A cárie na primeira infância (CPI), é umas das doenças crônicas mais comuns desta fase, de difícil controle e afeta a dentição decídua de crianças em idade pré-escolar (OLIVEIRA e SILVA, 2018). A CPI apresenta como definição a presença de um ou mais dentes decíduos cariados, perdidos (por cárie) ou restaurados, em crianças com 6 anos ou menos, e caracteriza-se por ser de aparecimento e progressão rápida, dolorosa e extremamente custosa para os cofres públicos (GHASEMPOUR et al., 2011; JAIN et al., 2015).
A CPI possui etiologia multifatorial e está associada a fatores como carboidratos fermentáveis, superfície dentária susceptível/características inerentes ao hospedeiro e a presença maciça de microrganismos cariogênicos. Os microrganismos produzem ácidos, decorrentes do metabolismo de carboidratos, que contribuem com o declínio do pH do biofilme para valores inferiores a 5,5, resultando na desmineralização dos cristais de hidroxiapatita do esmalte (STRU?YCKA, 2014).
Conhecendo os principais microrganismos associados:
Dentre os principais microrganismos associados com a formação das lesões cariosas, pode-se destacar os estreptococcos do grupo mutans (EGM), juntamente com os Lactobacillus spp., que participam de maneira importante na progressão das lesões de cárie (KAWASHITA et al., 2011).
A infecção por Streptococcus mutans e Streptococcus sobrinus consiste de um fator microbiano importante para o desenvolvimento da cárie na primeira infância (FARHANAZ et al., 2017). Os estreptococos do grupo mutans (EGM) são cocos gram-positivos organizados em cadeias, os quais sintetizam polissacarídeos intracelulares e extracelulares aderentes, a partir de carboidratos. São considerados microrganismos comensais, porém também são oportunistas, tornando-os capazes de iniciar a lesão de cárie (BANAS et al., 2016).
A transmissão de EGM às crianças, normalmente ocorre de maneira vertical, através do contato com a saliva do cuidador (mãe), por meio do compartilhamento de talheres e alimentos, sendo influenciado pela frequência e quantidade de exposição. Desse modo, a interação dos fatores etiológicos, em conjunto com os dentes recém erupcionados e dentes com hipoplasia do esmalte, aumentam o risco de desenvolvimento da cárie na primeira infância (BERKOVITZ, 1996).
Estas bactérias apresentam fatores de virulência que contribuem para sua cariogenicidade, como a produção de ácidos orgânicos, principalmente o ácido lático; habilidade de tolerar ambientes com baixo pH; capacidade de usar polissacarídeos intracelulares para que seja possível a produção de ácidos na ausência de açúcar na dieta; e produção de polissacarídeos extracelulares, como glucanos e frutanos, para aumentar a retenção na superfície dentária e facilitar o acúmulo do biofilme (THURNHEER e BELIBASAKIS, 2018).
Embora os estreptococos do grupo mutans sejam consideradas as bactérias mais cariogênicas, estudos prévios têm demonstrado que além dos EGM, a levedura Candida albicans tem sido frequentemente detectada no biofilme de crianças com cárie na primeira infância e em modelos animais da doença (YANG et al., 2012).
Um fungo associado à cárie?
A C. albicans compõe a microbiota oral normal, não causando sintomas em indivíduos saudáveis. Porém, esse patógeno é considerado oportunista, pois consegue adaptar-se e ploriferar em ambientes variados, ao aderir-se na mucosa oral. Além disso, podem interagir com estreptococos comensais e ocasionar infecções como candidíase oral e aumentar o potencial cariogênico em comparação aos biofilmes de uma única espécie (SHERRINGTON et al., 2017; FARHANAZ et al., 2017; EIDT et al., 2019).
Apresenta uma elevada atividade colagenolítica e pode aderir ao colágeno intacto e desnaturado exposto a dentina. Assim, esta levedura pode persistir na superfície da hidroxiapatita dissolvida, devido à sua elevada capacidade de aderência ao colágeno (GHASEMPOUR et al., 2011), desempenhando papel importante no processo de progressão da lesão de cárie.
Xiao et al . (2018) desenvolveram uma revisão sistemática, na qual concluíram que crianças com índices elevados de C. albicans oral apresentavam chances 5 vezes maiores de desenvolver cárie na primeira infância, comparada com aquelas que não possuíam o fungo. Outros estudos demonstraram que a taxa de detecção da C. albicans correlaciona-se com a gravidade da CPI, em relação ao número de dentes perdidos (por cárie), cariados e restaurados (WU et al., 2015), sendo mais prevalente no grupo com lesões de cárie mais severas (LOZANO MORANGA et al., 2017).
A Saúde Coletiva no manejo da CPI:
Esta compreensão sobre os microrganismos associados à patogênese da cárie na primeira infância, e a forma como estes atuam neste processo, é essencial para o desenvolvimento de novas abordagens preventivas e terapêuticas, diante do perfil epidemiológico desta doença. Segundo Gradella et al. (2007), a cárie é um problema sócio econômico e comportamental, afetando crianças de maneira precoce, o que pode afetar a sua qualidade de vida e saúde bucal no futuro.
Em relação ao perfil sócio econômico, observa-se que a CPI, normalmente, está associada às comunidades socialmente desfavorecidas, podendo impactar na nutrição dos indivíduos, na fala, na capacidade de mastigação e dormir, ou seja, na qualidade de vida (FINLAYSON et al., 2007; FELDENS et al., 2010).
O incremento de medidas preventivas de saúde pública e a fluoretação das águas de abastecimento promoveram a redução da incidência de cárie dentária nas últimas décadas no Brasil. Entretanto, esta doença infecciosa ainda permanece altamente prevalente e distribuída de maneira assimétrica, atingindo majoritariamente a população de baixa renda e, especialmente bebês e crianças jovens (VELASCO et al., 2018).
De acordo com o último levantamento epidemiológico de saúde bucal realizado no país, a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – Projeto SBBrasil 2010, observou-se uma prevalência de 53,1% de cárie dentária em crianças de cinco anos, denominada de cárie na primeira infância. Notou-se uma maior concentração desta doença nas regiões mais pobres do país, em indivíduos negros, pardos e de baixa renda.
Segundo a American Academy of Pediatric Dentistry, a CPI pode ocasionar uma série de consequências, as quais incluem um risco mais elevado de consultas de emergência e hospitalizações, custos aumentados para o tratamento, atraso no desenvolvimento físico da criança, diminuição da capacidade de aprendizado e da qualidade de vida, além do risco de dor e infecções.
Portanto, observa-se que a CPI ainda consiste de um grave problema de saúde pública no nosso país. Desse modo, destaca-se a necessidade do conhecimento do cirurgião dentista acerca do perfil clínico e microbiológico da cárie da primeira infância, dando subsídios para o estabelecimento de novas medidas terapêuticas e planejamento adequado das ações preventivas e políticas públicas de saúde.
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REFERÊNCIAS
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BERKOVITZ, R. Etiology of nursing caries: a microbiologic perspectives. J Pub Health Dent, v. 56, p. 56-51, 1996.
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FARHANAZ, F. et al. Association between Streptococcus mutans and Candida albicans among 3–5?year?old children with early childhood caries: A cross?sectional study. J Indian Assoc Public Health Dent, v. 15, p. 205-9, 2017.
FELDENS, C.A. et al. Long-term effectiveness of a nutritional program in reducing early child-hood caries: a randomized trial. Community Dent Oral Epidemiol, v. 38, n. 4, p. 324-32, ago. 2010.
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GRADELLA, C.M.F.; OLIVEIRA, L.B; ARDENGUI, T.M.; BONECKER, M. Epidemiologia da cárie dentária em crianças de 5 a 59 meses de idade no município de Macapá, AP. RGO, v. 55, n. 4, p. 329-34, 2007.
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STRU?YCKA, I. The Oral Microbiome in Dental Caries. Polish Journal of Microbiology, v. 63, n. 2, p. 127-135, 2014.
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YANG, X.Q. et al. Genotypic distribution of Candida albicans in dental biofilm of Chinese children associated with severe early childhood caries. Arch. Oral Biol, v. 57, n. 8, p. 1048–1053, 2012.