Por que a revolução prometida pelos medicamentos nanoestruturados ainda não chegou?

Palavras-chave: Nanotecnologia farmacêutica, nanofármacos, lipossomas.

A nanotecnologia aplicada às ciências da saúde está ligada a uma promessa de revolução desde a sua apresentação em 1974. O termo nanotecnologia se refere à materiais de dimensão nanométrica (1 a 100nm). O grande diferencial no uso da nanotecnologia está relacionado às diferentes características bioquímicas, físico- químicas, ópticas, magnéticas e eletrônicas que o material apresenta quando comparado ao mesmo em escalas maiores.

Nanotecnologia farmacêutica

Desenvolver medicamentos nanoestruturados – ou nanofármacos, permitiria uma terapia focada em tipos celulares específicos como alvo, diminuindo drasticamente efeitos colaterais para os pacientes. Essa combinação de ativos moleculares ou biológicos em nanoescala seria útil para, além de terapias alvo-específicas com baixa toxicidade, melhorar técnicas de diagnóstico, imagem, biomarcadores, terapia gênica e instrumentação cirúrgica de maior precisão.

O tamanho reduzido dos nanofármacos traz consigo alguns outros benefícios como: aumento de solubilidade e distribuição dos fármacos no organismo, melhora na estabilidade, absorção, e consequentemente, diminuição da dose e toxicidade, maior rapidez no início da ação do ativo e redução da intervariabilidade de resultados entre pacientes, além de apresentarem tamanho semelhante a receptores, anticorpos e ácidos nucleicos, podendo os nanofármacos então, agirem como tal.

Todas essas propriedades fascinantes são dependentes do controle rigoroso das variabilidades da nanopartícula em questão, como distribuição de tamanho, forma, carga de superfície e características morfológicas. Entender e controlar todas essas variáveis utilizando vários métodos analíticos diferentes é essencial para que o medicamento nanoestruturado entre em contato com o meio biológico e não seja metabolizado antes de cumprir seu papel terapêutico.

Medicamentos nanoestruturados na prática clínica

A essa altura, mesmo que você não esteja muito familiarizado com nanotecnologia farmacêutica, você já deve ter uma ideia de como os agentes terapêuticos em nanoescala são complexos com relação aos seus componentes, organização, funções e performance. Todos os atributos do ativo, do carreador e da formulação física devem ser cuidadosamente avaliados para alcançar os critérios de qualidade desejados nesse tipo de formulação.

Apesar de toda a dificuldade apresentada, alguns grupos de pesquisa, inclusive no Brasil, vêm obtendo resultados satisfatórios e de grande impacto em suas pesquisas utilizando medicamentos nanoestruturados principalmente para o tratamento de alguns tipos específicos de câncer e infecções microbianas.

Hoje, para o uso clínico, a formulação nanoestruturada mais utilizada é o lipossoma. Doxyl/Myocet foi a primeira formulação lipossomal a ser aprovada para uso, em 1995, para o tratamento de sarcoma refratário de Kaposi, tumores de ovário e câncer de mama recorrentes. Nessa formulação, a doxorrubicina, conhecida por sua alta toxicidade, foi encapsulada em lipossomas e teve resultados comprovados de aumento de meia vida do ativo, melhora na concentração do fármaco no tumor, e diminuição da cardiotoxicidade quando comparada à doxorrubicina livre.

Outros medicamentos lipossomais aprovados que estão no mercado são DaunoXome (daunorrubicina), AmBisome (anfotericina B), DepoDur (morfina), todos com resultados clínicos melhores quando comparados aos resultados do fármaco livre. Aproximadamente dez medicamentos nanoestruturados estão em fase de estudo clínico no mundo, estruturados na forma de lipossomas ou nanopartículas poliméricas, em sua maioria para o tratamento de câncer.
 

O que dificulta o crescimento da nanotecnologia farmacêutica?

A grande barreira que impede o desenvolvimento em grande escala da nanotecnologia aplicada à saúde é principalmente a questão regulatória, que não evolui desde 2013. A falta de protocolos específicos e recomendações regulatórias quanto ao desenvolvimento e a caracterização de formulações nanoestruturadas não permitem que essa tecnologia atinja seu grande potencial de aplicação clínica, biomédica e farmacêutica.

Da perspectiva regulatória, para registrar um medicamento nanoestruturado hoje, o seu princípio ativo é o que determina quais testes devem ser conduzidos na formulação. As maiores preocupações com relação à falta de testes e protocolos para nanofármacos são possíveis problemas relacionados à biocompatibilidade e à imunotoxicidade.

Outro problema que pode ser apontado como desafio ao desenvolvimento de medicamentos nanoestruturados é a transferência da formulação de bancada para escala industrial. Mesmo utilizando métodos sensíveis e altamente precisos, é possível que a formulação em escala industrial não tenha as mesmas características da formulação desenvolvida em laboratório, por limitações dos equipamentos utilizados. De qualquer forma, o escalonamento industrial deve ser feito de forma organizada e documentada, de forma a garantir a qualidade do produto final.

Baixa eficiência de encapsulação de alguns tipos de nanofármacos, possibilidade de absorção de água por polímeros da formulação, impurezas residuais do processo de produção, segurança quanto à exposição ocupacional dos profissionais, alto custo quando comparado às formas convencionais são pontos que também geram preocupação.

A nanotecnologia farmacêutica é um campo multidisciplinar que gera diferentes e promissoras perspectivas a décadas. Essa ciência tem crescido e ganhado força ao longo dos anos, e ainda é uma das grandes expectativas para o futuro das ciências da saúde. Obstáculos como a caracterização das formulações, desenvolvimento de escala industrial e protocolos regulatórios existem e devem ser encarados de frente para que os medicamentos nanoestruturados atinjam todo seu potencial.

Referências

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