Através deste caso clínico, algumas perguntas serão abordadas para aplicar a teoria na prática sobre farmacoterapia da diabetes gestacional.
CASO CLÍNICO PARA DISCUSSÃO
Mulher gestante, 35 anos, na 25ª semana, possui histórico familiar de pai diabético tipo 2 e mãe com diabetes gestacional de seus dois irmãos. O obstetra avaliou um crescimento excessivo do feto e resolveu solicitar exames laboratoriais do perfil glicêmico, haja visto seu histórico familiar de diabetes em primeiro grau. Durante a entrevista clínica, relatou que, coincidentemente, desde o início da gravidez, a ingestão de carboidratos aumentara expressivamente, porém achava que era um sintoma da gravidez. O médico solicitou teste oral de tolerância à glicose (TOTG). As alterações no TOTG foram compatíveis com os critérios de diagnóstico para diabetes mellitus gestacional.
- O que é Diabetes Mellitus gestacional?
Hiperglicemia detectada pela primeira vez durante a gravidez, com níveis glicêmicos sanguíneos que não atingem os critérios para diabetes mellitus, ou seja, que não se enquadre nem no tipo 1 e nem no tipo 2. Os níveis glicêmicos tendem a retornar para os valores de referencia saudáveis após o parto.
- O sintoma relatado pela gestante quanto ao aumento da ingesta de carboidratos tem relação com o diagnóstico final?
No inicio do diabetes, seja gestacional ou tipo 2, os primeiros sintomas são: polifagia, poliúria e polidipsia. Estes sintomas são facilmente confundidos com os sintomas normais da gravidez (aumento de apetite, aumento da frequência urinária). A polifagia é o aumento da ingestão de alimentos, sobretudo de carboidratos, devido à glicose não ser mais captada pelos tecidos devido à resistência à insulina. Especificamente no caso do diabetes gestacional, a hiperglicemia pode ser devido à ação de vários hormônios, como, hormônio lactogênico placentário, cortisol, estrógeno, progesterona e prolactina.
A poliúria e a polidipsia são sintomas compensatórios da hiperglicemia. A polidipsia (aumento da ingestão de água) é um mecanismo compensatório devido a hiperativação do centro da sede para diminuir a concentração de glicose no sangue. A poliúria é uma consequência da polidipsia, uma vez que a ingestão de líquidos foi aumentada, mas também é um mecanismo compensatório, pois tende a aumentar a excreção de glicose na urina. Como o organismo aumenta a excreção de glicose pela urina, pode também ser um material biológico para identificação da condição clínica do diabetes, denominada glicosúria.
- Quais os fatores de risco para esta gestante desenvolver diabetes gestacional?
Idade avançada, sobrepeso e obesidade, ganho excessivo de peso durante a gravidez atual, deposição central de gordura corporal, histórico familiar de diabetes em parentes de primeiro grau, crescimento fetal excessivo, polidrâmnio, hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez atual, antecedentes obstétricos de abortamento de repetição, malformações, morte fetal ou neonatal, macrossomias ou diabetes gestacional, síndrome de ovários policísticos, baixa estatura (menos que 1,50 m), hemoglobina glicada ≥ 5,9% no primeiro trimestre.
- Por que foi solicitado o teste de tolerância à glicose?
O “padrão ouro” para determinação de diabetes na gestação é o teste de tolerância à glicose. Entretanto, deve ser realizado exame de glicemia de jejum antes. Se houver glicemia ≥ 92 mg/dL e< 126 mg/dL, o diagnóstico condiz com o diabetes gestacional, porém deve-se confirmar uma segunda dosagem de glicemia de jejum. O TOTG deve ser realizado somente em indivíduos com glicemia de jejum < 140 mg/dL para evitar complicações durante o teste. Através do TOTG será possível confirmar o diagnóstico e avaliar o perfil de resistência à insulina.
O teste é precedido por dieta sem restrição de carboidratos ou com, no mínimo, 150 g de carboidratos nos 3 dias anteriores ao teste, com jejum de 8 horas. Ingere-se 75 g de glicose em ≅ 250 mL de água e avalia a
glicemia ao longo de 2 horas. Para diagnóstico de diabetes gestacional através dos resultados do TOTG, ao menos um valor de: jejum: 92 a 125 mg/dL ou 1ª hora: > 180 mg/dL ou 2ª hora: 153 a 199 mg/dL, ou seja, a obtenção de qualquer um desses resultados respectivos ao momento correspondente do teste, já poderá ser diagnosticado como diabetes gestacional.
- Qual será o marcador a ser utilizado para monitoramento da doença?
Diferentemente da monitorização do diabetes tipo 2, não se utiliza hemoglobina glicada para acompanhamento. A hemoglobina glicada (HbA1C) fornece o perfil glicêmico de 8 a 12 semanas, o que é consideravelmente impreciso para o diabetes gestacional, uma vez que o perfil glicêmico e toda a homeostasia é modificada durante a gestação. Para isso, utiliza-se a frutosamina, que é um nome genérico para todas as proteínas glicosadas, exceto a hemoglobina. Como a albumina é a mais abundante proteína plasmática, a albumina glicada é a principal contribuinte para a dosagem de frutosamina no soro. A frutosamina fornece um perfil glicêmico de 4 a 6 semanas, descartando o período pré-gestacional e direcionando para a condição clínica da
gestação atual.
- Como a gestante poderá monitorar sua glicemia?
O controle glicêmico pode ser realizado através da glicemia capilar, antes das refeições, após 1 hora das refeições, ao deitar-se e esporadicamente, entre 2 e 4 horas da manhã, preferencialmente nos dedos das mãos e não utilizando locais alternativos. Recomenda-se ótimos valores pré-prandiais entre 63 a 95 mg/dL, com pico 1 hora pós-prandial até 140 mg/dL. Em mulheres com risco de hipoglicemia, a glicemia de jejum pode ser aumentada para 99 mg/dL e, ao deitar-se ou entre 2 e 4 horas da madrugada, de 80 a 120 mg/dL. Os valores do pico 1 hora pós-prandial são aqueles que melhor refletem o perfil glicêmico.
- Quais as complicações que pode haver no momento do parto?
No trabalho de parto pré-termo, a administração de corticosteroides para maturação pulmonar não é contraindicado, porém a glicemia deve ser rigorosamente monitorada e com ajustes de dose de insulina. Não é recomendada cesariana. Em gestantes bem controladas, a via de parto é uma decisão obstétrica. Permite-se a anestesia de bloqueio para alívio de dores.
O controle glicêmico deve ser realizado a cada hora durante todo o trabalho de parto e em todo pós-anestésico. Trabalho eletivo pode ser realizado, por indução do trabalho de parto ou cesariana, se houver indicação maternal ou fetal. Os níveis glicêmicos durante o trabalho de parto devem ser entre 70 e 120 mg/dL, porém pode-se utilizar glicose ou insulina infusão contínua intravenosa para manter dentro dos valores de referência. Bomba de infusão contínua deve ser programada e ajustada conforme a realização do parto.
- Quais os fármacos para o controle da glicemia que podem ser utilizados com segurança durante a gestação?
A insulinoterapia é a primeira terapia e a mais segura para ser utilizada durante a gestação, preferencialmente as de ação intermediária e rápida. Detemir, ação prolongada, é classificada como categoria de risco A e glargina como categoria de risco C, porém não é recomendada pelo FDA. A metformina, que pertence à categoria de risco B, não tem demonstrado efeitos deletérios materno-fetais através dos estudos, mas não há consenso em sua recomendação.
A glibenclamida apresenta passagem pela barreira placentária, assim como a metformina, e seu uso está associado à hipoglicemia neonatal, maior ganho de peso materno, maior ganho de peso neonatal, macrossomia, sugerindo que não deve ser utilizada na gravidez. Os demais antidiabéticos orais não foram adequadamente estudados na gestação, portanto são contraindicados. A primeira escolha então é a insulina, porém a metformina pode ser considerada quando houver problemas de adesão, problemas na autoadministração, necessidades de altas doses (> 100 UI) e ganho de peso excessivo por conta da insulina.
- Quais as complicações durante a gravidez?
Devido à insulinoterapia, podem ocorrer episódios de hipoglicemia, especialmente durante a noite e a madrugada. Importante monitorar a função renal e acompanhamento para prevenção de retinopatias. Além disso, problemas relacionadas à hiperlipidemia e hipertensão arterial não devem ser descartados e, caso houver essas comorbidades, a monitorização deve ser mais rigorosa, podendo até ocorrer isquemia cardíaca.
- Como é feita a aquisição destes medicamentos pelo SUS?
Componente básico: cloridrato de metformina na forma de comprimido de 500 mg ou 850 mg; Insulina NPH 100 UI/mL; Regular 100 UI/mL;
Componente especializado: Insulina de ação prolongada 100 UI/mL e de ação rápida 100 UI/mL.
Insumos disponíveis: agulha para caneta aplicadora de insulina (básico); caneta para aplicação de insulina (básico); seringas com agulha acoplada para aplicação de insulina (básico); tiras reagentes de medida de glicemia capilar (básico); lanceta para punção digital (básico).
- Quais as recomendações assistenciais pós-parto?
No primeiro dia após o parto, deve-se observar os níveis de glicemia e suspender a insulina basal. Orientar para dieta saudável. Normalmente, apresenta-se normalização da glicemia nos primeiros dias após o parto. Estimular o aleitamento, pois além de trazer benefícios ao recém-nascido, também previne contra o diabetes
tipo 2. Caso ocorra hiperglicemia, a recomendação é do retorno à insulinoterapia. Após seis semanas do parto, é recomendável realizar o TOTG com 75 g de glicose e, dependendo da disponibilidade financeira, avaliar a glicemia de jejum, a hemoglobina glicada não está validada para essa avaliação.
Recomenda-se avaliações anuais com TOTG e HbA1C. Opções contraceptivas devem ser apresentadas durante a gestação ou após o parto. Não há contraindicações com algum método contraceptivo específico para mulheres que desenvolveram diabetes mellitus gestacional. Deve-se alertar sobre medicamentos que são excretados pelo leite durante a fase de amamentação. Por fim, deve-se recomendar mudanças de hábitos, pois o diabetes mellitus gestacional é um forte indicativo de que pode se desenvolver diabetes mellitus tipo 2 futuramente, mostrando já haver uma certa intolerância a glicose.
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