Utilização de corticosteróides e seus efeitos adversos | Colunista

Como os corticosteroides agem?

Os corticosteroides, ou corticoides, ou ainda anti-inflamatórios esteroidais, possuem como alvo molecular o DNA e interfere na transcrição gênica, seja por indução ou inibição.

Quais são os efeitos da indução da transcrição gênica?

Os corticosteroides simulam a ação do cortisol, tanto mineralo quanto glicocorticoide, e podem induzir a transcrição gênica e resultar no aumento de lipocortina-1, que é um inibidor da fosfolipase-A2, que acarreta na inibição da cascata do ácido araquidônico, promovendo efeitos anti-inflamatórios, sendo este o principal interesse clínico da sua utilização no controle da asma, edema e em doenças autoimunes, por exemplo.
Além disso, os corticoides aumentam a atividade enzimática no metabolismo.

Quais são os efeitos da inibição da transcrição gênica?

A inibição da fosfolipase-A2 promove, como consequência, a diminuição da atividade da ciclo-oxigenase (COX) e, portanto, não havendo formação de prostaglandinas, principal mediador inflamatório. Além disso, diminui-se a atividade da óxido nítrico sintetase (NO sintetase), que diminui a formação de óxido nítrico, um importante vasodilatador.

Diminui também a produção de selectinas e integrinas, que leva a diminuição da migração leucocitária. E, por fim, diminuição da produção de citocinas, principalmente, interleucinas (IL) e fator de necrose tumoral (TNF) que são mediadores pró-inflamatórios. A nível celular, portanto, há: diminuição da migração leucocitária, diminuição da proliferação de linfócitos e diminuição da atividade e proliferação dos fibroblastos.

Quais são os efeitos colaterais?

Os efeitos colaterais do uso de corticosteroides são dose-dependentes e não se aplicam ao uso tópico, entretanto, é importante salientar que efeitos como diminuição da atividade leucocitária, diminuição da cicatrização, diminuição da atividade de coagulação são válidas até mesmo para formas farmacêuticas de uso tópico. Resumidamente, os corticosteroides possuem como efeito colateral efeito hiperglicemiante (ação glicocorticoide), devido ao aumento da gliconeogênese e diminuição da captação de glicose pelos tecidos.

Se há aumento da gliconeogênese, há aumento do catabolismo proteico, levando à perda da massa muscular. Também há mobilização dos lipídios, uma vez que há diminuição da captação de glicose, levando ao acúmulo de gordura nas regiões como rosto, dorso e abdômen. Já nas regiões dos membros há intensa lipólise. Em paralelo a esses efeitos, também há ação mineralocorticoide, que leva a retenção de sódio e, consequentemente, de água, e aumento da eliminação de potássio na urina.

A retenção de sódio está ligada ao aumento da volemia e consequentemente a ocorrência de edema e elevação da pressão arterial (hipertensão arterial), que é agravado pela diminuição da atividade vasodilatadora realizada pelo óxido nítrico, que aumenta a resistência vascular periférica. Outros efeitos colaterais menos comuns englobam: aparecimento de estrias (provavelmente por conta do catabolismo proteico, deposição de gorduras e diminuição da atividade de fibroblastos); infecções oportunistas; aumento de peso; glaucoma; catarata; tendência à gastrite e úlcera, devido à diminuição da produção de prostaglandinas no estômago.

Alterações do metabolismo ósseo

Um efeito colateral extremamente importante, principalmente, quando o usuário de corticosteroides é uma mulher que já atingiu a menopausa são as alterações do metabolismo do ósseo. Os corticosteroides diminuem a absorção de cálcio intestinal e aumenta a secreção dos íons cálcio na urina, devido à elevação da liberação do PTH (hormônio paratireoide).

Em paralelo, aumenta a atividade dos osteoclastos, responsáveis pela reabsorção de cálcio, e diminuem a atividade dos osteoblastos, responsáveis pela formação do tecido ósseo. Este cenário é favorável para desencadear a osteoporose.

Osteoporose induzida pelo uso de corticosteroides

Os ossos mais afetados, portanto, que dispõe de maiores riscos de fraturas são aqueles que possuem maior conteúdo trabecular, como costelas, corpos vertebrais e ossos pélvicos. As fraturas de quadril são as mais graves e dispõe de taxa de mortalidade em torno de 35%, além de deixar os pacientes acamados ou com locomoção limitada, impactando a qualidade de vida, sobretudo em idosos.

O principal método para diagnóstico é a densitometria mineral óssea. A extensão da perda óssea é dose e duração-dependente e terapia em dias alternados não parece prevenir a perda óssea. Sendo assim, recomenda-se que pacientes cujo tratamento seja igual ou maior há três meses, realize exame de densitometria mineral óssea para avaliação e submissão à profilaxia da osteoporose

Osteonecrose

Também chamada de necrose avascular e necrose asséptica, determina insuficiência de suprimento sanguíneo com consequente morte celular em todos os compartimentos do osso (hematopoiético, medula gordurosa e tecido mineral). Esta condição também é uma consequência do uso prolongado de corticosteroides ou altas doses em séries curtas. Pode ser apresentada de maneira assintomática ou dor leve à intensa, sobretudo quando o osso é pressionado. Com a progressão, a dor pode ser constante inclusive em repouso.

Muitas vezes os sinais clínicos estão ausentes nas fases iniciais e posteriormente apresenta diminuição da amplitude de movimentos da articulação envolvida. Os principais locais afetados são: tornozelo, ombro e cotovelo, mas também podem afetar a cabeça do fêmur, por exemplo. Os tratamentos englobam analgesia e retirada dos glicocorticoides em determinada fase da condição clínica, entretanto, quando há colapso a única alternativa é a cirurgia e colocação de prótese. Radiografias iniciais apresentam-se normais.

Medicamentos como os bifosfonatos, inibidores do RANKL são fatores que agravam a ocorrência e a progressão da osteonecrose, sobretudo na mandíbula.

Quais os tratamentos para osteoporose induzida por corticoides?

  • Prevenção: Ingestão diária de cálcio (1000 a 1200 mg/dia) e ingestão de vitamina D (600 a 800 UI/dia) e mudanças no estilo de vida, por exemplo, dieta equilibrada, cessação de tabagismo e alcoolismo, exercícios regulares e manter o peso dentro da faixa recomendada com dieta apropriada.
    A reposição hormonal com estrogênio para mulheres na pós-menopausa mostra-se efetivo na prevenção contra os efeitos adversos, porém é contraindicado em pacientes com câncer de mama, câncer de endométrio, disfunção cardiovascular e cerebrovascular, e portadores do lúpus eritematoso;
     
  • Bifosfonatos: Alendronato, pamidronato, risedronato. Esta classe possui baixa biodisponibilidade via oral, portanto a ingestão com pelo menos 1 hora antes ou 2 horas após a refeição é de suma importância, e sua principal reação adversa é a ocorrência de dispepsias e náusea, desta forma a orientação sobre essa reação adversa ao paciente é também importante para a manutenção da adesão ao tratamento;

 

  • Raloxifeno: Importante na prevenção de fraturas na coluna e reduz o risco de câncer de mama;
     
  • Inibidor do RANKL: Denosumabe é um anticorpo monoclonal que se liga ao ligante RANK, estimulante da osteoclastogênese, inibindo, portanto a formação dos osteoclastos;
     
  • Calcitonina: Aumenta os níveis séricos de cálcio e fosfato por ação renal e ósseo. Possui efeito analgésico, mas baixa ação preventiva contra fraturas, principalmente em mulheres pós-menopausa;
     
  • Teriparatida: Efeito anabolizante sobre o osso, estimulando a proliferação de osteoblastos e tem efeito preventivo contra fraturas;
     
  • Estrôncio: o ranelato de estrôncio atua no bloqueio da diferenciação de osteoclastos, enquanto promove apoptose, inibindo a reabsorção óssea. Aparentemente pode aumentar a formação óssea também.

Aquisição de medicamentos

  • Componente básico: carbonato de cálcio; alendronato de sódio;
  • Componente especializado: Calcitonina; pamidronato dissódico; risedronato sódico; cloridrato de raloxifeno;
  • Componente estratégico: Sachê de micronutrientes (contém vitamina D);
  • Indisponíveis no RENAME 2020: Denosumabe; vitamina D (componente único); teriparatida; ranelato de estrôncio.

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