Condutas para comunicação bucossinusal em ambulatório: “comuniquei, e agora?”

A comunicação bucossinusal (CBS) é um acidente cirúrgico que pode acontecer com qualquer cirurgião-dentista, especialista ou generalista, que se disponha a realizar extrações no seu consultório, posto de saúde ou centro de especialidades odontológicas, sendo um acontecimento que pode gerar uma tensão psicológica no operador (principalmente em profissionais recém-formados) por diversos fatores: medo de explicar ao paciente que provavelmente não será possível completar a extração, inexperiência clínica relacionada a execução de acesso ao seio maxilar e a dúvida se realmente houve a comunicação ou não, havendo o risco da CBS se tornar uma inflamação crônica e assumir o aspecto de fístula bucossinusal, quadro clínico ainda mais doloroso ao paciente.

O ponto-chave do presente artigo é: se durante uma exodontia de rotina, você promover uma CBS no seu consultório ou posto de saúde que trabalha, poderia resolver ou encaminharia para um especialista de imediato?

A CBS se caracteriza por uma perda de continuidade do osso cortical da maxila que reveste o assoalho do seio maxilar¹ após intervenções maxilares do indivíduo como: exodontias, tratamento endodôntico com manipulação excessiva transforaminal, cirurgias parendodônticas e enucleação de lesões odontogênicas maxilares. No que concerne a extração de dentes maxilares, estão em maior incidência os molares superiores ( 1º ,2º e 3º molares) seguidos pelos pré-molares superiores (1º e 2º ) sendo estes incomuns, mas também suscetíveis ao acometimento².

Ao exame clínico imediato, é difícil diagnosticar a CBS apenas visualizando o alvéolo – considerando a vascularização local pode interferir na visualização – e aferindo o tamanho da perda de continuidade. Pode ser realizada a manobra de valsava para confirmação, ao qual o paciente deve bloquear, momentaneamente, as narinas e exalar, pois a pressão intranasal será direcionada para a CBS (caso esteja presente) e pequenas bolhas poderão surgir no sangue acumulado no alvéolo 2,3 .

Em casos em que não há suspeita evidente, a manobra deve ser evitada pelo risco da pressão exercida sobre uma fina cortical óssea remanescente possa ser rompida e induzir a CBS. A sonda exploratória tem seu uso discutido por risco de perfurar a membrana do seio maxilar que pode estar exposta, sem osso entre o assoalho e o alvéolo, mas não rompida³.

O presente artigo se dispõe a evidenciar um caso de tratamento de comunicação bucossinusal realizado sob anestesia local, pelo autor do artigo – com 6 meses de conclusão da graduação – e com o uso do pedículo bucal da bola de Bichat associado ao retalho mucoperiosteal vestibular, descrevendo técnicas e algumas peculiaridades em rotina particular ambulatorial.

Paciente do sexo feminino, 48 anos, normossistêmica, feoderma, buscou serviço clínico particular para solucionar um quadro de dor persistente à medicação, pós-exodontia do dente 25 com dor espontânea em região esquerda da face, especificamente em terço médio e incômodo oronasal ao ingerir líquidos, com edema facial evidente.

Ao exame clínico, o alvéolo pós-cirurgia exibia aspecto de cicatrização insatisfatória com bordas gengivais divergentes e com osso maxilar exposto, com supuração e com perda de continuidade extensa, evidenciando CBS pós-exodontia. A paciente informou que a extração havia sido realizada em outro consultório e não havia sido realizada radiografia periapical prévia, ou seja, não havia informação sobre o tamanho da raiz e se havia algum fragmento no interior do seio.

A conduta inicial foi solicitar radiografia panorâmica para diagnóstico. Para rápida execução de exame, já que a paciente estava com quadro de dor aguda sem remissão após medicação, na guia odontológica foi solicitado que não houvesse parecer com laudo radiológico para que o mesmo pudesse ser realizado e disponibilizado a paciente no mesmo dia, cabendo a interpretação imaginológica ao cirurgião-dentista que fosse conduzir o tratamento. (Fig. 1)

Após diagnóstico, em consenso com a paciente, o tracionamento da bola de Bichat e uso do retalho vestibular foram a conduta de escolha para oclusão da CBS, visto que a perda de continuidade era extensa (aprox. maior que 6mm) e apenas a sutura oclusiva não seria suficiente.

Segue a conduta clínica:

  1. Anestesia do nervo maxilar esquerda ( agulha longa e técnica da tuberosidade alta);
  2. Duas incisões relaxantes ( uma no dente 24 e outra no dente 26, retilíneas e distantes da linha média dos respectivos dentes) ultrapassando a junção mucogengival e utilizando o pilar zigomatico-maxilar como referência anatômica, confeccionando um retalho quadrangular com relativa passividade;
  3. Descolamento mucoperiosteal total do retalho em sentido apical e em sentido distal, realizando uma tunelização até a visualização da fossa infratemporal (descolando uma parte do tecido gengival, sem romper ou incisar sua inserção na cervical dos dentes até região posterior ao túber) (Fig. 2);
  4. Delicadamente, buscar com uma pinça hemostática curva (mosquito) a bola de Bichat (pedículo bucal) e tracioná-la gentilmente até o alvéolo/região de comunicação; (Fig. 3)
  5. Unir, pela transfixação com fio de sutura, o retalho quadrangular e a bola de Bichat, para quando houver o fechamento da ferida cirúrgica, haver a obliteração da comunicação com os dois retalhos em íntimo contato.
  6. Sutura alveolar e nas incisões relaxantes para promover cicatrização por 3ª intenção (cicatrização com uso de enxertos/ retalhos). O material de síntese de escolha: fio de nylon, visando não acumular placa bacteriana e mantê-la por 15 dias (Fig. 4)
  7. Prescrição: Clavulin (clavulanato de potássio associado a amoxicilina pela possibilidade de betalactamases no seio maxilar) Anti-inflamatórios não- estereoidais ou corticoesteróides podem ser utilizados e spray nasal comcorticoesteróide para manutenção do seio maxilar. Analgésico de escolha pode ser o mesmo que o paciente utilizou pós-exodontia, mas pela manipulação da bola de Bichat, analgésicos mais potentes podem ser utilizados para garantir conforto no acompanhamento.
  8. Paciente ainda sob acompanhamento, mas sem queixa álgica no local da cirurgia ou incômodo durante ingestão de líquidos. (Fig. 5)

É interessante levar em consideração que essa é a abordagem mais completa, mas existe a possibilidade de utilizar outros métodos. O que pode guiar a conduta do cirurgião-dentista nesses casos é a especificidade de cada situação³:

  1. Comunicações < 2mm: apenas a garantia da sutura é aconselhada para solução desses casos.
  2. Comunicações entre 2mm e 6mm: garantia de estabilização de coágulo por suturas oclusivas (em forma de 8 ou X) devem ser utilizadas. A depender do serviço/ clínica em que o profissional trabalhe, esponjas gelatinosas hemostáticas são aconselháveis (material reabsorvível e eficaz em meio úmido).
  3. Comunicações > 6mm: Intervenções cirúrgicas são necessárias. A depender do tamanho da comunicação e do remanescente gengival do paciente, apenas o retalho vestibular, palatino ou associação dos dois pode ser eficaz para oclusão. Em lesões maiores, com alvéolo exposto completamente e que manipulações no seio maxilar também sejam necessárias, é interessante que haja associação do retalho vestibular com o manejo da bola de Bichat para eficácia presente.

Então, para concluir o raciocínio do artigo, é interessante apontar algumas peculiaridades:

  1. Caso solucionado por generalista que, por experiência com manejo de complicações e acidentes cirúrgicos, pôde conduzir o diagnóstico e tratamento adequado para o caso;
  2. Caso o cirurgião-dentista não se considere apto para diagnosticar a CBS e/ou tratamento adequado, o encaminhamento a um cirurgião buco-maxilo-facial é, impreterivelmente, adequado.
  3. O laudo radiológico não solicitado não implica na supressão da opinião do radiologista: É aconselhado que haja a confecção e interpretação do laudo prévio a todo procedimento eletivo. Salvo as devidas exceções, como a urgência do presente caso, que o laudo pode ser postergado para outros exames de acompanhamento.
  4. Em casos de deslocamento de raiz para o interior do seio, a intervenção cirúrgica por meio do acesso Caldwell-Luc pelo cirurgião-dentista ou cirurgia endoscópica nasal pelo otorrinolaringologista deve ser elencada.
  5. Optar por realizar esse tipo de procedimento sob anestesia local ou geral deve ser elencado previamente e com concordância do paciente. A intimidade/ experiência do profissional é de grande importância para escolha da anestesia local: conhecimento do bloqueio troncular do n. Maxilar/ confecção do retalho vestibular e tracionamento do corpo adiposo bucal são passos cirúrgicos que nem todo acadêmico pode ver/ executar durante a graduação. Somado a esse fator, o paciente deve estar disposto a cooperar em um procedimento cirúrgico mais extenso. Caso haja alguma queixa sobre ansiedade/ nervosismo do paciente, a sedação mínima ou anestesia geral são indicadas caso ele concorde.

Agradeço, imensamente, aos professores da faculdade de odontologia da Universidade Federal do Ceará campus Sobral, especificamente os professores de CTBMF Marcelo Ferraro, Rodrygo Tavares, Samuel Carvalho, aos profs. de Radiologia/Estomatologia Marcelo Sampieri e Filipe Nobre. Aos profs. de CTBMF Breno Benevides, Adjair Jairo e Rodrigo Lemos de outras instituições e à Liga de Anatomia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial de Sobral (LATIUM – UFC) que tornaram a minha recente graduação proveitosa e despertaram o interesse para continuar na área de CTBMF.

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Fig. 1: Radiografia panorâmica evidenciando seio maxilar esquerdo sem fragmento radicular e com perda de continuidade óssea entre o seio maxilar esquerdo e alvéolo pós-exodontia do dente 25.

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Fig. 2: Confecção e descolamento do retalho quadrangular para acessar defeito maxilar pós-exodontia. Além da comunicação bucossinusal em região apical do alvéolo, nota-se defeito ósseo na parede vestibular.

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Fig. 3: Tracionamento do pedículo bucal da bola de Bichat para oclusão da CBS

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Fig. 4: Pós-operatório imediato da bola de Bichat ocluindo a CBS com sutura simples interrompida.
 

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Fig. 5: Pós-operatório de 15 dias – ainda em cicatrização – após remoção de sutura e comunicação ocluída, sem queixa de dor da paciente.

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Referências:

1. TEIXEIRA, LM; REHER, VGS. Anatomia aplicada à Odontologia. Ed. Guanabara. Koogan S. A., Rio de Janeiro, 2001

2. MILORO, M et al. Princípios de cirurgia bucomaxilofacial de Peterson. 3. ed. São Paulo: Santos Editora, 2016.

3. HUPP, JR; TUCKER, MR; ELLIS, E. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.