Um resumão sobre os tipos de desbridamento | Colunista

Desbridamento (ou debridamento) é o ato de remover tecido necrótico ou materiais biológicos, como crostas, hiperqueratose, corpos estranhos, fragmentos de ossos e micro-organismos, de uma lesão traumática ou crônica a fim de promover a exposição do tecido saudável.

Essa abordagem se faz necessária porque o tecido necrótico, ou desvitalizado, aumenta o risco de infecção e impede que o processo de epitelização aconteça, atrasando a cicatrização, além de dificultar a visualização da real profundidade e extensão da ferida, prejudicando a avaliação da lesão.

Existem alguns tipos de desbridamento descritos na literatura. Aqui iremos dividir em seis, seguindo o Guia de Boas Práticas da Sobest (2015-2017): autolítico, biológico, enzimático, mecânico, instrumental e cirúrgico.

Importante!

O procedimento envolve não só a escolha do método adequado, mas também conhecimento das estruturas anatômicas e do processo fisiológico, habilidade técnica, avaliação das características da ferida, indicações e contra-indicações, avaliação dos riscos, tolerabilidade, disponibilidade de recursos, condições físicas e emocionais do paciente. A abordagem deve ser global e não apenas restrita à lesão. O desbridamento é parte de um processo e não o fim em si mesmo.

1. Desbridamento Autolítico

Esse tipo de desbridamento promove a manutenção de um leito úmido e em temperatura em torno de 37°C a fim de atrair neutrófilos e macrófagos para a lesão, os quais irão liberar enzimas lisossomais para digerir os detritos. Ou seja – o meio adequado proporciona maior lise e fagocitose do tecido necrótico, daí vem o nome autólise – significando a autodestruição.

Os produtos utilizados mantêm o ambiente úmido e reidratam o tecido. Dentre eles, os mais utilizados são:

  • Hidrogel: possui grande proporção de água, tem pouca aderência ao leito, preenche cavidades, favorece a epitelização e tem ação analgésica. Indicado para lesões com pouco exsudato.

 

  • Hidrocoloides: se transformam em gel quando absorvem o exsudato. São impermeáveis ao vapor d’água, a bactérias e ao oxigênio, proporcionando hipóxia tecidual que favorece a angiogênese. Reduzem o exsudato em até 50%, têm ação analgésica. Indicados para lesões superficiais ou profundas, com exsudato mínimo a moderado. Contra-indicados para feridas infectadas e altamente exsudativas. São comercializados no Brasil em forma de placa, grânulo, pasta e fibra.
     
  • Alginato de cálcio: cobertura primária que auxilia o desbridamento ao também formar um gel hidrofílico na superfície da ferida, absorvendo o exsudato, além de ativar macrófagos e possuir atividade bactericida. Apresenta-se em forma de placa e cordão. Pode ser utilizado em conjunto com o hidrogel.

Vantagens do método autolítico: indolor, de fácil aplicação, não invasivo e não lesa o tecido de granulação (seletivo).

Desvantagens do método autolítico: lento em comparação com outros tipos – não é recomendado para alguns pacientes (ex. diabéticos) pelo fato da necrose apresentar risco de infecção. Quando utilizado em feridas altamente exsudativas, o hidrogel pode macerar a borda peri-lesão. Já em feridas pouco exsudativas, o alginato pode lesar o tecido epitelial ao ser removido.

2. Desbridamento Biológico

Nesse método, são utilizadas larvas esterilizadas de moscas vivas, as quais liquefazem o tecido necrosado e degradam bactérias, preservando o tecido viável e facilitando o processo de cicatrização. Não é indicado para feridas sangrantes, profundas ou localizadas próximas a grandes vasos.

Essa terapia ainda é pouco difundida no Brasil, sendo mais aplicada no exterior. A única unidade de saúde que oferece essa terapia no país é o Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol), vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte e à Rede Ebserh.

Vantagens: diminuição do odor e da dor, tratamento de infecção, redução do uso de antibioticoterapia, baixo custo.

Desvantagens: sensação de prurido, possibilidade de complicações devido ao excesso de larvas ou uso de espécies inadequadas, necessidade de laboratório para tratamento das moscas.

3. Desbridamento Enzimático

O desbridamento enzimático, semelhante ao autolítico, ocorre também com o uso de enzimas, porém são exógenas. Essas provocam o desprendimento do tecido necrosado. Os produtos mais utilizados no Brasil para esse fim são:

  • Colagenase: obtida da bactéria Clostridium histolyticum, provoca a decomposição das fibras de colágeno do fundo da lesão, as quais permitem a adesão da necrose ao tecido. Utilizada em feridas com exsudação leve a moderada para permitir atuação da enzima. Quando utilizada com prata, sua ação é inativada. Deve ser aplicada uma fina camada, e apenas no tecido desvitalizado, protegendo a pele perilesional.
     
  • Papaína: extraída do látex do mamoeiro, conhecida vulgarmente por leite de mamão. Composta por 17 aminoácidos diferentes e enzimas proteolíticas e peroxidases. É comercializada na forma de pó, gel ou pasta. As concentrações a serem utilizadas variam de acordo com a característica da ferida.

Vantagens: fácil acesso.

Desvantagens: não é totalmente seletivo – lesam tecido de granulação. Colagenase pode causar efeitos colaterais como reações de hipersensibilidade, queimadura local, eritema e dor.

4. Desbridamento Mecânico

Nesse método utiliza-se a força física para a remoção da necrose. Pode ser feito por meio de fricção, esfregando o leito da ferida por 2 a 3 minutos em movimentos centrífugos para remover debris, pelos seguintes meios:

  • Gazes úmidas à secas, com uso de gaze umidifcada com soro aplicada no leito e sua retirada quando secar;
  • Irrigação, com soro morno em jatos;
  • Hidroterapia, em tanques com turbilhonamento.

Vantagens: resultado rápido, baixo custo.

Desvantagens: doloroso, invasivo, não seletivo, pode traumatizar e provocar sangramento, risco de infecção e cicatriz disforme.

5. Desbridamento Instrumental

É realizado por meio de instrumentais cortantes como bisturi e tesoura. Deve ser feito por enfermeiro capacitado.

Pode ser conservador – retirada do tecido necrótico e acima do tecido viável, sem lesar este, e limitada ao plano da fáscia (ao aparecimento de tecidos profundos como tendões e ossos, o procedimento deve ser interrompido). É feito sem anestesia e pode ser realizado a nível ambulatorial ou em unidade de internação, sendo indicado geralmente para feridas crônicas e lesões por pressão e contra-indicado em casos de insuficiência arterial ou em distúrbios de coagulação.

Pode também ser realizado por meio de cover, com o descolamento da borda da lesão com uma lâmina de bisturi seguindo com o pinçamento e corte do tecido paralelo ao leito, e por meio de square, em que são feitas incisões na necrose seca realizando quadradinhos que posteriormente são pinçados e cortados um a um.

Vantagens: resultado rápido, baixo custo, seletivo, remove quantidade maior de tecido necrótico, pode ser associado com coberturas enzimáticas.

Desvantagens: risco de sangramento/hemorragia e lesão de tendões e ossos.

6. Desbridamento Cirúrgico

É realizado no Centro Cirúrgico, sob anestesia, executado por cirurgião experiente, com a excisão e ressecção de toda a área necrótica incluindo a margem viável da ferida, na tentativa de transformar uma lesão crônica em aguda.

Vantagem: rapidez no desbridamento

Desvantagem: riscos (anestesia, sangramento, infecção) e alto custo.

Atenção:

O desbridamento é um procedimento privativo do enfermeiro (exceto o desbridamento cirúrgico) conforme a resolução Cofen 0567/2018.

Matérias relacionadas:

Referências:

COFEN. RESOLUÇÃO COFEN Nº 567/2018. Regulamenta a atuação da Equipe de Enfermagem no Cuidado aos pacientes com feridas. Disponível em: <http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/RESOLU%C3%87%C3%83O-567-2018.pdf>

HOSPITAL DA EBSERH USA LARVAS PARA MELHORAR CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS. EBSERH, Natal (RN), 13 fev 2019. Disponível em: <http://www.ebserh.gov.br/noticias/201902131648-hospital-da-ebserh-usa-larvas-para-melhorar-cicatrizacao-de-feridas>

NITSCHE, Maria José Trevizani. Avaliação da recuperação das lesões cutâneas por meio da terapia larval utilizando como modelos ratos Wistar. 2010. Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Botucatu, 2010. Disponível em:<https://www2.ibb.unesp.br/posgrad/teses/bga_do_2010_maria_nitsche.pdf>

NÚCLEO DE TELESSAÚDE NUTES PE. Qual pomada/cobertura seria indicada para desbridamento autolítico ou enzimático de lesões com tecido desvitalizado? SOF – Segunda opinião formativa | ID: sof-41851. Disponível em: <https://aps.bvs.br/aps/qual-pomadacobertura-seria-indicada-para-desbridamento-autolitico-ou-enzimatico-de-lesoes-com-tecido-desvitalizado-na-dificuldade-de-desbridamento-mecanico-ou-cirurgico/>

PORTAL REGIONAL DA BVS. Qual o produto mais indicado para desbridamento em áreas de necrose em úlceras de pressão? Pergunta e resposta em Português | SOF – Segunda opinião formativa | ID: sof-1177. Disponível em: <https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/sof-1177>

SOBEST. Guia de boas práticas. Preparo do leito da lesão. Desbridamento. Disponível em: <https://82721500-4ad7-4e03-84fb-
41a0aefba7a4.filesusr.com/ugd/78b27d_565938ac508a40f68e6ebad03ad65cfa.pdf>