O propósito da construção do conhecimento no sistema de ensino superior brasileiro é fundamentado no triplo dispositivo indissociável do ensino, pesquisa e extensão. Embora esteja configurado no cenário da educação superior brasileira há mais de trinta anos, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 207, a sua consolidação ainda é um desafio atual.
Modernamente, a construção do saber induz que o conhecimento seja não apenas sistematizado e gerenciado por um professor, o modelo tradicional ou condutista, mas constantemente estimulado e reelaborado, promovendo novos espaços de práticas e de reflexão, o modelo construtivista. Nesse, acredita-se na formação profissional mediante um processo de ensino e aprendizagem de habilidades e competências técnicas; de competências científicas com disponibilização de métodos e conteúdos de conhecimento; e de competência cidadã, estimulando o estudante à tomada de consciência de sua existência histórica e social.
Não por acaso, estudiosos afirmam que o desafio para a formação é incorporar propostas de ensino que estejam inseridas no paradigma da complexidade, que discuta a realidade da globalização e absorva a construção da subjetividade do futuro profissional.
A metodologia Problem Based Learning (PBL), por exemplo, destaca o uso de um contexto clínico para o aprendizado, promove o desenvolvimento da habilidade de trabalhar em grupo, e também estimula o estudo individual, de acordo com os interesses e o ritmo de cada estudante. O aprendizado passa dessa forma a ser centrado no aluno, que sai do papel de receptor passivo, para o de agente e principal responsável por seu aprendizado.
A inserção do aluno de graduação em iniciativas de pesquisa representa um importante instrumento de aprimoramento de habilidades desejáveis para futuros profissionais. Procedimentos simples, como técnicas de estudo e leitura, modos de análise, pensamento e escrita compatíveis com o rigor científico, além das etapas, fontes, métodos de abordagem e procedimento das pesquisas científicas, entre outros, devem enriquecer a jornada do estudante em seu percurso universitário, uma vez que são capazes de permear o processo de competências de aprendizagem no ensino superior.
A pesquisa universitária é a que melhor estabelece essas integrações entre o desempenho científico e técnico dos educandos, além de aprimorando a sua formação cidadã. Deve ser diversificada nas universidades e ter fins produtivos para o mundo moderno, estando vinculadas às demandas da sociedade. Para tanto, pode-se manter parcerias com entidades e organizações externas às Instituições de Ensino Superior (IES).
É fato atual e relevante a escassez de fomentos nas IES e a redução de editais de agências financiadoras. Caso não haja políticas para a ampliação e democratização destes recursos, a inserção à pesquisa continuará ocorrendo de modo seletivo, beneficiando poucos. Contudo, não só o financiamento é entrave para a expansão da pesquisa científica nas universidades, mas é preciso a Institucionalização desta prática, ou seja, a regulamentação como atividade de demanda curricular, obrigatória ou optativa, com regras de execução bem definidas, garantindo ao aluno tempo e espaço para praticá-la.
De acordo com o Plano Nacional de Extensão Universitária, elaborado no Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Brasil, 2002a), a extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade.
Apresenta-se, ainda, como uma das práticas acadêmicas com potencial para interpretar, na universidade, as demandas que a sociedade impõe, uma vez que permite socializar o conhecimento e promover o diálogo entre o saber científico e o saber popular. Entende-se, aqui, que esta aproximação e (re) significação dos saberes deva ser exposta como uma importante estratégia para a ação e a transformação da realidade em saúde de diferentes populações, num
verdadeiro processo de mudança do método formativo tradicional.
Especificamente para o campo acadêmico, verifica-se uma preocupação crescente com o modelo
formador do profissional em saúde, na qual, cada vez mais, se configura a necessidade de profissionais aptos a contribuírem com a sociedade num contexto de profundas mudanças, não somente em seu próprio campo profissional, mas, também, nos campos político e social.
Neste sentido, a extensão universitária assume o papel de potencializadora desta relação, por meio da diversificação de cenários e metodologias de aprendizagem, implementando novos espaços de discussão, análise e reflexão das práticas no cotidiano do trabalho e dos referenciais que as orientam, reafirmando, ainda, o seu compromisso na formação acadêmica humana e social.
Especificamente para os cursos de graduação em Odontologia no Brasil, em fevereiro de 2002, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), as quais passaram a fundamentar o planejamento e a orientação dos currículos dos cursos de graduação. Para as DCN, a inclusão de cenários de aprendizagem que compreendam os espaços públicos de atenção básica, como o Sistema Único de Saúde (SUS), é fundamental para a qualidade da formação profissional, capacitando o acadêmico para uma ampla comunicação com a sociedade e para um perfil crítico,
reflexivo e humano.
O estudo de Sanchez, Drumond e Vilaça (2008), constatou-se que a convivência com cenários sociais diferenciados causa, nos estudantes, um impacto que pode superar o aprendizado pelas vias tradicionais. Esse achado parece evidenciar que aliar a realidade social à experiência acadêmica contribui, como parte de um processo maior (Romanholi, Cyrino, 2012; Sanchez, Drumond, Vilaça, 2008), para a formação de profissionais que respondam mais satisfatoriamente às necessidades da população (Sanchez, Drumond, Vilaça, 2008).
O confronto do acadêmico com realidades socioeconômicas e culturais distintas das encontradas em seu grupo social é exposto e vai ao encontro das DCN para os cursos de graduação em Odontologia (Brasil, 2002b).
Por fim, Freire (1971) há muito já nos atentava para o fato de que o homem é um ser em situação, que não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo. O desdobramento dessa reflexão para a instituição universitária é inevitável: ela tem que ser vista como parte da sociedade e, mais ainda, parte da sua sociedade, da história nacional de onde foi parida.
É com essa história que terá que interagir. São com os problemas dessa sociedade que terá que, cotidianamente, se defrontar. E estes problemas deverão ser a base para suas escolhas em termos do Ensino/Pesquisa/Extensão.
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REFERÊNCIAS
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______. Ministério da Educação. Plano Nacional de Extensão Universitária. Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e SESu/MEC. Edição Atualizada Brasil 2000/2001. Brasília: ME, 2002a.
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