verificar a disponibilidade de computadores, prescrições digitais e saber como utilizá-las em favor do monitoramento dos antimicrobianos.
Para se atingir um plano de gestão também é necessária a determinação de áreas prioritárias para ter um caminho a seguir e conseguir atingir toda instituição. É fundamental o entendimento dos recursos disponíveis para saber qual a área prioritária e iniciar a amplificação da gestão.
O envolvimento de líderes é o ponto crucial que dá voz e sustentação da gestão de antimicrobianos para todo o hospital, assim como foi dito na participação dos gestores e da administração na CCIH.
Desenvolver um plano de negócios requer muito esforço e entendimento financeiro da instituição. É necessária a inclusão não só dos custos dos antibióticos, mas também dos fatores aos quais está atrelado, como custo de internação, extensão da internação, reagentes laboratoriais para monitorização de níveis séricos, programas de computador, dentre outros. Talvez o maior custo seja a disponibilidade de financiar trabalhadores para trabalharem na gestão.
Por fim, após o planejamento e o entendimento da infraestrutura e disponibilidade de recursos da instituição, deve-se colocar o plano em ação, monitorando os gastos e cumprindo cronogramas. Além disso, solicitar feedbacks e monitorar os impactos da gestão é crucial para a administração de antimicrobianos bem-sucedida, pois amplia a adesão dos profissionais da saúde e da administração.
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Considerações finais
Da perspectiva prática, implementar um programa de administração é complexo e de dimensões gigantescas, além de não se ter estudos concretos dos reais impactos de uma boa gestão de antimicrobianos.
No entanto, faz-se necessário desenvolver planos de gestão para monitorar e promover o uso racional dos antimicrobianos, sobretudo após a pandemia, onde é possível que haja uma forte tendência de bactérias resistentes à amoxicilina e azitromicina.
Não somente os antibióticos, mas antifúngicos também necessitam de forte monitoramento. A gestão de antimicrobianos promove melhor efetividade e segurança ao usuário e também impacta positivamente nos custos institucionais e no controle de infecções resistentes.
Lida-se com um cenário com poucos fármacos disponíveis e com muitos agentes infeciosos cada vez mais resistentes a inúmeras classes de antimicrobianos. O arsenal terapêutico contra infecção fica cada vez mais restrito e complicado para se usufruir. É um grande impacto à saúde coletiva e necessita-se de planos de gestão eficientes.
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