O tema do suicídio é, com toda certeza, um dos mais polêmicos e delicados da prática clínica, sendo motivo de dúvidas e ansiedade até mesmo para as(os) psicólogas(os) mais experientes.
Diante disso, surgem diversos mitos entorno do suicídio e do seu manejo clínico. Acredito que o maior deles – e que mais pode impactar na atuação profissional da(o) psicóloga(o) – seja o de que “não se deve falar com o paciente sobre suicídio para não dar a ideia”.
Nós DEVEMOS falar sobre o suicídio, pois reconhecer e validar os sentimentos e emoções do indivíduo é um dos fatores que contribui para a redução do sofrimento psíquico e para consolidação do vínculo terapêutico.
Além do mais, falar sobre o suicídio e as ideações suicidas é imprescindível para que você possa realizar uma avaliação de risco fidedigna, como falarei a seguir.
Indicadores de risco agudo de suicídio
Você já deve ter ouvido falar sobre os principais sinais de suicídio, mas existem alguns indicadores de risco agudo que ainda precisam ser mais discutidos entre os profissionais da saúde, principalmente entre as(os) psicólogas(os).
Eles indicam um risco iminente da tentativa de suicídio, e, por isso, quando aparecem na prática clínica exigem providências imediatas por parte do profissional! De acordo com Costa (2014), existem quatro indicadores:
- Afetos Intoleráveis e dor psíquica: Os afetos intoleráveis que podem ser considerados como o principal fator que identificaria o paciente em maior risco. Sentimentos e discursos de desamparo, desesperança e, sobretudo, desespero devem ser considerados como sinais de alerta!!
- Comportamento suicida atual: Os comportamentos suicidas vão desde a ideação suicida vaga até o suicídio consumado, passando pela comunicação suicida, a ameaça e a tentativa. Por isso, deve-se sempre avaliar cuidadosamente a história dos comportamentos suicidas, atentando- se para intencionalidade, planejamento, acesso a meios, conhecimentos e disposição para atuar, bem como ações preparatórias e história de comportamentos impulsivos. Lembrem-se que cerca de 50 a 60% das pessoas que morreram por suicídio fizeram pelo menos uma tentativa anterior!
- Apresentação sintomática: A apresentação sintomática pode se dar através de estados confusionais que provocam uma dificuldade de interpretar a realidade, rigidez cognitiva que leva o paciente a uma dificuldade de encontrar alternativas para solução dos problemas ou processos psicóticos perigosos (como delírios religiosos, vozes de comando suicidas ou sensação de estar sendo controlado). Esses sintomas indicam o grau de desorganização interna, na qual o comportamento suicida pode aparecer de forma aguda.
- Precipitadores – contexto psicossocial e eventos de vida: Por fim, mas não menos importantes, estão os precipitadores, que são os eventos de vida adversos que podem estar associados ou desencadearem uma crise suicida. Os eventos podem ser decorrentes dos comportamentos do próprio paciente (como o rompimento de um relacionamento amoroso) ou de natureza externa (como a morte de alguém próximo), e o seu impacto depende da vulnerabilidade emocional da pessoa.
O que fazer diante de um paciente que apresenta esses indicadores?
Em primeiro lugar, esses casos nos levam a olhar para relação terapêutica existente, por isso devemos nos atentar para a qualidade do vínculo e da aliança terapêutica, e para as questões referentes à transferência e à contratransferência.
De acordo com Costa (2014), refletir sobre esses aspectos traz benefícios importantes tanto para o paciente quanto para o terapeuta, visto que propicia um contexto de amadurecimento pessoal e profissional, que diminui o risco de Burnout e aumenta a “capacidade técnica de avaliação e intervenção nas condições de risco, resultando em atendimentos mais seguros e eficazes”.
No que se refere mais especificamente ao paciente, a segurança do vínculo terapêutico é um dos fatores que contribui significativamente para adesão e eficácia do tratamento. Isso porque os pacientes tendem a se sentir mais acolhidos e seguros para expor suas questões subjetivas, bem como para buscar ajuda e desenvolver competências necessárias para o enfrentamento da crise. (COSTA, 2014)
Outra dúvida que surge quando se fala do manejo da crise suicida no setting terapêutico é em relação ao sigilo terapêutico.
Em casos de risco de suicídio, a(o) psicóloga(o) pode (e deve!) acionar a rede de apoio do paciente, se baseando no art. 10 do Código de Ética Profissional do Psicólogo, onde consta que:
“Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo”.
Isso deve ser feito em transparência com o próprio paciente, informando que precisará compartilhar essa informação com alguém que possa ajudá-lo e prestando apenas as informações estritamente necessárias. (BARRETO; RESENDE, 2019)
Você pode, por exemplo, pedir ao próprio paciente que escolha quem será essa pessoa (ou pessoas), como uma rede de apoio, e pactuar com ele sobre a forma como irá contar.
Costa (2014) fala também da importância da constante reflexão sobre os limites e as
limitações nesse contexto.
Os limites se referem ao que extrapola nossa capacidade de atuação, como controlar nosso paciente, enquanto que as limitações se constituem nas dificuldades do terapeuta ou da equipe, e devem ser superadas.
Essas situações são naturalmente difíceis e exigem de nós, enquanto psicólogas(os), um olhar para nós mesmos e para os conteúdos que esses pacientes evocam em nós, compreendendo como isso nos mobiliza.
Por isso é fundamental a supervisão clínica e discussão dos casos em grupo, para que possamos desenvolver habilidades para lidar com esses desafios!
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Referências
BARRETO, Gabriela; RESENDE, Viviane. Como se faz? Iniciando a prática clínica em Psicologia: da atuação profissional aos fundamentos de gestão. Salvador: Sanar, 2019.
COSTA, Ileno Izídio da (org.). Sofrimento humano, crise psíquica e cuidado: dimensões do sofrimento e do cuidado humano na contemporaneidade. Brasília: Unb, 2014.
Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília: Conselho Federal de Psicologia. XIII Plenário do Conselho Federal de Psicologia, 2005