Enzimas Hepáticas e Renais

 

Enzimas Hepáticas e Renais

Os médicos veterinários têm procurado meios auxiliares para a avaliação e diagnóstico que ofereçam informações cada vez mais precisas com o menor transtorno ao animal e seu proprietário.

A enzimologia clínica surge como um meio de desenvolver e utilizar exames clínicos que ofereçam o máximo de informação com um mínimo de invasibilidade, auxiliando no diagnóstico de doenças, no prognóstico de quadros clínicos diversos e na avaliação do estado geral dos pacientes.

Porém, o uso de enzimas como meio auxiliar diagnóstico requer alguns cuidados adicionais, como evitar ao máximo a hemólise da amostra a ser analisada. Da mesma forma, deve-se te cuidado ao interpretar resultados de amostras ictéricas ou lipêmicas.

Muitas enzimas são específicas de cada órgão, de forma que o aumento desta enzima no soro indica o local lesionado. Em outros tantos casos, as enzimas estão presentes em vários tecidos diferentes, dificultando a interpretação clínica do exame.

As enzimas de interesse diagnóstico são constituintes celulares de alguns tecidos específicos. Constantemente essas enzimas estão sendo liberadas na corrente sanguínea e, da mesma forma, são retiradas do sangue. Em condições normais, existe um equilíbrio entre a velocidade de liberação dos tecidos e sua eliminação ou catabolismo. A interpretação da atividade dessas enzimas só vai ter significado clínico quando os valores encontrados ficarem fora dos valores normais de referência, descartadas as causas clínicas de interferência, como por exemplo, alguns fatos que podem levar a interpretação equivocada dos resultados:

 

  • Aplicação de uma injeção intramuscular pode causar irritação local suficiente para elevar a concentração da CK, AST ou LDH no sangue,
  • Hemólise pode interferir, não somente pela variação da absorbância da amostra, como também pela liberação de enzimas presentes nos eritrócitos,
  • A CK pode elevar-se devido a uma crise convulsiva em que o animal se debata e traumatize os músculos esqueléticos,
  • O animal pode ter sofrido algum acidente que não foi percebido ou relatado pelos proprietários e ter sofrido traumatismo muscular e/ou lesão visceral,
  • A possibilidade de indução enzimática pelo uso de medicamentos,
  • Fatores como caquexia, gestação, idade ou dieta podem interferir nos resultados,
  • Animais e raças com taxas de crescimento maiores apresentam maior atividade enzimática da AST, ALT e F.A.

 

A dosagem de íons e minerais também são muito úteis para prática diária da clínica veterinária, desde que essas substâncias exercem um papel importante na manutenção da homeostasia e bem estar animal.

 

Mas antes de falarmos sobre as enzimas, devemos falar sobre um dos principais órgãos envolvidos nesse processo:

 

Fígado 
 

O fígado é, anatomicamente, um componente integral do sistema digestivo e funcionalmente interposto entre o trato gastrointestinal e a circulação sistêmica.

Para nossos propósitos, o fígado é composto estruturalmente de hepatócitos, um sistema de ductos biliares e um rico suprimento sangüíneo, tanto venoso quanto arterial.

Por ser um órgão de muitas e diversas funções metabólicas, qualquer avaliação do seu estado funcional será dependente da sua habilidade em executar uma função metabólica específica. Por isso muitos testes foram planejados para a detecção das alterações da função hepática.

A maioria das doenças hepática causam somente leves sintomas inicialmente, então estes testes são vitais para que estas doenças sejam detectadas precocemente. O envolvimento do fígado em algumas doenças pode ser de importância crucial.

É importante citar que resultados anormais nestes testes podem refletir tanto distúrbios hepáticos primários quanto secundários. Doenças metabólicas, cardiovasculares e gastro-intestinais são exemplos de sistemas orgânicos extra-hepáticos que podem causar alterações nos resultados dos testes. Estes exames são realizados através de amostra obtida pelo fracionamento do sangue do paciente.

Principais enzimas hepáticas

Alanina aminotransferase (ALT): É uma enzima de extravasamento que está livre no citoplasma dos hepatócitos, esta enzima é essencialmente hepato-específica para cães e gatos.

O aumento da atividade sérica dessa enzima indica uma lesão celular liberando-a para a circulação. Pequenos aumentos da sua atividade não têm relevância, pois o grau da lesão hepática é responsável pelo aumento da atividade da ALT.

Há lesões que permitem a passagem da enzima através da membrana sem perda de função celular; por exemplo, hipóxia decorrente de choque. Assim como há lesões, com perda total da função célular nos casos de necrose de hepatócitos, por exemplo, causada pela infecção do vírus da hepatite infecciosa canina. Entre os testes de função hepática é considerado o mais comum e o melhor para detecção da lesão hepática.

Aspartato aminotransferase (AST): É uma enzima de extravasamento, parte dela livre no citoplasma de hepatócitos, nota-se sua maior concentração nas membranas das mitocôndrias, encontra-se presente também em uma ampla variedade de tecidos como células do músculo cardíaco, esquelético e fígado. O teste desta enzima geralmente é feito para diagnosticar doenças musculares, pois ela não é considerada uma enzima hepato–específica.

O AST está presente no fígado, eritrócitos e no músculo. Nos hepatócitos, é encontrado tanto nas mitocôndrias como no citoplasma e é liberado no sangue durante alterações na permeabilidade da membrana celular ou necrose.

 Fosfatase Alcalina (FA): É uma enzima de indução sintetizada no fígado, nos osteoblastos, nos epitélio intestinal, e renal e na placenta. Em cães, a meia-vida de FA intestinal, renal e placentária é de, aproximadamente seis minutos; em gatos, é cerca de dois minutos. O aumento da produção e de sua atividade sérica pode ser notado em casos de maior atividade osteoblástica, colestase, indução por drogas como corticóides e fenobarbital e várias doenças crônicas, inclusive neoplasias.

Possui isoenzimas que são encontradas em tecidos como intestino, fígado, osso, placenta, rins e leucócitos. Porém, o fígado responde pela maior atividade sérica normal de F.A. Como a meia vida das isoenzimas intestinal, renal e placentária é muito curta em cães e gatos, elas não são consideradas fontes de aumento da atividade sérica de F.A. nessas espécies. O aumento da F.A. pode ser notado em casos de maior atividade osteoblástica, colestase, indução por drogas e várias doenças crônicas, inclusive neoplasias.

Gamaglutamilitransferase (GGT): É uma enzima de indução sintetizada por quase todos os tecidos corporais, com maior concentração no pâncreas e nos rins. A lesão hepática aguda pode provocar aumento imediato da atividade sérica possivelmente devido à liberação de fragmentos de membrana que contêm GGT.

No caso de colestase, nota-se aumento de produção, liberação e conseqüentemente elevação da sua atividade. Em cães esse aumento pode ser induzido através de administração de glicocorticoides.

Provas de síntese e metabolismo hepático:

Albumina e Globulina: As proteínas séricas variam amplamente em tamanho, estrutura e função. Níveis anormais nos valores dessas proteínas são chamados disproteinemias. O valor da proteína total pode ser afetado por fatores fisiológicos e patológicos. Em neonatos, a proteína total tem valores normais mais baixos, chegando aos valores de adultos quando atingem a idade de 6 meses a 1 ano. Em animais idosos esses valores tendem a ser mais elevados devido, principalmente, a síntese de IgG. O valor da proteína sérica é cerca de 5% menor que da proteína plasmática devido ao consumo do fibrinogênio no processo de coagulação sanguínea.

Níveis plasmáticos dos fatores da coagulação (tempo de protrombina): é um exame laboratorial para avaliar a via extrínseca da coagulação. O tempo de protrombina normal é de cerca de 12 a 15 segundos. Quanto maior for o TP, menor será a concentração de protrombina no sangue. O TP mede os fatores II, V, VII, X e o fibrinogênio.

Amônia: O aumento do nível de amônia no sangue pode indicar uma insuficiência hepática, pois no fígado ela é metabolizada em uréia sendo eliminada pela urina, com o órgão lesado não ocorre essa transformação acumulando amônia no sangue podendo trazer lesão em sistema nervoso central (encefalopatia hepática), porque ela é extremamente tóxica ao tecido nervoso.

Pode ser encontrado cristal de biurato de amônio na urina isso ocorre sempre que o fígado deixa de converter amônia em uréia aumentando o seu nível, portanto nos casos de desvio portossistêmico e insuficiência hepática.

Uréia: A uréia é sintetizada pelo fígado, representando o principal produto final do catabolismo protéico. É excretada quase inteiramente pelos rins. Os glomérulos filtram a uréia do plasma; sob condições normais, aproximadamente 25 a 40% da uréia filtrada é reabsorvida na sua passagem pelos túbulos. Velocidades de fluxo urinário maiores que o normal diminuem a reabsorção tubular; por outro lado, baixas velocidades aumentam sua reabsorção nos túbulos renais. Os níveis de uréia são afetados não só por alterações na função renal, mas também por fatores fisiológicos ou doenças de origem primariamente não renal.

Colesterol: Sua excreção é feita pela bile, portanto um distúrbio no fluxo biliar (colestase) pode aumentar o seu nível no sangue ocorrendo hipercolesterolêmica. O fígado é o principal órgão de síntese de colesterol, em alguns tipos de insuficiência hepática pode ocorrer à diminuição no sangue (hipocolesterolemia).

Glicose: O fígado tem participação importante no metabolismo de glicose sendo ela absorvida no intestino delgado e é transportada através do sistema porta chegando aos hepatócitos que transformam glicose em glicogênio mantendo assim o seu nível ideal no sangue. Em animais com insuficiência hepática a glicemia pode estar baixa ou alta isso tem relação devido à menor atividade da glicogenólise nos hepatócitos resultando na sua diminuição. O aumento da glicose pode ocorrer quando tiver menor absorção hepática resultando em hiperglicemia pós-prandial prolongada.

Provas de Transporte e Excreção Hepática

Bilirrubina: É um subproduto do metabolismo da hemoglobina formada através de hemáceas velhas fagocitadas por macrófagos e liberadas e transportada para o fígado por uma proteína. O aumento de bilirrubina pode ocorrer por vários fatores como doença hemolítica, insuficiência hepática e colestase. Na insuficiência hepática ocorre aumento de bilirrubina, porque parte dela vinda do intestino é eliminada pela bile. Com o fígado comprometido não ocorre eliminação, tendo um acúmulo de bilirrubina no sangue, ocasionando impregnação das mucosas (icterícia).

Ácidos Biliares: os ácidos biliares são produzidos no fígado e excretados pela bile. Eles são encontrados em baixa concentração no sangue periférico. Qualquer distúrbio envolvendo componentes estruturais do fígado pode causar o escape de ácidos biliares para a circulação periférica. O teste de avaliação dos níveis de ácidos biliares no sangue é muito mais sensível de função hepática do que a bilirrubina, ele aumentará antes do desenvolvimento da icterícia. Os valores normais em jejum no gato são menos que 5µmol/L, nos cães menos do que 10µmol/L e nos eqüinos é menos que 15µmol/L.

Rins

Os rins desempenham um papel importante como eliminação da água formada ou introduzida em excesso no organismo; eliminação de elementos inorgânicos, de acordo com as necessidades do organismo; eliminação de produtos finais não voláteis da atividade metabólica; retenção no corpo de substâncias requeridas para a manutenção da função normal como aminoácidos, hormônios, vitaminas, proteínas, glucose, etc.; eliminação de substâncias tóxicas estranhas; formação e excreção de substâncias, tais como íons hidrogênio e amônia. Para um entendimento básico do mecanismo funcional dos rins, é essencial uma apreciação dos exames de urina e, às vezes, do uso de testes de função renal.

Os testes de função renal avaliam a capacidade funcional dos rins e, em geral, medem o fluxo sanguíneo para os rins, filtração glomerular e função tubular. Esses testes podem ser feitos no sangue, urina ou em ambos

Creatinina

É uma substância nitrogenada não protéica formada durante o metabolismo muscular da creatina e fosfocreatina. A creatinina é excretada pela filtração glomerular, não havendo reabsorção ou excreção tubular em quantidades significativas. A creatinina não é influenciada pela dieta.

 

Níveis séricos aumentados:

  • Azotemia Renal: Insuficiência Renal Aguda e Insuficiência Renal Crônica
      • Azotemia Pré-Renal: Desidratação, Choque, Insuficiência Cardíaca, Hipertireoidismo (gatos) e Hipoadrenocorticismo
          • Azotemia Pós-Renal: Obstrução uretral ou ureteral (Cálculos, Neoplasias, Pólipos, Coágulos), Ruptura uretral ou ureteral, Ruptura de bexiga, Hérnia perineal e Hiperplasia Prostática

 

Fósforo (P)

É primariamente regulado pelo rim através da ação do hormônio paratireóide. Níveis anormais são causados por alteração na dieta, diminuição da excreção renal e desbalanços hormonais que afetam o cálcio.

Gama GT (GGT)

Possui uma alta concentração nas células tubulares renais, porém, como é excretado pela urina, seu nível sérico não chega a aumentar em um dano renal.  A enzima circulante é considerada de origem hepática.

Níveis séricos aumentados:

  • Glicocorticóide
  • Doença hepatobiliar
  • Colestase
  • Anticunvulsivantes (fenobarbital, primidona)
  • Falsa diminuição – lipemia, hemólise

Nota: gatos com lipidose hepática tendem a ter valores de GGT normais a discretamente aumentados, mas valores de F.A. bastante aumentados.