Traumatismos orofaciais na prática de esportes: uma abordagem preventiva

O esporte pode levar seu praticante a consequências difíceis, os traumatismos e as lesões associadas. Lesões dentárias e orofaciais são de particular discussão pois, ao contrário de lacerações ou fraturas, elas não cicatrizam como um tecido e geralmente requerem uma substituição artificial ou permanente (seja por meio de próteses, coroas provisórias e permanentes e até mesmo implantes). Esses tratamentos podem ser onerosos e seus custos acabarem excedendo as condições financeiras de cada atleta. Estudos mostram que algumas estatísticas sobre traumatismos dentários estão relacionadas a vários tipos de esportes. As principais são:

  1.  Aproximadamente duas vezes mais injúrias acontecem em homens que em mulheres;
  2.  A maioria dos traumas envolvendo dentes ocorrem num único dente;
  3. Oitenta por cento de todos os traumatismos envolvendo dentes envolvem um dos 4 incisivos maxilares;
  4. A incidência de reincidência de traumatismos é alta. 1

O Trauma orofacial (TO) é considerado problema de saúde pública considerando, especialmente, desportos de alto impacto. Lesões orofaciais durante atividades desportivas, dependendo de sua gravidade, podem excluir o atleta de competições importantes, com consequências profissionais e pessoais. 2,3 Além disso, possíveis infecções oriundas de estruturas do sistema estomatognático ou após traumas pregressos podem dificultar ou até mesmo impedir que atletas (amadores e/ou profissionais) estejam aptos a treinarem e/ou competirem. Vários estudos têm observado que os acidentes esportivos são responsáveis por seis vezes mais lesões faciais do que os acidentes de trabalho, e três vezes mais lesões do que violência doméstica. 4,5,6

O comitê olímpico internacional (COI), em sua declaração de consenso de março de 2009, reconheceu a importância de um exame físico odontológico generalizado como parte de uma avaliação periódica de saúde. Alguns países já exigem que atletas façam exames odontológicos bem antes de viajarem para a disputa dos jogos olímpicos ou de outras competições mundiais. Isso mostra a importância do fator saúde bucal para os atletas, que muitas vezes carecem de tal atenção. 7

Algumas características predispõem o atleta ao trauma dentário e orofacial, sendo importante ao cirurgião-dentista sua identificação. As principais a serem elencadas são:

  1.  Presença de overjet aumentado ou presença de brackets ortodônticos. Um atleta com um significativo trespasse horizontal nos incisivos superiores está 3 vezes mais susceptível a um trauma dentário. Também, a presença de aparelho ortodôntico instalado, mais precisamente os brackets podem promover lesões lacerativas nos tecidos moles circundantes. 8
     
  2. Sexo. Estudos apontam que o gênero masculino possui até, aproximadamente, 3 vezes mais chance sofrer uma lesão dentária traumática no esporte do que o gênero feminino; 9
     
  3. Presença de dentes impactados (especialmente o terceiro molar inferior). Uma vez presente, o terceiro molar inferior não erupcionado ou parcialmente erupcionado pode provocar um quadro de infecção local (pericoronarite) e fragilizar a substância óssea circundante, predispondo o atleta a eventuais fraturas de mandíbula. 8

O aspecto mais significativo na prevenção de lesões orofaciais relacionadas com esportes está na prevenção e no uso de dispositivos básicos de proteção, tais como: protetores bucais. Traumatismos dentários são o tipo mais comum de lesão
orofacial sofridos durante a prática esportiva. Muitos atletas não estão conscientes das implicações de saúde de uma lesão traumática da boca ou do potencial de ocorrer graves lesões orofaciais durante a prática esportiva. 10 Logo, o dentista pode desempenhar um papel fundamental em informar atletas, técnicos e pacientes sobre a importância da prevenção de lesões orofaciais no esporte. Por isso, a importância da conscientização de clubes e federações esportivas de que o cirurgião-dentista é tão importante para o bom desempenho do atleta quanto outros profissionais da saúde. 6

Os protetores bucais se adequadamente projetados e personalizados após diagnostico individual são essenciais para a prevenção de lesões orofaciais esportivas. No estudo de Flanders e Bhat’s em 1995 11 , eles relataram a alta incidência de lesões em outros esportes diferentes do futebol. No futebol americano, onde os protetores bucais são usados, 0,07% das lesões foram orofaciais. No basquete, onde os protetores bucais não são rotineiramente usados, 34% das lesões foram orofaciais. Foram relatados vários graus de lesão, desde contusões e lacerações simples a avulsões e fratura de mandíbula. 11

Estima-se pela Associação Americana de Odontologia que os protetores bucais previnem aproximadamente 200.000 lesões por ano ocorridas no ensino médio e no futebol a nível colegial. 8 Um mouthguard adequadamente ajustado deve ser protetor, confortável, resiliente, resistente a rasgos, inodoro, insípido, não volumoso, causar interferência mínima na fala e na respiração e (possivelmente os critérios mais importantes) ter excelente retenção, ajuste e espessura suficiente em áreas críticas. 10

O uso do protetor bucal está indicado durante qualquer atividade que possa resultar em um forte impacto na face, uma vez que acidentes podem acontecer na prática frequente da atividade física. Um protetor bucal adequado ajuda na prevenção de fraturas dentoalveolares, lesões nos lábios, língua e terço inferior da face, limitando o risco destas lesões e protegendo as estruturas bucais já mencionadas. 10

Existem três tipos de protetores bucais:

  1. De estoque. Estes tipos de protetores são uma opção acessível e vem pré-fabricados, prontos para serem utilizados. Devido a sua não individualização, podem não adaptar corretamente, o que dificulta a fala e a respiração.
     
  2. Boil and bite. Estes protetores podem oferecer um melhor ajuste individual. Eles devem ser aquecidos em água quente, amolecidos e posteriormente inseridos na boca para correta adaptação.
     
  3. Personalizado. Este tipo é feito sob medida pelo cirurgião-dentista. Possui um custo mais elevado que os anteriores, no entanto, oferece o melhor ajuste. 10

São muitas as evidências científicas que que validam o uso dos protetores bucais na prevenção de lesões dentárias e orofaciais no esporte. Eles devem ser utilizados com o objetivo de prevenir tais lesões, entretanto devem ser projetados para incluir recursos importantes (espessura e cobertura adequadas; correto ajuste), o que também auxilia na estabilização da mandíbula e na dissipação de forças de impacto. 8

Os atletas além de estarem expostos a problemas bucais assim como qualquer indivíduo, tem risco aumentado a traumas orofaciais pela pratica esportiva. Sendo necessária uma maior atenção, orientação e prevenção destinada a esse grupo seleto a fim de amenizar possíveis traumas nas sessões de treino ou competições em geral. Traumatismos dentários são o tipo mais comum de lesão orofacial sofridos durante a prática desportiva 10 , principalmente em esportes de maior contato. Muitos atletas não estão conscientes das implicações de saúde de uma lesão traumática da boca ou do potencial de incorrer graves lesões orofaciais e na cabeça durante o jogo. Além disso, a relação da saúde bucal com a saúde sistêmica (geral) é de fundamental importância para o pleno desempenho dos atletas, visto que as infecções de origem orofacial acabam refletindo de forma negativa rendimento do atleta, influindo no seu desempenho físico. Logo, o cirurgião-dentista pode desempenhar um papel fundamental em informar atletas, técnicos e pacientes sobre a importância da prevenção e gestão das lesões orofaciais no esporte. Em acréscimo a prevenção, contamos com o desenvolvimento e cada vez mais estudados mouthguards – protetores bucais, cada vez mais difundidos, mas pouco discutidos sobre suas melhores formas e indicações, sendo o confeccionado pelo cirurgião-dentista que é individual para o atleta o mais recomendado. Devido a sua melhor adaptação e conforto na cavidade oral, sem gerar lesões desnecessárias e promovendo melhor proteção contra impactos.

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Referências:

1. Andreasen JO. Etiology and pathogenesis of traumatic dental injuries A clinical study of 1,298 cases. Eur J Oral Sci 1970;78:329–42.

2. Kvittem B, Hardie NA, Roettger M, et al. Incidence of orofacial injuries in high school sports. J Public Health Dent 1998;58(4):288–93.

3. Yamada T, Sawaki Y, Tomida S, et al. Oral injury and mouthguard usage by athletes in Japan. Endod Dent Traumatol 1998;14(2):84–7.

4. Cavalcanti, A. L. et al. Ocorrência de Injúrias Orofaciais em Praticantes de Esportes de Luta, Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, v.12, n.2, p.223-28, Abr-Jun, 2012.

5. D’annibale, A. S. Survey of buccomaxillofacial lesions inathletes of São Caetano do Sul, Rev Assoc Paul Cir Dent, v.58, p.467–72, 2004.

6. Rodrigues, H. J. G. et al. Odontologia Esportiva: atenção dos atletas amadores aos cuidados de saúde bucal na cidade de Bauru (SP). Rev. ABO Nac., Bauru, v.17, n.1, p.35-39, Fev-Mar, 2009

7. Ljungqvist A, Jenoure PJ, Engebretsen L, et al. The International Olympic Committee (IOC) consensus statement on periodic health evaluation of elite athletes March 2009. Br J Sports Med 2009;43(9):631–43.

8. Piccininni P, Clough A, Padilla R, Piccininni G. Dental and orofacial injuries. Clin Sports Med. 2017; 36: 369– 405.

9. Josefsson E, Karlander EL. Traumatic injuries to permanent teeth among Swedish school children living in a rural area. Swed Dent J 1994;18(3):87–94.

10. Fernandes, L.M., Neto, J.C.L., Lima, T.F.R., Magno, M.B., Santiago, B.M., Cavalcanti, Y.W., de Almeida, L.D.F.D. The use of mouthguards and prevalence of dento-alveolar trauma among athletes: A systematic review and meta-analysis (Open Access) (2019) Dental Traumatology, 35 (1), pp. 54-72.

11. Flanders RA, Bhat MJ. The incidence of orofacial injuries in sports: a pilot study in Illinois. J Am Dent Assoc 1995;126(4):491–6.