O papel do dentista na introdução alimentar infantil | Colunista

Quando pensamos no profissional “cirurgião dentista”, o primeiro pensamento que nos ocorre é “dente”, e infelizmente para a maioria das pessoas (nossos pacientes) essa palavra e a cavidade bucal resumem e abrangem toda a nossa área de trabalho. Entretanto, somos profissionais de saúde e como tal devemos assumir o nosso papel de agente de saúde.

Seguindo o pensamento que nos resumimos a “dentes”, surge uma segunda palavra que resume nossa técnica profissional: tratar cáries. Seguido de diversas orientações como “não consuma açúcar… escove os dentes.” Olha ai, os dentistas interferindo na alimentação das pessoas, certo? Certo.

Porém eu e você com as nossas noites em claro, sabemos que o nosso conhecimento e papel não se restringe a apenas isso. Temos sim, um papel importante na hora de orientar sobre a alimentação e inclusive desde o seu início, na introdução alimentar infantil. Claro, que respeitando nossos colegas de profissão (nutricionistas) e sempre apenas na área que possuímos conhecimento. Ou seja, nada passar um cardápio de refeições para o seu paciente, mas sim orientá-lo.

Como agentes de saúde devemos buscar a promoção do aleitamento materno, e de bons hábitos alimentares. Pois isso além da manutenção da saúde do indivíduo em um todo, é fundamental para um correto desenvolvimento do sistema estomatognático. A construção desses hábitos ocorre desde as primeiras horas de vida, com oferecimento e incentivo ao aleitamento materno.

Como dentista como você pode promover esse hábito inicial?

Vamos supor que uma paciente chega em seu consultório e relata dificuldade para a amamentar. Você pode orientá-la sobre a “pega correta” (veja abaixo), você também pode explicar sobre o processo de sucção (que convenhamos como dentistas, estudamos muito isso “olá, sistema estomatognático”).

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Também podemos e devemos orientar gestantes e mães sobre os benefícios de amamentar. Esse ato traz ganho tanto para as próprias mães como para os bebês.

Para o bebê:

 

  • Maior contato com a mãe;
  • Melhora a digestão e minimiza as cólicas (por ser um alimento de fácil digestão);
  • Ajuda no desenvolvimento;
  • Diminui as chances de desenvolver certas doenças, como doenças contagiosas e alérgicas;
  • Estimula e fortalece a arcada dentária.

O leite materno é o alimento mais completo e equilibrado, pois atende a todas as necessidades nutricionais do bebê até os 6 meses de idade. E é o alimento essencial até os 2 anos de vida da criança. Também importante sempre lembrar que o aleitamento deve ser realizado em livre demanda (recomendação da OMS).

Para a mãe:

  • Diminui o sangramento no pós-parto e acelera a perda de peso (ajuda o útero retorna ao lugar);
  • Reduz a incidência de câncer de mama, ovário e endométrio;
  • Evita a osteoporose Protege contra doenças cardiovasculares, como o infarto.

Mas e a introdução alimentar?

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a Sociedade Brasileira de Pediatria e o Ministério da saúde, a introdução alimentar deve ocorrer após o 6 meses de vida do bebê. Antes disso o sistema imunológico e digestivo são muito imaturos para receber alimentos (além do leite), e há uma maior chance de desenvolver alergias, intolerância a certos alimentos e desenvolverem doenças como a obesidade infantil. Além da criança possuir 6 meses de idade, ela também deve possuir os sinais de prontidão, que são:

  • A criança deve conseguir ficar sentada com o mínimo de apoio possível, pelo o menos por alguns segundos, sem cair para os lados ou para frente;
  • Possui interesse em levar objetos à boca (demonstra interesse em participar das refeições da família);
  • Deve ser capaz de sustentar a cabeça e ter controle sobre o tronco;
  • Perdeu o reflexo de extrusão/protusão (não empurra a língua para fora).

Esses sinais são importantes para que ele tenha uma postura correta na hora de se alimentar, porque caso se engasgue, ele conseguirá expulsar o alimento através da ativação do reflexo de GAG (reflexo como o de ânsia de vômito). Orientar os pais sobre esses reflexos, os prepara em como agir nessas situações.

Também temos uma função importante em relação a apresentação dos alimentos, por exemplo, o medo que o GAG ocorra faz com que os pais apresentem os alimentos amassados e muito liquidificados, o que atrapalha o desenvolvimento. Orientar sobre métodos de introdução alimentar como o Blw (comida oferecida em pedaços dando autonomia a criança) é fundamental. Pois imagine uma criança já com os seus primeiros dentes decíduos que não mastiga.

Como dentistas sempre estamos orientando e alertando sobre as consequências do consumo de açúcar, mas também devemos alertar sobre a ingestão de alimentos industrializados, principalmente quando nos referimos a crianças. Pois essa alimentação construída na infância irá se perpetuar durante todo seu crescimento e vida adulta.

“Do ponto de vista odontológico, este padrão alimentar, constituído por alimentos facilmente fermentáveis, estimulam a proliferação de micro-organismos e contribuem para a formação de um biofilme dental mais patogênico. A frequência com que os alimentos são ingeridos, bem como a sua consistência também contribuem para o aumento do risco de lesões cariosas. O fato dos alimentos pastosos exigirem menos esforço mastigatório que os alimentos crus e fibrosos, leva a uma redução na salivação, comprometendo o principal mecanismo natural de limpeza da boca” (clearance salivar). (BIRCH et al., 1990).

O nosso papel como dentistas é fornecer nosso conhecimento com o objetivo de orientar e incentivar hábitos saudáveis, claro que respeitando as diferenças socioeconômicas e culturais. Todavia se conseguimos ao menos incentivar o “corte” de alimentos ultraprocessados, por alimentos mais ricos em fibras e nutrientes (fruto, legumes, verduras), já estaremos causando um grande impacto no desenvolvimento da criança e até
mesmo nos hábitos alimentares da sua família.

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Referências:

“Alimentação do bebê nos dois primeiros anos de vida: o papel do cirurgião-dentista enquanto agente de promoção de saúde”. Fabiana Bucholdz Teixeira Alves, Ana Cláudia Chibinski, Jenny Abanto, Daniela Prócida Raggio. DOI: https://doi.org/10.22456/2177-0018.14896

Imagem “A pega correta” disponível em: https://mommysangel.com.br/pega-correta-e-uma-das-principais-chaves-para-o-sucesso-da-amamentacao/

“Amamentação traz benefícios para o bebê e a mãe” noticia retirada do portal da sociedade goiania de pediatria. Disponível em: https://www.sbp.com.br/filiada/goias/noticias/noticia/nid/amamentacao-traz-beneficios-para-o-bebe-e-a-mae/