Olhar crítico para a violência sexual e doméstica na APS | Colunista

A Atenção Primária à Saúde (APS) tem como base fundamental promover a proximidade longitudinal da família com os serviços disponíveis em formatos de Estratégias de Saúde da Família. Com isto, cabe a equipe multiprofissional servir como suporte a esses usuários dando-lhes norteamento no que se refere a rede de saúde e suas possibilidades (FONTANELLA, 2019).

Agudelo (1990) afirma que “ela (a violência) representa um risco maior para o processo vital humano: ameaça a vida, altera a saúde, produz enfermidade e provoca a morte como realidade ou como possibilidade próxima”. Deste modo, a violência não faz parte dos problemas específicos de saúde, porém, ela afeta a saúde. 

Assim, a equipe de saúde enfrenta esse tema de forma indireta no campo prático, pois nem sempre a vítima vai à procura do serviço por conta da violência, mas pela consequência do episódio de violência; ficando a violência mascarada por outros sinais e sintomas (FONTANELLA, 2019). Tendo esse agravo algumas peculiaridades, como a equipe de saúde pode enfrentar esses problemas? 

Para responder essa pergunta norteadora, precisamos observar alguns aspectos referentes às possibilidades que o profissional de saúde é amparado. 

  • Você conhece o SINAN e o que é Notificação Compulsória?

  • Notificar ao SINAN é Registrar o Boletim de Ocorrência (BO) ou registrar o BO é notificar ao SINAN?

  • Quais as ideias e dúvidas dos profissionais de saúde no que se refere à violência?

  • O que mais o enfermeiro pode fazer frente a violência doméstica?

Você conhece o SINAN e o que é Notificação Compulsória?

O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) é alimentado pela notificação de casos de doenças e agravos que constam na lista nacional de doenças de notificação compulsória. Sua utilização efetiva permite a realização do diagnóstico dinâmico da ocorrência de um evento na população, podendo fornecer subsídios para explicações causais, além de vir a indicar riscos aos quais as pessoas estão sujeitas, contribuindo assim, para a identificação da realidade epidemiológica de determinada área geográfica (PORTAL SINAN).

Auxilia também os profissionais de saúde a terem acesso à informação, lhe permitindo ter planejamento de saúde e prioridades de intervenções, tornando possível a avaliação destas e a formulação de políticas públicas que contemplem tais agravos (PORTAL SINAN).

Notificação compulsória é obrigatória para profissionais de saúde, sendo estes médicos, enfermeiros, odontólogos, médicos veterinários, biólogos, biomédicos, farmacêuticos e outros no exercício da profissão, bem como também os responsáveis por organizações e estabelecimento de saúde público ou privado (Secretária de Saúde do Distrito Federal, 2018).

Portanto, a partir de 2009 passou a ser integrada à lista de notificação compulsória as violências interpessoais e/ou auto provada, sendo assim, cabe ao profissional de saúde notificar as incidências (casos novos) ao SINAN.

Notificando ao SINAN é Registrar o Boletim de Ocorrência (BO) ou registrar o BO é notificar ao SINAN?

Segundo o Ministério da Saúde, BO (Boletim de Ocorrência) é um registro oficial da notícia de um fato à polícia, que não tem prazo limite para passar por escrito. Nos casos de violência, se a vítima for maior que 18 anos e não sendo considerada “vulnerável”, cabe a mesma fazer o BO ou autorizar sua efetivação, tendo prazo de 6 meses para isso.

Já o SINAN é um sistema de notificação afim de observar as ocorrências em magnitude de dada região. Assim, o profissional de saúde deverá fazer essa notificação mesmo se a vítima não oferecer denúncia aos órgãos legais. 

Ou seja, notificar o sistema de notificação não é o mesmo que prestar o BO, sendo a notificação obrigatória caso o profissional perceba que a condição da vítima se dá devido à violência, importante ressaltar também que esta notificação é de caráter sigiloso (FONTANELLA, 2019).

Quais as ideias e dúvidas relacionadas aos profissionais de saúde no que se refere à violência?

Os profissionais expõem-se a medos e possibilidades de ameaças físicas e psicológicas, o que provavelmente influencia suas subjetividades enquanto avaliam vítimas de violência. Entretanto, são respaldados legalmente para notificar sigilosamente, sem que a identidade da vítima seja veiculada fora do sistema de saúde, pois os dados alimentam exclusivamente o sistema de vigilância epidemiológica do SINAN (FONTANELLA, 2019).

Segundo FONTANELLA (2019), em sua pesquisa, foi possível perceber que há uma prevalência no pensamento dos profissionais entrevistados de que denunciar às autoridades policiais é o correto, deixando assim de notificar, ou achar isso não pertencer a sua profissão. Ocorreu também o pensamento de que cabe unicamente às Unidade de Pronto Atendimento (Prontos-Socorros); ainda mais, houve apontamentos de que o profissional tem que escolher entre preencher a ficha de notificação ou acompanhar o caso.

Concluindo seu estudo, de que há necessidade de maior capacitação nos cursos de graduação e técnicos voltados para este tema. Assim, os profissionais terão a capacidade de tomar a melhor decisão quanto ao caso (no que se refere a prestar assistência para a paciente) e na notificação (preenchimento da ficha e encaminhamento ao SINAN); tanto, também, na diferenciação e identificação das diferentes facetas presentes na violência de gênero (FONTANELLA, 2019).

O que mais o enfermeiro pode fazer frente a violência?

Primeiro de tudo deve proporcionar para a paciente, vítima de violência, apoio, delicadeza e buscar compreender como a mesma está vendo a situação e como ela está quanto a isso (se sentindo culpada pela agressão, por exemplo), pois pode ser bastante confuso e desnorteador tal acontecimento. Acolher essa vítima e ser sensível sobre todos os aspectos que a mesma apresentar, não criticar ou procurar feitos da vítima que “justifique” a violência; pois a culpa não cabe a ela (Caderno de Atenção Básica nº 8, Ministério da Saúde, 2002).

Há a necessidade de um atendimento que transcenda o modelo biomédico, não se limitar tão somente a medicalização, mas buscar trazer uma abordagem mais humanizada e sensibilizada (HASSE, 2014). Sendo importante levar em consideração a rede de atendimento a saúde, como a APS é a porta de entrada, o atendimento clínico pode ser sucedido por um encaminhado ao psicólogo e até mesmo a assistência social, por exemplo.

A Norma Técnica de Atenção Humanizada às pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios, do Ministério da Saúde (2015), registra a importância do acolhimento adequado, da escuta qualificada, deixar claro as opções e o que será ofertado a vítima; apresenta também as seguintes opções de etapas do atendimento no que tange à violência sexual: 

  • Acolhimento;

  • Registro da história;

  • Exames clínicos e ginecológico;

  • Coleta de vestígios;

  • Contracepção de emergência;

  • Profilaxia para HIV, IST e Hepatite B;

  • Comunicação obrigatória por ficha de notificação;

  • Exames complementares;

  • Acompanhamento social e psicológico; e,

  • Seguimento Ambulatorial.

O caderno de Atenção Básica nº 8 (2002) concede a responsabilidade ao profissional de saúde a estar atento se há possibilidade de algum membro da família está sendo vítima de violência, mesmo que não seja visível essa possibilidade. Cabendo ao profissional, por meio de diálogos e visitas domiciliares, ter um relacionamento com a família para esta abertura futura de denúncia. 

Não obstante, não cabe somente a percepção e encaminhamento ou acolhimento das vítimas, os profissionais de saúde devem estar acompanhando os casos e as vítimas e sua família, estarem à par de como está se sucedendo os meios legais e se há reincidências de violência (HASSE, 2014).

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Referencias

AGUDELO, S. F., 1990. La Violencia: un problema de salud pública que se agrava en la región. Boletin Epideniologico de la OPS, 11: 01-07.

Minayo MCS. Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad Saúde Pública. 1994. Acesso em: 18 de Julho de 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X1994000500002

Ministério da Saúde (BR). Aspectos Jurídicos do Atendimento às Vítimas de Violência Sexual: Perguntas e Respostas para Profissionais de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. Acessado em: 18 de Julho de 2020. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ aspectos_juridicos_atendimento_vitimas_violencia_2ed.pdf

FONTANELLA, Bruno José Barcellos; DE CÁSSIA LEITE, Alessandra. Violência doméstica contra a mulher e os profissionais da APS. Revista Brasileira De Medicina De Família E Comunidade, v. 14, n. 41, p. 2059-2059, 2019.

Portal Sinan. O SINAN. Acesso em: 18 de Julho de 2020. Disponível em: http://portalsinan.saude.gov.br/#:~:text=O%20Sistema%20de%20Informa%C3%A7%C3%A3o%20de,I)%2C%20mas%20%C3%A9%20facultado%20a

Secretária de Saúde do Distrito Federal. Notificação Compulsória, 2018. Acessado em: 19 de julho de 2020. Disponível em: http://www.saude.df.gov.br/notificacao-compulsoria/.

Mistério da Saúde (BR). Norma Técnica de Atenção Humanizada às pessoas em situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Brasília: Ministério da Saúde, Ministério da Justiça e Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2015. Acessado em: 07 de Agosto de 2020. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_pessoas_violencia_sexual_norma_tecnica.pdf

HASSE, Mariana; VIEIRA, Elisabeth Meloni. Como os profissionais de saúde atendem mulheres em situação de violência? Uma análise triangulada de dados. Saúde em Debate, v. 38, n. 102, p. 482-493, 2014.

Ministério da Saúde (BR). Violência Intrafamiliar: Orientações para a Prática em Serviço. Cadernos de Atenção Básica – nº 8. Brasília, 2002.