A terapia de grupo é um modelo psicoterápico introduzido nos anos 40 e que, desde então, passou por diversas adaptações para o uso na prática clínica. Novas teorias psicológicas, conceitos e cenários clínicos foram adaptados no trabalho com os grupos, de modo que atualmente diversas abordagens compõem o quadro dessa modalidade.
Em termos conceituais entendemos a psicoterapia de grupo como uma modalidade psicoterápica com foco nas interações interpessoais para a mudança de padrões mal adaptativos. Ou seja, um dos seus pressupostos básicos (que inclusive a diferencia do atendimento individual) é apostar na “força” que a interação grupal tem para produzir mudanças de caráter interpessoal significativas.
As propostas de trabalho são diversificadas, de modo que a composição dos grupos pode envolver o trabalho com algum transtorno mental (transtorno do pânico, depressão), questões relativas à saúde física (diabetes, HIV/AIDS, obesidade), modalidades que envolvem grupos rápidos e de grande rotatividade para pacientes hospitalizados, grupos abertos, grupos psicoeducacionais etc.
Como apontado, o trabalho com os grupos pode ser executado a partir de diferentes abordagens da Psicologia, em diversos contextos e formatos. Então, como abordar as “terapias” de grupo? Uma estratégia que tem sido utilizada envolve compreender os mecanismos básicos de mudança. Esses mecanismos são fatores ou variáveis terapêuticas que, uma vez presentes em uma intervenção, são preditores de mudança em psicoterapia.
Descreve-se a existência de 11 mecanismos que, independente da abordagem teórica utilizada, são comuns as diversas modalidades de psicoterapia de grupo. A relevância de se utilizar ou compreender tais mecanismos envolve tornar a psicoterapia de grupo efetiva, no sentido de proporcionar benefícios significativos para os participantes diante das queixas apresentadas.
Dada a importância desses mecanismos nesse modelo de intervenção, esses mecanismos serão abordados no decorrer do texto, bem como os papéis assumidos pelo terapeuta de grupo no manejo desses fatores.
Os fatores terapêuticos na psicoterapia de grupo
Os fatores de mudança em psicoterapia de grupo são onze:
Fator 1 – Instilação de esperança:
A confiança em um tratamento por si só pode ser efetiva. Quando os pacientes apresentam expectativas positivas em uma proposta terapêutica, isso pode ter efeitos em relação a sua situação. A esperança é um mecanismo propício ao contexto de grupo, pois possibilita ao participante perceber que outras pessoas que enfrentam os mesmos problemas estão apresentando melhora, o que faz com que o sujeito tenha confiança em sua própria melhora.
O terapeuta pode favorecer esse mecanismo através da psicoeducação, reforçando os as expectativas positivas, compartilhando informações a respeito dos benefícios da terapia e grupo e corrigindo preconceitos quanto a essa modalidade. Além disso, pode periodicamente chamar a atenção para os avanços obtidos por cada membro.
Fator 2 – Universalidade:
Comumente, os problemas ou sentimentos apresentados pelas pessoas podem ser vistos como singulares, íntimos, causando a impressão de que apenas elas têm esses problemas. A terapia de grupo é uma excelente oportunidade de entrar em contato com pessoas que apresentam preocupações semelhantes – “estamos todos no mesmo barco”.
Esse fator é concebido como uma “fonte de alívio” aos pacientes ao perceberem que compartilham dos mesmos problemas de outras pessoas. Isso diminui o isolamento, a vergonha e o estigma, validando os sentimentos, pensamentos e demais problemas apresentados por eles. O terapeuta cumpre um papel fundamental nesse fator, ao favorecer entre os membros do grupo movimentos que envolvam compartilhamento de experiências e autorrevelação dos participantes.
Fator 3 – Compartilhamento de informações:
A psicoeducação é uma parte importante dos programas de psicoterapia em grupo, pois a explicação e o esclarecimento funcionam em parte como agentes terapêuticos. O compartilhamento de informações pode envolver a instrução didática sobre saúde mental, transtornos mentais ou outros temas necessários. Os membros se beneficiam ao aprenderem sobre o funcionamento psíquico ou sobre alguma demanda que seja tema da discussão.
O terapeuta não é o único responsável por transmitir informações. Os membros também se beneficiam das sugestões, estratégias e informações de outros membros do grupo que passaram ou passam por situações semelhantes. Para isso, é importante que o contexto desenvolvido seja mais de parceira e colaboração do que prescrição e subordinação.
Fator 4 – Altruísmo:
Nos grupos de terapia, os membros ganham por darem, não apenas por receberem ajuda. A experiência de perceberem que podem ter contribuído para outra pessoa pode ser considerada renovadora para a autoestima dos participantes. O formato da terapia de grupo é interessante por proporcionar esse contato e a oportunidade de ajudar outras pessoas.
É importante que os participantes tenham espaço para proporcionar apoio, tranquilização, insights, sugestões e compartilhamento de problemas semelhantes entre si. Quando essas observações vêm dos próprios participantes, o efeito pode ser ainda mais relevante do que caso venha do terapeuta.
Fator 5 – Recapitulação corretiva do grupo familiar primário:
Na terapia de grupo existe a possibilidade de os membros reviverem e recapitularem padrões comportamentais semelhantes aos que apresentavam grupo familiar primário. Os líderes e outros membros podem ser vistos como figuras parentais, o que produz reações associadas a essas figuras. Os conflitos familiares revividos na terapia de grupo devem ser conduzidos de modo que sejam corrigidos através de pontuação dos outros membros e do terapeuta.
Fator 6 – Desenvolvimento da socialização:
A aprendizagem de habilidades sociais é um elemento muito presente nas terapias de grupo. Lidar com o ambiente grupal favorece o desenvolvimento de habilidades que muitas vezes são o objetivo do tratamento. Essas habilidades, como resolução de conflitos e expressão de empatia, são importantes tanto para o processo no grupo, quanto para interações sociais externas.
Fator 7 – Comportamento imitativo:
Durante a psicoterapia de grupo, os participantes podem modelar-se a partir de aspectos de outros membros do grupo ou do próprio terapeuta. Ou seja, os membros podem se beneficiar observando e imitando os outros a lidarem com seus problemas, e até mesmo experimentarem outros comportamentos que não apresentariam em seu repertório pessoal.
A partir dessa constatação, ressalta-se o papel do terapeuta em propiciar espaços para que todos possam compartilhar experiências e estratégias utilizadas para lidarem com as questões e demandas debatidas.
Fator 8 – Aprendizagem interpessoal:
Questões individuais, na interação com os demais membros do grupo, surgem e constituem um microcosmo social no contexto do grupo. Ou seja, os membros passam a manifestar comportamentos interpessoais mal adaptativos no grupo. Isso possibilita que sejam entendidos na dinâmica de interação, identificados e corrigidos pelo grupo.
É de fundamental importância que o terapeuta propicie uma atmosfera grupal que possibilite interações espontâneas o desenvolvimento autêntico desse microcosmo, de modo que essas questões problemáticas possam vir à tona, sejam expressas abertamente e corrigidas pelos demais membros.
Fator 9 – Coesão grupal:
A coesão grupal diz respeito ao sentimento de pertencer a um grupo. Ela é entendida como a atração de um grupo por seus membros. É um mecanismo importante, pois ter afinidade com seus membros facilita a aceitação dos demais, além de possibilitar o estabelecimento de relacionamentos mais profundos com os outros.
Ser aceito e se sentir parte do grupo é importante para que o membro esteja inclinado para valorizar e concordar com os julgamentos e impressões do grupo. Por isso, é importante que o terapeuta garanta a coesão grupal. Esse fator é determinante para a ação dos demais fatores terapêuticos, uma vez que possibilita que os membros se percebam como parte de um grupo.
Fator 10 – Catarse:
A expressão de emoções e a identificação com as emoções dos outros membros favorece a liberação e elaboração compartilhadas. Nesse sentido, a catarse é entendida como um fator importante em todo o grupo. Ela pode possibilitar a formação de vínculo entre os membros. Além disso, é importante que a expressão emocional seja acompanhada de uma reflexão sobre a experiência.
Fator 11 – Fatores existenciais:
O grupo é um importante cenário para abordagem dos grandes temas existenciais (como a doença e a morte). Isso pode auxiliar as pessoas a lidarem com essas questões, uma vez que a troca de experiências sobre o assunto possibilita uma percepção mais ampla a respeito desses temas.
A relevância do trabalho com os fatores terapêuticos
A partir da descrição dos mecanismos preditores de mudança, fica evidente a importância do uso dessa modalidade de intervenção e da consideração desses fatores no contexto da terapia de grupo. Diversos benefícios podem ser alcançados ao considerá-lo, o que possibilita uma prática interventiva mais eficaz para os membros do grupo. O trabalho com grupos é, portanto, um recurso fundamental das práticas psicoterápicas.
A compreensão dos fatores terapêuticos separadamente é uma divisão didática, uma vez que eles são interdependentes. A ocorrência de um pode ser condição ou afetar a ocorrência do outro. Além disso, podem ocorrer em níveis ou aspectos diferentes. A catarse é um fator importante para o nível da emoção, ao passo que o desenvolvimento da socialização é mais marcante nas mudanças comportamentais evidenciadas.
Além interação entre os fatores será diferente segundo cada tipo e configuração de grupo, por mais que os mesmos fatores operem em todo tipo de grupo. Por fim, diferentes membros de um mesmo grupo podem se beneficiar diferentemente de cada fator. Proporcionar o trabalho com tais fatores que se manifestam dentro de um grupo pode torná-lo uma ferramenta interessante para a intervenção terapêutica, propiciando assim benefícios para os seus membros.
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Referências bibliográficas
SANTOS, L. F. et al. Fatores terapêuticos em grupo de suporte na perspectiva da coordenação e dos membros do grupo. Acta paul. enferm., São Paulo , v. 25, n. 1, p. 122-127, 2012 .
YALOM, I. D.; LESZEZ, M. Psicoterapia de grupo: teoria e prática. Porto Alegre, Artmed: 2006.