Considerações jurídicas sobre atendimentos odontológicos durante a pandemia do COVID-19

 

Estamos vivenciando um momento raro e inimaginável, essa pandemia do COVID-19 alterou a vida de todo mundo, nós, dentistas somos considerados um grupo de alta vulnerabilidade, pois tratamos diretamente com as vias respiratórias superiores dos pacientes “cara a cara”, por mais paramentados e equipados dentro de todas as normas de biossegurança, sabemos que os nossos equipamentos de trabalho produzem aerossóis que permanecem no ar por algumas horas, por esse motivo fomos orientados pelo Ministério da Saúde a suspender os tratamentos eletivos e limitar os atendimentos às Urgências e Emergências Odontológicas. Nesse contexto, muitos de nós tivemos que fechar o consultório ou a clínica e aguardar o pronunciamento das autoridades sanitárias liberando o funcionamento normal.

Tudo aconteceu muito rápido, fomos pegos de surpresa, não tivemos tempo para programar esse afastamento compulsório dos nossos ofícios. A princípio essa paralização parecia ser por um pequeno espaço de tempo, mas, foi se prolongando a ponto de ultrapassar os primeiros trinta dias, tempo suficiente para causar grandes estragos, com danos materiais e emocionais incalculáveis.

Na atual conjuntura ainda há uma imprevisibilidade na normalização dos serviços Odontológicos, enquanto aguardamos, vale a pena dar uma incrementada nos documentos importantes para proteção tanto do profissional quanto do paciente no exercício da profissão.

Nesse momento de tanta insegurança, vale relembrar a necessidade de manter atualizado o prontuário do paciente, com todos os documentos exigidos por lei, inclusive o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) individualizado e
adaptado ao caso específico, lembrando ainda que, conforme determinação do Ministério da Saúde, dos gestores municipais e do Conselho Federal de Odontologia, os atendimentos Odontológicos eletivos devem ser suspensos enquanto durar esse estado pandêmico.

O TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) tem sido adotado por alguns profissionais como forma de proteção para continuar atendendo todo tipo de procedimento Odontológico durante a pandemia, os textos são extensos, com termos técnicos e indutivos que transferem para o paciente a responsabilidade dos possíveis riscos de contaminação durante o procedimento. Uma verdadeira afronta a Lei e a ética, pois, a finalidade desse documento não é dar guarita ao profissional incauto e sim, dar dignidade e segurança ao paciente que tem o direito de ser informado sobre o diagnóstico, o prognóstico, os riscos, os benefícios e ter autonomia para decidir o que melhor lhe convier.

Como diz o ditado popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. As maiores autoridades sanitárias do país já se pronunciaram, embasados em evidências científicas, que comprovam o risco de contaminação através dos aerossóis produzidos pela turbina odontológica de alta rotação, porém, não é legal, não é ético e nem prudente, insistir em atendimentos eletivos nesse momento, o paciente não tem conhecimento técnico-científico a respeito dos riscos de contaminação por esse vírus tão potente, quando indevidamente exposto a um ambiente produtor de partículas e gotículas infectadas que ficam no ar.

Infelizmente essa situação inusitada está afetando drasticamente a vida financeira dos profissionais da Odontologia, considerado que não existe a possibilidade de Home Office, pois, a nossa ferramenta de trabalho é o consultório físico munido de equipamentos necessários ao exercício profissional e que nesse momento está em “quarentena”, visando à diminuição da disseminação do coronavírus.

Enquanto o país estiver em estado de pandemia causado pelo COVID-19, o descumprimento dos decretos municipais que determinam os atendimentos Odontológicos apenas a Urgências e Emergências, podem gerar complicações jurídicas na esfera cível, criminal e perante o Conselho Regional de Odontologia. Portanto, muita calma nessa hora, não existe um documento mágico capaz de abonar uma infração, pois, de acordo com o ordenamento jurídico Brasileiro, ninguém pode
alegar o desconhecimento da Lei para justificar uma conduta ilegal.

O Termo de consentimento Livre e Esclarecido, como o próprio nome já sugere é um documento onde o paciente tem o direito de ser devidamente esclarecido de tudo que envolve o seu tratamento e as suas consequências, enquanto o profissional tem o dever de tornar essas informações objetivas. O documento deve ser personalizado de acordo com cada caso, com uma redação na primeira pessoa do singular e uma linguagem clara que permita o paciente entender o procedimento e suas consequências. Os termos científicos, quando necessários, precisam ser acompanhados de seu significado em linguagem acessível. Enfim, o TCLE não deve ser dúbio, nem tão pouco formatado pelo profissional no intuito de se eximir de possíveis eventos de insucessos.

É importante lembrar que o consentimento deve ser livre, esclarecido, renovável e revogável. O paciente deve tomar decisões sem sofrer qualquer tipo de coação ou ser vítima de simulações ou práticas enganosas, que intervenham na livre
manifestação da vontade pessoal.

Por fim, dez dicas para um TCLE dentro dos padrões mínimos de exigências éticas e legais para o momento atual:

  1. Qualificação do paciente/responsável legal;
  2. Qualificação do profissional;
  3. Linguagem clara e acessível;
  4. Procedimentos e terapêuticas que serão utilizados;
  5. Objetivos e justificativas;
  6. Desconfortos e possíveis riscos;
  7. Métodos e alternativas existentes;
  8. Contra indicações;
  9. Benefícios e resultados esperados;
  10. Consentimento, autorização por escrito.

REFERENCIAS:

1. Conselho Federal de Odontologia. Disponível em http://website.cfo.org.br/cfo-apresenta- orientacoes-para-avaliar-urgencia-e-emergencia-odontologica-frente-ao-coronavirus/ Acesso em: 02.04.2020

2. COSTA, Sérgio Ibiapina Ferreira; GARRAFA, Volnei; OSELKA, Gabriel Wolf. Iniciação à bioética. [S.l: s.n.], 1998.

3. .SBACV, disponível em https://www.sbacv.org.br/tabelas-e-informacoes-uteis/termo- de-consentimento-livre-e-esclarecido. Acesso em 17.04.2020