Neste artigo vamos abordar a responsabilidade ética, criminal e civil dos cirurgiões-dentistas e como esse conhecimento vai te auxiliar a evitar processos. O dicionário Aurélio define responsável como “quem deve cuidar de algo ou alguém e que busca cumprir suas obrigações ou deveres”. Assim, a responsabilidade decorre da violação de uma obrigação. Aplicando esse conceito para a odontologia pode-se afirmar que o cirurgião-dentista tem responsabilidade pelos atos praticados no exercício profissional. Muita gente acha que esse tema é assunto só da Odontologia Legal, mas na verdade está relacionado com todas as especialidades. Então, vamos ver como isso se aplica na nossa vida profissional?
A responsabilidade profissional abrange três áreas ou esferas que são a ética (administrativa), criminal e civil. Ou seja, um profissional pode ser processado nessas três esferas que são – de uma maneira geral – independentes. De fato, a decisão em uma instância de responsabilidade não vincula as demais, salvo um único caso: se o juízo penal decidir sobre a autoria ou a existência do fato (materialidade), essa decisão vinculará todas as demais instâncias em razão do maior rigor probatório exigido para a instância penal.
Como exemplo, vou citar um caso que eu participei como perito em que a paciente processou o dentista nessas três esferas por causa de uma intercorrência (fratura da mandíbula) durante a extração de um siso. Primeiro a paciente foi no Conselho Regional de Odontologia (CRO) e protocolou uma denúncia contra o cirurgião-dentista, sendo que um processo foi instalado naquela autarquia. Aqui estamos falando da esfera ética. Depois ela foi à Delegacia de Polícia e fez um boletim de ocorrência. O delegado solicitou o exame de corpo de delito e a enviou para o Instituto Médico Legal. Neste caso estamos falando da esfera criminal ou penal. Posteriormente, ela contratou um advogado e entrou com uma ação civil solicitando uma indenização por dano material e moral decorrente do ato profissional. Ela ganhou? Ai já é outra história! O que eu quero mostrar com esse exemplo é que uma lide processual é um transtorno para ambas as partes, sem falar nas sanções éticas, penais e do prejuízo financeiro decorrente da indenização. Por isso, ninguém quer ser processado, não é?
Vamos falar um pouco mais dessas esferas ou instâncias onde o cirurgião-dentista possa vir a responder. Na esfera ética os processos são regidos pelo Código de Processo Ético e avaliam se o profissional inscrito no CRO cometeu alguma infração descrita no nosso Código de Ética Odontológica (CEO). Já repararam que as infrações éticas sempre começam com um verbo? Ou seja, a conduta do profissional que é avaliada. Esses processos geralmente ocorrem quando um paciente vai ao CRO e faz uma denúncia contra o dentista ou ainda quando o profissional é alvo de alguma fiscalização da própria autarquia. Nesses casos, é instaurado um processo, que é sigiloso e o profissional terá a chance de se defender. Se condenado, as penas a serem aplicadas estão no artigo 51 do CEO, a saber:
I – advertência confidencial, em aviso reservado;
II – censura confidencial, em aviso reservado;
III – censura pública, em publicação oficial;
IV – suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias; e,
V – cassação do exercício profissional ad referendum do Conselho Federal.
Na esfera penal ou criminal o cirurgião-dentista vai responder quando comete algum ilícito tipificado na legislação penal. Os delitos mais relacionados aos profissionais da odontologia, pelas peculiaridades da área são: o exercício ilícito da profissão, a violação de segredo profissional, a emissão de documento falso, o estelionato e as lesões corporais, podendo-se ainda admitir relação com a omissão de socorro e omissão de notificação compulsória, estes com algumas especificidades.
Por fim na esfera civil o profissional, se condenado, pode vir a ter que pagar uma indenização pelo ato praticado no exercício profissional e o ônus de sucumbência (quem perde tem que pagar o advogado da outra parte). A responsabilidade civil dos profissionais liberais é subjetiva, ou seja, depende da avaliação da culpa (imprudência, negligência ou imperícia), conforme dispõe esses artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e Código Civil (CC), respectivamente:
Art. 14, § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de CULPA.
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Essa responsabilidade subjetiva é apurada mediante a verificação da culpa nas suas três modalidades:
- negligência: seria a falta de uma determinada ação, quando se faz necessário por imposição da técnica, por segurança ou exigência legal;
- imprudência: seria o excesso, ocorre a precipitação, faz o que não deveria ser feito;
- imperícia: situação em que existe incapacidade, incompetência ou inaptidão para o desempenho de determinada intervenção.
Além da culpa ainda são necessários mais quatro elementos para caracterização da responsabilidade:
- o ato profissional: ato ocorrido no exercício da profissão;
- antijuridicidade: contrário a lei;
- o dano ou elemento objetivo: prejuízo causado no paciente;
- o nexo causal: relação direta ou indireta entre o ato e o dano produzido.
Nesses casos em há um alegado erro técnico o juiz irá nomear um perito para realizar a prova pericial. O perito é um profissional da odontologia que atua nos casos em que é necessário esclarecer alguma questão técnica. Quem paga o perito? Também são as partes ou o Estado no caso da justiça gratuita.
Agora que entendemos as esferas nas quais posso ser processado, vamos analisar como posso me defender através de três tópicos que vou pontuar:
1- Tenha um prontuário organizado, arquivado e com o registro de todos os procedimentos executados, inclusive as faltas do paciente. O prontuário é um documento que é feito antes da fase processual e é o principal meio de prova que o cirurgião-dentista tem para se defender. Lembrando que a sua guarda é de 20 anos a partir do último registro conforme disposto no artigo 6° da Lei 13.787/2018.
2- O CDC também determina que o profissional deve fornecer informações claras, completas e adequadas aos pacientes sobre o desenvolvimento do tratamento e os riscos que oferece. Isso só é possível com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) que deve conter todas as informações de forma clara e em linguagem acessível ao paciente, sobre como se desenvolverá o tratamento, bem como os riscos para o paciente que ele traz. Muitas pessoas pensam que o TCLE só é usado em pesquisas, mas isso é um erro.
3- Faça um seguro de responsabilidade civil que forneça cobertura à atividade profissional garantido a indenização em caso de condenação. Mas fique atento às cláusulas contratuais de cobertura como a importância segurada que é o valor máximo a ser pago pela seguradora. Sempre comunicar o segurador, imediatamente, de todo ato capaz de acarretar responsabilidade coberta pela garantia (§1° do Art. 787 do CC)
É isso ai! Espero que esse texto tenha sido útil em sua vida profissional. Até nosso próximo encontro virtual, que está na moda em tempos de COVID-19.
Referências:
Mini Dicionário Aurélio, 6ªed. Curitiba: Posigraf. 2004.
Código de Ética Odontológica. Disponível em website.cfo.org.br/wp-content/uploads/2018/03/codigo_etica.pdf
Código Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
Código de Defesa do Consumidor Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm
Geraldo Elias Miranda. Disponível em www.odontologialegal.com
Oliveira, CEE. Conexões entre as instâncias penal, administrativa, civil e de improbilidade: prescrição e efeito vinculante. Senado Federal. 2018.
Lolli, LF. et al. Responsabilidade criminal do cirurgião-dentista. Acta JUS. v1:1;p17-23. 2013.