Entender o sistema de saúde é saber que SUS não se refere apenas à sistema público e único de saúde, mas sim compreender que todos os serviços executados pelo SUS podem ser ofertados, diretamente ou mediante a participação da iniciativa privada (artigo 197 da Constituição Federal de 1988).
Portanto, para falar em qualquer Política Pública de Saúde é importantíssimo, que possamos compreender alguns artigos da Constituição Federal de 1988 que se referem à saúde. Desde àqueles que se encontram formando a tríade da seguridade social, até os que falam das competências desse sistema tão abrangente chamado SUS.
Saúde não se conceitua apenas pela ausência de doença, mas também, segundo o artigo 196 da Constituição Federal (1988), “Saúde é um direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas, que visa reduzir o risco de doenças e outros agravos, objetivando o acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde”. Notadamente, dentro deste conceito ampliado de saúde, vê-se que não adianta o indivíduo ser ausente de doenças, se os fatores que condicionam e determinam a saúde estão em defasagem.
Oras, se pensarmos em uma pessoa sem comorbidades, mas que more em um local sem saneamento básico, que não pratique atividade física e que esteja desempregado, podemos até, naquele momento de atendimento nos deparar com um indivíduo “saudável”, mas que provavelmente esses fatores citados condicionará a uma doença futura, seja ela física, mental e/ou social.
Desta forma as políticas públicas de saúde devem andar de mãos dadas com o arcabouço legal do SUS, ou seja, a tríade formada pela Constituição Federal de 1988, Lei 8080/90 e a Lei 8142/90, portanto tudo aquilo que embasa e preconiza o SUS de forma legal.
E por tratar de legalidade do Sistema de Saúde, cabe lembrar dos princípios e diretrizes do SUS, então vamos pontuar cada um desses princípios para ficar de mais fácil entendimento:
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UNIVERSALIDADE de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência.
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INTEGRALIDADE, sendo um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, sejam eles preventivos e/ou curativos; individuais e/ou coletivo, exigidos de acordo com cada caso e em qualquer um dos níveis de complexidade
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PRESERVAÇÃO DA AUTONOMIA das pessoas na defesa de sua integralidade física e moral.
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IGUALDADE da assistência à saúde, sem pré-conceitos ou privilégios de qualquer espécie. Portanto, dando às pessoas as mesmas oportunidades.
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EQUIDADE na adaptação às oportunidades deixando-as de forma justa.
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Direito à INFORMAÇÃO, às pessoas assistidas, sobre sua saúde.
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DIVULGAÇÃO de informação, quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário.
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UTILIZAÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA para estabelecimento de prioridade, a alocação de recursos e a orientação programática.
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ORGANIZAÇÃO DE ATENDIMENTO público específico e especializado para mulheres e vítimas de violência doméstica.
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PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE
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DESCENTRALIZAÇÃO político-administrativa com direção ÚNICA em cada esfera de governo.
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Ênfase na descentralização dos serviços para os municípios.
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REGIONALIZAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO, na rede de serviços de saúde.
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INTEGRAÇÃO em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico.
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CONJUGAÇÃO DOS RECURSOS financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, Estado, DF e Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população.
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CAPACIDADE DE RESOLUÇÃO DOS SERVIÇOS em todos os níveis de assistência.
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REGIONALIZAÇÃO para organização dos serviços públicos de modo a evitar a duplicidade dos meios para os mesmos fins (PASSOS, O. B.S, 2018).
Teoricamente, a literatura divide os princípios e diretrizes de modo que acaba não contemplando todos os princípios do SUS “como deveria ser”. A partir do momento em que se entende o que seria cada um desses princípios citados, passamos a compreender que toda diretriz é um princípio, mas nem todo princípio é uma diretriz.
O artigo 198 da Constituição Federal (1988), aborda além da aplicação mínima de recursos na saúde e a forma de admissão de agentes comunitários de saúde e agente de combate a endemias, as diretrizes do SUS como sendo: descentralização, com direção única em cada esfera do governo; integralidade, com prioridade para as atividades preventivas sem prejuízo dos atendimentos assistenciais; participação da comunidade; e regionalização e hierarquização das ações e serviços que integram e constituem um sistema único.
Parte desse arcabouço que proporciona a legalidade para o SUS, embasa a criação de políticas públicas para a saúde. E um belo e pouco comentado exemplo, é o da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (LGBT), instituída através da Portaria n° 2.836/2011, que passa a ser um marco histórico, um divisor de águas para esta população com uma grande demanda de risco de vulnerabilidade. Onde o objetivo geral passa a ser a saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, estimulando a eliminação da discriminação e o preconceito cravado em nossa sociedade atendendo de forma universal, igualitária e equitativa esse público que anteriormente era tão invisível aos olhos de quem deveria ofertar o cuidado.
Primeiramente, para saber um pouco dessa política se faz necessário entender o que significa cada uma dessas letras que a representa. LGBTQIAP+, abrange mais pessoas do que essas letras apontam, por este motivo temos o + (mais) representando essa expansão, ou seja, pessoas se abrem para múltiplas possibilidades de orientação e não se encaixam em nenhuma das siglas. Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli e mais. Então vamos tentar abordar de forma breve o que seriam cada uma dessas palavras:
– Lésbicas: são sempre mulheres ou pessoas não-binárias que se alinham com o gênero mulher de alguma forma.
– Bi: são pessoas que sentem atração por dois ou mais gêneros.
– Transgêneros, ou trans: são pessoas cujo gênero designado ao nascimento é diferente do gênero designado ao que possuem.
– Queer/genderqueer: é um termo muitas vezes usado de forma pejorativa, por representar pessoas que não querem ou não sabem se definir e ao mesmo tempo não são heteros.
– Intersexo: são pessoas que não se encaixam como sexo feminino ou sexo masculino, em características, por exemplo, biológicas.
– Assexuais: é uma forma de viver a sexualidade, caracterizada pelo desinteresse pela prática sexual, podendo ou não ainda ser acompanhando por um desinteresse por relacionamentos amorosos.
– Arromânticas: são pessoas que nunca ou raramente se apaixonam.
– Pan/poli: sentem atração por todos os gêneros ou sentem atração por muitos gêneros (importante não confundir com poliamor, tá?) (ORIENTANDO.ORG, 2016)
Após entendermos um pouco sobre esta população que cresce cada vez mais e de forma mais empoderada, agora fica mais fácil entender como essa comunidade passa ter uma política exclusiva, para incidir sobre os diferentes condicionantes e determinantes que sustentam a desigualdade social em saúde que acometem a população LGBTQIA+. Desta forma o plano operativo da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, encontra-se estruturado em quatro eixos estratégicos. São eles:
– Eixo 1: Acesso da população LGBT à Atenção Integral à Saúde
– Eixo 2: Ações de Promoção e Vigilância em Saúde para a população LGBT
– Eixo 3: Educação permanente e educação popular em saúde com foco na população LGBT.
– Eixo 4: Monitoramento e avaliação das ações de saúde para população LGBT (Ministério da Saúde. 2013).
Em 2004, o Ministério da Saúde juntamente com o Conselho nacional de Combate à Discriminação criou o: Brasil Sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBT e de Promoção da Cidadania Homossexual, visto que desde 1980 a luta dessa população contra a discriminação vinha se fortalecendo cada vez mais. O Plano Plurianual 2004-2007, definiu o Programa com base nos dados de violência ao grupo que vinha subindo cada vez mais e as investigações de crimes contra essa população vinha diminuindo, indo assim em contrapartida com a Constituição de 88, que não contemplava a orientação sexual como forma de discriminação (Ministério da Saúde, 2004).
Se fomos analisar na prática, serão verificadas divergências grotescas no que diz respeito as condutas adotadas, pelos profissionais de saúde, em 2019 o jornal Estadão apontou em uma pesquisa que não é só no sistema público de saúde que os profissionais não estão capacitados para atendê-los (HONORATO L., 2019). Também não podemos deixar de lado que ainda há um esforço por parte de alguns profissionais de saúde, para que os eixos que estruturam o Plano Operativo da Política LGBT, sejam de fato posto em prática, empoderando ainda mais a população nas Unidades de Saúde. Contudo, infelizmente, pouco se vê em avanço quando se trata desta temática, principalmente quando se refere a Unidade Básica de Saúde, uma vez que esta é a principal porta de entrada para o Sistema.
Neste contexto o SUS real se mostra distante do SUS estruturado politicamente, mas a mobilização social e a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos da população LGBT, mesmo estando abaixo do que se espera, preserva vidas e auxilia o processo de promoção das condições indispensáveis para o pleno exercício da saúde, apontando assim que mesmo sendo, uma realidade distante já se vê coerências com os princípios e diretrizes do SUS preconizados pela Constituição Federal vigente.
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REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 1988. Disponível em: planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acessado em: 09 de junho de 2020.
HONORATO, L. Apesar de políticas, população LGBT enfrenta dificuldades no acesso à saúde. São Paulo, SP. 2019. Disponível em: estadão.com.br Acessado em: 10 de junho 2020.
MINISTÉRIO DA SAÚDE, Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e Promoção da Cidadania Homossexual. Brasília, DF. 2004. Disponível em: bvsms.saude.gov.br Acessado em: 11 de junho de 2020.
MINISTÉRIO DA SAÚDE, Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília, DF. 2013. Disponível em: bvsms.saude.gov.br Acessado em: 12 de junho de 2020.
ORIENTANDO.ORG, O que significa LGBTQIA+. São Paulo, 2016. Disponível em: orientando.org Acessado em: 10 de junho 2020.
PASSOS, O.B. S; PASSOS, R.S.; SILVA, D. N; PASSOS C.S.; Legislação do SUS, Saúde Pública e Epidemiologia para Concursos e Residências. João Pessoa, PB: Editora Brasileiro, 2018.