Inicialmente, para se entender o que caracteriza uma urgência ou emergência, vejamos um exemplo. Se um paciente procura um cirurgião-dentista afirmando: “é uma emergência, estou com o dente doendo há 15 dias”, essa situação não condiz com uma emergência e sim com uma urgência. Urgência é então conceituada por uma situação na qual o indivíduo não corre risco de morrer, mas pode ser transformada em emergência, se não tiver um tratamento. Emergência é algo súbito e inesperado, no qual o indivíduo corre risco de morrer.
Está implícito na Lei 5081/1966, que rege a atuação profissional em odontologia, no artigo sexto, inciso VIII – “prescrever e aplicar medicação de urgência no caso de acidentes graves que acometam a vida e a saúde do paciente”, sendo assim, temos o conhecimento necessário para proceder da melhor maneira possível para isso. Mas estamos preparados?
Colocar em prática o que o acadêmico vê em sala de aula é algo muitas vezes contraditório. Quem gostaria de se deparar com uma emergência médica? Creio que ninguém. Mas o problema não é se deparar com uma emergência médica e sim, não se saber o que fazer para resolve-la ou ao menos minimiza-la.
A universidade prepara tecnicamente o profissional para poder resolver vários casos que ele possivelmente vai se deparar. Como primeira e principal informação é necessário ter calma e também manter a calma. Isso mesmo, níveis altos do hormônio cortisol podem desencadear crises de ansiedade e o profissional não saberá como agir. Manter a calma sempre. Realize sempre uma contundente anamnese. Se o paciente ficou algum tempo sem comparecer, questione sobre dados atuais de saúde e medicações. Mantenha sempre o prontuário do paciente atualizado.
O consultório odontológico por si é um local estressante, evite que isso possa ser um agravante, minimize a produção de ruídos, evitando deixar cair instrumentais, jogar instrumentais na bandeja clínica, evite também mexer no foco do refletor repetidamente, a luz também é desencadeante de reações tipo convulsão. Além disso, conforme mencionado anteriormente, a anamnese é imprescindível e os dados do paciente e condições de saúde precisam estar atualizados.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia descreve uma sequência de procedimentos iniciais a serem realizados por profissionais de saúde devidamente treinados, em pacientes que estejam em situação de risco de morte. Inicialmente é necessário colocar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como máscara, luvas de procedimento, óculos de proteção, avental ou jaleco descartável.
A primeira manobra no paciente deve ser a manutenção da hemostasia, por meio de procedimentos para estancar sangramentos. A segunda é a manutenção de vias aéreas, pela elevação do mento e inclinação posterior da cabeça, de forma a facilitar a passagem de ar, manter a boca do paciente sempre aberta, alinhar e estabilizar a coluna vertebral em posição neutra, quando o profissional se coloca na cabeceira do paciente, realizando então manobra leve para estabilizar coluna cervical.
A terceira é a observação da respiração e pulso, observar os movimentos respiratórios no peito do paciente e o pulso carotídeo do mesmo. O pulso carotídeo é observado palpando-se com os dedos indicador e polegar a cartilagem tireoide e então deslizando os dedos posteriormente. O local de aferição é no limite entre a extensão cervical do músculo esternocleidomastoideo e a cartilagem tireoide. A respiração também deverá ser observada durante um minuto, se estiver abaixo de 30 respirações por minuto, proceder com a administração de oxigênio.
Depois, observa-se se o paciente está com alguma roupa apertada, que possa estar interferindo na circulação sanguínea, e então esta deverá ser removida. Agora afere-se a pressão arterial, que deverá ser aferida novamente após 5 minutos e deve-se colocar o oxímetro no paciente para se observar a saturação de oxigênio e avaliação da temperatura do paciente.
É imprescindível também, que você tenha em mãos uma caixa de emergência, contendo:
Equipamentos: aparelho para aferição da pressão arterial (estetoscópio e esfigmomanômetro analógicos ou digitais), oxímetro de dedo para observação da saturação de oxigênio e pulso, glicosímetro completo (com lancetas e fitas dosadoras), ambu com máscara para uso adulto e máscara para uso pediátrico, termômetro.
Medicamentos: ampolas de adrenalina (epinefrina aquosa 1:1000, usada para reações alérgicas), ampolas de anti-histamínicos (como hidroxizina – hixizine®, desloratadina – alergaliv®, prometazina – fenergan®, utilizados para reações alérgicas), anti-hipertensivos (captopril 12,5 mg, utilizados em caso de crise hipertensiva), isossorbida (isordil® sublingual 5 mg, usado para crises de angina), ácido acetilsalicílico 100 mg, ampolas de glicose 50% (usada para casos de síncope ou quadro de hipoglicemia), ampolas de atropina 1 mg (para utilizar em choque cardiogênico), atrovent® (broncodilatador, para crises asmáticas), diazepam comprimidos 5 mg (para crises de ansiedade e hipertensivas).
Insumos: seringa descartável de 5 e 10 ml com agulha, máscara de ressuscitação cardiopulmonar (máscara descartável para respiração boca a boca), luvas de procedimento, compressas de gaze estéreis, cânulas de Guedel (cânula orofaríngea) tamanho adulto e pediátrico, gelo.
Importante é manter auxiliar treinado para que, se isso ocorrer, a pessoa consiga te ajudar, mantendo também a calma, conseguindo ligar para Serviço Móvel de Urgência (SAMU, via contato telefônico para o número 192, em caso de necessidade de levar o paciente à atenção hospitalar ou Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
No momento do contato telefônico para o SAMU, a classificação, de acordo com a Sociedade Americana de Anestesia (do inglês ASA – American Society of Anesthesiologists) orientará o trabalho da equipe médica, lembrando-se sempre dos dados coletados durante a anamnese do paciente.
A classificação ASA é assim realizada:
ASA I – são pacientes normais, sem problemas de saúde, que não estejam sob influencia de álcool ou drogas;
ASA II – paciente portador de doença sistêmica leve ou moderada sem limitação funcional, como hipertensão arterial sistêmica (HAS) compensada, diabete melito (DM), tabagismo sem DPOC;
ASA III – paciente com doença sistêmica grave, e com limitação funcional não incapacitante, como Insuficiencia cardíaca congestiva (ICC) compensada, angina estável, infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio, HAS não controlada;
ASA IV – paciente com doença sistêmica grave e incapacitante, como angina instável, DPOC sintomático, ICC descompensada, síndrome hepatorrenal;
ASA V – paciente moribundo com expectativa de vida por mais de 24 h com ou sem cirurgia , portador de sptissemia grave, coagulopatia grave não controlada;
ASA VI – paciente com morte cerebral órgãos a serem removidos para doação.
O tratamento em consultório odontológico deve se restringir aos pacientes ASA I, II e III, sendo o paciente ASA IV recomendado fortemente estabilização do quadro sistêmico para então a realização de qualquer tratamento odontológico. Para os pacientes ASA I, II e III, sempre o cirurgião-dentista precisa contar com anamnese realizada adequadamente, atualização de quadro de saúde, intercorrências, tratamentos e medicações que o paciente está realizando.
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REFERÊNCIAS
BERNOCHE, Claudia et al. Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019. Arq. Bras. Cardiol., São Paulo, v. 113, n. 3, p. 449-663, Sept. 2019. Available from .access on 25 May 2020. Epub Oct 10, 201
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolos de Intervenção para o SAMU 192 – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
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Mayhew D, Mendonca V, Murthy BVS. A review of ASA physical status – historical perspectives and modern developments. Anaesthesia 2019; 74:373-9