Caro leitor, vamos tratar hoje de uma ferramenta bastante importante no tratamento do câncer de cabeça e pescoço, porém pouco conhecida pelos profissionais da Odontologia, que mesmo não sendo os responsáveis pelo tratamento definitivo (atuação do cirurgião de cabeça e pescoço), é de grande relevância para o cirurgião dentista compreender as diversas modalidades de diagnóstico e tratamento para melhor orientação ao paciente.
INTRODUÇÃO
O câncer representa a segunda principal causa de morte em todo o mundo (BRAY et al., 2018). A mais recente estimativa mundial, ano 2018, aponta que ocorreram no mundo 18 milhões de casos novos de câncer e 9,6 milhões de óbitos (BRAY et al., 2018). Para o Brasil, a estimativa para cada ano do triênio 2020-2022 aponta que ocorrerão 625 mil casos novos de câncer (INCA, 2020).
O câncer de boca é o 5º tipo com maior incidência no mundo. No Brasil, ocupa a 5º posição entre os homens e o 13º entre as mulheres. O número de casos novos de câncer da cavidade oral esperados para o Brasil, para cada ano do triênio 2020-2022, será de 11.180 casos em homens e de 4.010 em mulheres (INCA, 2020).
O tipo mais comum de câncer oral é o carcinoma de células escamosas (CCE), responsável por aproximadamente 90-95% dos casos registrados. Esses tumores malignos acomete predominantemente o sexo masculino, entre quinta e sétima década de vida, principalmente pessoas de pele clara (NEVILLE, 2016).
Sua etiologia é multifatorial, com ação de agentes intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo podendo atuar sinergicamente para o desenvolvimento desta patologia. Os fatores de risco mais comumente relatados são o uso de tabaco e álcool, contudo, outros, como o tabaco sem fumaça e radiação ultravioleta também foram descritos (ALMEIDA, 2014; ANDRADE, SANTOS E OLIVEIRA, 2015; NEVILLE, 2016).
Clinicamente, nos estágios iniciais dos tumores que se localizam nessa região anatômica, geralmente, os pacientes são assintomáticos, assemelhando-se às condições benignas (ROCHA et al., 2013). E que vai adquirindo características endofíticas ou exofíticas com o decorrer do seu desenvolvimento. Sendo capaz de advir a partir de lesões pré-malígnas como a leucoplasia, eritroplasia ou eritroleucoplasia (NEVILLE, 2016).
Os principais sítios de acometimento do CCE são língua, assoalho bucal, palato mole, gengiva, mucosa jugal, vermelhão do lábio, palato duro, e orofaringe (NEVILLE, 2016).
Os melhores indicadores de prognóstico do paciente são o tamanho do tumor e a extensão da disseminação metastática do CCE, que são analisados via protocolo de estadiamento TNM (Tumor-Linfonodos-Metástase), no qual T corresponde ao tamanho do tumor primário (cm); N dita o envolvimento de linfonodos locais e M que analisa presença de metástases à distância (MOMARES, 2014).
Quando a questão é o tratamento de lesões malignas no complexo cabeça e pescoço, na grande maioria das vezes se lança mão de procedimentos radicais e que geram uma morbidade significativa para o paciente. Nas últimas décadas, temos testemunhado avanços tecnológicos exponenciais, cuja aplicação abrange um amplo espectro dentro do tratamento de lesões malignas.
Um exemplo é a cirurgia robótica, que hoje se constitui na opção mais sofisticada, chamada de “cirurgia minimamente invasiva”, que levam menor morbidade e maior qualidade de vida aos pacientes, em detrimento a outros métodos de tratamento disponíveis como cirurgia radical convencional ou quimiorradioterapia.
CIRURGIA ROBÓTICA TRANSORAL
O mundo está em um momento de rápido desenvolvimento científico e tecnológico. A linguagem da informática tem revelado imensas possibilidades em todas as áreas, estando em crescente destaque na Cirurgia a utilização de ferramentas automatizadas permitindo uma maior praticidade e rapidez na execução dos procedimentos cirúrgicos de alta complexidade, auxiliando na realização de um tratamento mais preciso e menos invasivo.
No que tange ao tratamento do câncer de cabeça e pescoço, a CIRURGIA ROBÓTICA TRANSORAL (TORS), foi desenvolvida pelo Departamento de Otorrinolaringologia – Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade da Filadélfia nos EUA, em 2005, e vem sendo considerada uma das principais opções terapêuticas no tratamento do câncer de orofaringe e da laringe supraglótica (DIAS, 2012).
A técnica consiste na utilização de um robô cirúrgico cujos braços são estrategicamente colocados dentro da boca do paciente, na qual o cirurgião de cabeça e pescoço funcionara como guia para realização do procedimento cirúrgico, sendo capaz de controlar os braços do robô com grande precisão a partir da visão tridimensional oferecida pelo equipamento (DOMENE, 2014).
A TORS é uma abordagem recente para remover tumores da região de cabeça e pescoço que são de difícil acesso, incluindo a base da língua, amigdalas e região supraglótica. Estas áreas, juntamente com outras partes da orofaringe – palato mole, parede posterior da orofaringe, são os principais locais para os quais é utilizada a TORS (DOMENE, 2014).
VANTAGENS DA TORS EM RELAÇÃO ÀS CIRURGIAS CONVENCIONAIS
- Redução das deformidades estéticas;
- Redução da perda sanguínea transoperatória;
- Redução da dor e do risco de infecção pós-operatória;
- Redução do tempo de exposição à anestesia geral;
- Redução significativa de necessidade do uso de UTIs;
- Eliminação da necessidade de traqueostomia e de reconstrução;
- Rápido retorno às funções de fala e deglutição;
- Diminuição do tempo de internação hospitalar;
- Retorno às atividades laborativas mais rapidamente;
- Redução ou eliminação da necessidade de quimioterapia e/ou radioterapia pós-operatória.
Essas vantagens estão atreladas a capacidade da ferramenta robótica em oferecer imagem aumentada em até 10 vezes, maior precisão pelo uso de instrumentos que filtram tremores e movimentos bruscos e, ademais, pela possibilidade de reprodução de todos os movimentos executados pelas mãos do cirurgião por meio de braços miniaturizados, que se movem por espaços limitados (DIAS, 2012; DOMENE, 2014).
A CIRURGIA ROBÓTICA TRANSORAL NO SUS
A implantação de um programa de cirurgia robótica em câncer de cabeça e pescoço no SUS é de enorme valor. Esse programa foi criado por meio do INCA em 2012, mostrando não só o compromisso institucional de oferecer, de forma inédita no Brasil, uma medicina de ponta para o tratamento do câncer aos pacientes do SUS, mas principalmente por disponibilizar uma opção de tratamento efetivo para o câncer de orofaringe associado a menor morbidade e possibilidade de qualidade de vida superior aos pacientes (DIAS, 2012).
A experiência do grupo de cirurgia robótica transoral do INCA demonstra a indicação do método, com sucesso, em pacientes jovens com doença localmente avançada e submetidos à reconstrução microcirúrgica, comprovando a reprodutibilidade dos resultados oferecidos pelo método (DIAS, 2012).
CONCLUSÃO
Enfim, é sabido que o tratamento de lesões malignas não é campo de atuação do cirurgião dentistas e sim do cirurgião de cabeça e pescoço, porém a multiprofissionalidade no tratamento do câncer é de grande valia. Ademais, quando se trata do câncer de cabeça e pescoço o cirurgião dentista é a peça chave no diagnóstico dessas neoplasias cabendo ao mesmo referenciar e orientar o paciente ao serviço especializado. Portanto, compreender as diversas modalidades de tratamento, principalmente as novas tecnologias que geram melhor qualidade de vida, e acompanhar o paciente durante todo esse período é dever do profissional cirurgião dentista.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, A. A.; et al. Dependência nicotínica e perfil tabágico em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Jornal Brasileiro de Pneumologia. v. 40, n. 3, p. 286 – 293, 2014.
ANDRADE, J. O.; SANTOS, C. A. S. T.; OLIVEIRA, M. C. Fatores associados ao câncer de boca: um estudo de caso-controle em uma população do Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 18, n. 4, p. 894- 905, Out-Dez, 2015.
BRAY, F. et al. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA: a cancer journal for clinicians, Hoboken, v. 68, n. 6, p. 394-424, Nov. 2018.
DIAS, F. L. Cirurgia robótica transoral: mudando o tratamento do câncer de cabeça e pescoço. INCA, 2012. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//rrc-28-artigo-cirurgia-robotica-transoral.pdf.
DOMENE, Carlos Eduardo. Cirurgia robótica – um passo em direção ao futuro. ABCD, arq. sutiãs cir. escavação. São Paulo, v. 27, n. 4, pág. 233, dezembro de 2014.
MOMARES, B.; et al. Sobrevida en carcinoma espinocelular de mucosa oral: análisis de 161 pacientes. Revista Chilena Cirurgía. v. 66, n. 6, p. 568-576, Dez. 2014.
NEVILLE, B. W. et al. Patologia Óssea. In: NEVILLE, B. W. et al. Patologia Oral e Maxilofacial. 4ª Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. c. 10. p. 410-423.