Odontologia que gera saúde

Nos últimos meses, parando pra pensar sobre esse momento de pandemia que estamos vivendo, comecei a refletir sobre o valor da saúde e o impacto social, econômico, emocional e físico que ela exerce em nossas vidas. Em meio a tudo isso, como profissional da saúde, como você avalia sua atuação na sociedade que vivemos?

Hoje, no Brasil, temos 337.809 cirurgiões dentistas (CD) e 50.131 clínicas registradas, isso sem contar auxiliares (ASB) e técnicos (TSB) em saúde bucal1. Assim, considerando toda a população brasileira (211 milhões de habitantes)2, temos, em média, 1 dentista para cada 626 pessoas. A quantidade de cirurgiões-dentistas preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 1 cirurgião-dentista (CD) para cada 1.500 habitantes. Já para o CFO, 1 dentista para cada 2 mil pessoas seria uma métrica adequada. Mas, será que mesmo com essa grande quantidade de dentistas, a população tem tido acesso a atendimento odontológico adequado? Isso está sendo refletido na qualidade de vida da população?

De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil)3, realizada em 2010, avaliando a autopercepção de saúde bucal dos brasileiros, os principais resultados mostraram que, de modo geral, 32,2% dos adultos entre 35-44 anos de idade estavam insatisfeitos com seus dentes e bocas. Claro, devemos considerar que muitas condições influenciam os resultados no país como, desigualdade no acesso aos serviços de saúde, percepções diferentes acerca do estado de saúde, estilo de vida, que são influenciados por valores sociais, emocionais e culturais. Enfim, o que precisamos refletir diante disso é: como cirurgiões-dentistas, o que estamos fazendo para melhorar as condições de saúde na nossa população?

Odontologia Social x Odontologia de mercado

A odontologia de mercado tem se mantido como a principal no sistema de saúde brasileiro. No geral, sua prática está centrada na assistência odontológica curativa e restrita ao ambiente clínico-cirúrgico, ela predomina não apenas no setor privado, mas também nos serviços públicos. Claro que os atendimentos clínicos curativos também são necessários, sem dúvidas. Mas, devemos considerar que, em muitas situações, essa odontologia acaba denotando um modo de produção capitalista, transformando os cuidados de saúde em mercadorias. Isso fica muito claro, quando observamos a grande crescente na procura e realização de tratamentos estritamente estéticos, por exemplo.

Já a Odontologia Social, em um breve resumo, é aquela em que o profissional busca a prevenção individual e coletiva de uma sociedade ou um grupo social, atuando na promoção de saúde dessas pessoas.

Em meados dos anos 50, começaram a surgir algumas frentes institucionais marcando o início da assistência odontológica pública, onde os profissionais buscavam desenvolver ações educativas, tendo como alvo principal a população em idade escolar, tida como a mais vulnerável. Nesse início, surgiram as primeiras abordagens odontológicas sob responsabilidade do poder público no Brasil, inicialmente, denominada odontologia sanitária. Em “Odontologia e saúde bucal coletiva”, Narvai 4 descreve várias odontologias: sanitária, preventiva, social, simplificada, integral, comunitária e, também, a saúde bucal coletiva, são diversas análises diferentes. Mas que, no geral, englobam os mesmos princípios, a promoção de saúde da população.

Hoje, existem diversas atividades realizadas pelo governo, visando a saúde bucal da população como, programas de prevenção, atenção primária, atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde), promovendo maior saúde e qualidade de vida à população.

Mas, então, a Odontologia Social, é somente responsabilidade no governo?

Claro que o poder público tem uma grande responsabilidade sobre a promoção de saúde da população, facilitando o acesso às informações, programas e atendimentos, principalmente as populações mais carentes. Mas, não devemos esquecer o nosso papel na sociedade, até mesmo honrando nosso juramento: “No momento em que sou admitido como Cirurgião-Dentista, juro: consagrar minha vida a serviço da humanidade; (…) ter a saúde do meu paciente como a minha maior preocupação; (…) jamais permitir que preconceitos de religião, nacionalidade, raça, credo político ou situação social se interponha entre os meus deveres e meu paciente; conservar o máximo de respeito pela vida humana” (Juramento da Organização Mundial da Saúde).

Mais especificamente, para trabalhar na área, o profissional pode realizar cursos de pós-graduação, mestrado ou doutorado e se especializar no atendimento social de comunidades, por meio de programas sociais governamentais ou até mesmo de ONGs sem fins lucrativos.

Mas, acredito que hoje, mais do que nunca, independente da nossa especialização ou campo de atuação, devemos nos preocupar em exercer uma odontologia voltada principalmente a promoção de saúde, gerando mais qualidade de vida a população. Isso não implica em deixarmos nosso consultório de lado, desvalorizando os atendimento curativos, estéticos e retorno financeiro que precisamos. Mas, devemos mostrar o caminho que realmente importa pro nosso paciente, realizando ações preventivas, conscientizando e promovendo saúde dentro e fora dos nossos consultórios. E não nos deixar levar somente pelo mercado, estabelecendo aos nossos pacientes sobretratamentos e uma busca incessante por estética.

Por fim, acredito que, como profissionais da saúde, devemos atuar com responsabilidade e bom senso. Tendo sempre como foco principal a promoção de saúde, bem-estar e qualidade de vida na nossa sociedade. Afinal, saúde não é apenas dentes branco e “perfeitos” ou a ausência de doenças. Mas, essa reflexão fica pra um próximo texto.

Referências:

1. CFO: http://website.cfo.org.br/estatisticas/quantidade-geral-de-entidades-e-profissionais-ativos/

2. IBGE: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/

3. SB Brasil 2010: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pesquisa_nacional_saude_bucal.pdf

4. Narvai PC. Odontologia e saúde bucal coletiva: um conceito. 1 a ed. São Paulo: Hucitec; 1994.