A ortopedia veterinária é uma especialidade que estuda, diagnostica e trata casos de traumatologias (luxações e fraturas) e patologias relacionadas aos ossos, músculos, articulações e ligamentos dos pets. Essa especialização surgiu com o avanço da veterinária e tem como objetivo oferecer melhor tratamento aos animais e proporcionar a eles alívio de dores e mais qualidade de vida.
A ortopedia em pequenos animais cuida da estrutura esquelética dos mesmos, sendo considerada uma das especialidades que mais crescem. A locomoção faz parte da qualidade de vida dos pets. Estes, estão cada vez mais presentes nos lares brasileiros e alcançaram uma expectativa de vida maior. O que muitos tutores esperam e que estes animais consigam alcançar a velhice mantendo o bem-estar. Assim, existe uma demanda muito grande por serviços ortopédicos.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Veterinária – IBV, as doenças do sistema locomotor em cães compreendem 15% a 35% dos atendimentos em clínicas veterinárias. Sabemos que muitos pets são agitados e curiosos e mesmo aqueles mais tranquilos estão sujeitos a sofrer quedas. Ou em outras situações podem se envolver em brigas, atropelamento ou sofrer fraturas em função da idade avançada.
Profissionais que optam por trabalhar nesta área, precisam conhecer a fundo sobre os aspectos que envolvem ossos, músculos e articulações.
Além disso, precisa ter segurança para realizar cirurgias básicas e complexas.
Exames ortopédicos iniciais
A ortopedia em pequenos animais envolve a realização de exames e técnicas que vão identificar a lesão e o grau em que se encontra. Assim, o médico veterinário irá optar pelo método mais adequado para estabilizar os ossos fraturados ou reposicionar articulações que sofreram alguma lesão. A queixa mais comum nos consultórios é de pacientes que sofrem de doenças articulares e normalmente têm por traz alguma lesão.
O primeiro passo para realização do exame consiste em avaliar os sinais clínicos de claudicação ao longo da obtenção do histórico de saúde do animal. Nesta fase, é importante que o animal fique livre para se locomover de um lado para o outro. Assim, o médico veterinário consegue observar sinais de claudicação. E mais, devem ser verificadas possíveis atrofias musculares, e se há desenvolvimento anormal dos músculos.
Esta análise prévia permite identificar qual membro foi afetado, posteriormente é preciso realizar a palpação no membro afetado e partir para realização dos exames. Porém, para aplicar as técnicas com segurança, os médicos veterinários precisam de muita vivência prática. Só através dela será possível desenvolver habilidade cirúrgicas e conhecer as complicações mais comuns em cada procedimento. No próximo tópico falaremos sobre os exames que auxiliam no diagnóstico.
Principais sinais de problemas ortopédicos nos pets
Além da dificuldade de locomoção, há uma série de sinais típicos que podem ser notados nos animais com alguma doença ortopédica, entre eles podemos destacar:
- Perda de apetite
- Dor ao se mover
- Relutância para levantar ou deitar
- Dificuldade para urinar e/ou defecar
- Evitar apoiar ou usar um membro específico ao se mexer
- Morder ou lamber excessivamente alguma parte do corpo
- Não se mexer ou passar muito tempo em uma mesma posição
Principais cirurgias ortopédicas em cães
- Luxação de patela
A luxação de patela é uma das mais comuns anormalidades que acomete o joelho dos cães. A afecção pode ser congênita, também referida como de desenvolvimento, ou traumática, sendo a luxação de patela medial congênita a mais frequentemente observada. A fisiopatologia da luxação congênita não está inteiramente compreendida, visto haver poucos dados objetivos para sugerir quais das deformidades associadas contribuem para a indução da luxação e quais desenvolvem como consequência do deslocamento patelar.
A intensidade das deformidades depende da severidade da luxação patelar e da idade do animal. Outro fator importante é a permanência da luxação; quanto mais tempo as forças anormais atuarem na placa fisária de um cão jovem, maiores serão as alterações angulares e de torção.
Os sinais clínicos variam com o grau de luxação e incluem claudicação intermitente ou consistente, defeitos conformacionais, dor e relutância em se mover. O diagnóstico é baseado na palpação do joelho afetado, contudo o exame radiográfico é útil para documentar o grau de deformidade do membro tão bem quanto o grau de osteoartrite presente na articulação do joelho.
O tratamento é dependente do grau da luxação, sendo em sua maioria realizado por meio de procedimentos cirúrgicos de reconstrução dos tecidos moles e ósseos. Entretanto, independente das técnicas, o objetivo é conseguir que a patela se posicione adequadamente no sulco troclear e, assim, permaneça durante toda a amplitude do movimento.
A etiologia específica da luxação patelar não está totalmente esclarecida. Na maioria dos casos, a lesão é considerada congênita ou de desenvolvimento, mas pode também ser de origem traumática. O histórico e a presença de outros sinais clínicos, tais como lacerações, abrasões, fraturas, podem auxiliar no diagnóstico da luxação patelar traumática.
Há vários métodos cirúrgicos para o tratamento da luxação patelar e a escolha depende da gravidade da lesão, ou mesmo da preferência do cirurgião. Geralmente são realizadas combinações de técnicas para se obter melhores resultados. Essa conduta foi adotada nos cães mencionados no presente relato, já que, nos casos de graus I e II, o tratamento utilizado foi a técnica de superposição do retináculo lateral combinada ou não à trocleoplastia.
Adicionalmente, a transposição da crista da tíbia foi efetuada em alguns joelhos com grau II. Nos casos de graus III e IV, os métodos incluíram a superposição do retináculo lateral, a trocleoplastia, a desmotomia, a liberação do quadríceps, a transposição da crista da tíbia e, eventualmente, a sutura fabela-patela. Além disso, devido à severidade da lesão, em um cão com grau IV, foi incluída a osteotomia do fêmur.
- Fraturas
Fraturas e luxações vertebrais (FLV) são causadas por lesões traumáticas ou patológicas da coluna vertebral, resultando em compressão, laceração, concussão e/ou secção das estruturas neurais.
É considerada uma afecção grave, devido ao elevado risco de danos medulares permanentes e corresponde a aproximadamente 7% das afecções neurológicas em cães. São causadas na maioria das vezes por acidentes automobilísticos. Ocorre ainda por briga entre animais, chutes, quedas, choques contra objetos parados, neoplasias ou infecções vertebrais e osteopatias nutricionais. Afeta com mais frequência a região toracolombar da coluna vertebral (T3 -L3 ).
Cerca de 40 a 83% dos pacientes com FLV apresentam lesões intercorrentes em outros sistemas.
Por isso, torna-se necessário um exame clínico completo para reconhecer essas lesões antes de se prosseguir com as investigações específicas. O diagnóstico baseia-se na anamnese, nos sinais clínico- -neurológicos agudos e na obtenção de imagens da coluna vertebral e medula espinal. Os sinais clínicos variam de hiperpatia vertebral à paralisia com perda da nocicepção, dependendo da gravidade da lesão. O tratamento conservativo consiste na administração de neuroprotetores, analgésicos e imobilização da coluna vertebral.
O tratamento cirúrgico objetiva descompressão da medula espinal, alinhamento do canal vertebral, estabilização da coluna vertebral e remoção de possíveis fragmentos ósseos de dentro do canal vertebral.
O prognóstico depende principalmente da avaliação da nocicepção, que indica a gravidade da lesão medular, no qual a suapresença indica prognóstico favorável e a ausência, prognóstico reservado à desfavorável.
Ligamento cruzado
Os ligamentos cruzados são estruturas que desempenham importante papel na estabilidade da articulação do joelho. A ruptura destes está geralmente associada a um estresse excessivo sobre a articulação, ocorrendo na maioria das vezes em cães jovens de raças de grande porte.
A ruptura do ligamento cruzado cranial é uma das afecções relativamente comum no cão, tendo sido descrita pela primeira vez em 1926, e é uma das principais causas de doença degenerativa da articulação do joelho.
O ligamento cruzado cranial é o mais acometido, pois está primariamente relacionado ao movimento articular, impedindo o deslocamento cranial da tíbia em relação ao fêmur, limitando a rotação interna e conseqüentemente a hiperextensão do joelho. A ruptura do ligamento cruzado caudal, embora rara, está associada à ruptura do ligamento cranial.
A lesão ligamentosa pode ser uma ruptura completa, com visível instabilidade, ou parcial, com instabilidade secundária; porém ambas exibem alterações articulares degenerativas dentro de poucas semanas. O mecanismo mais comum de ruptura do ligamento cruzado cranial consiste em uma rotação súbita do joelho com a articulação em 20° a 50° de flexão, pois nessa posição os ligamentos torcem sobre si mesmos ou um sobre o outro para limitar a rotação interna da tíbia em relação ao fêmur.
O diagnóstico baseia-se na história clínica que revela um quadro de claudicação aguda em membros posteriores, particularmente durante o exercício. Claudicação crónica e persistente pode também ocorrer, especialmente em cães mais velhos e mais pesados.
Para confirmar o diagnóstico deve-se verificar o movimento cranial anormal da tíbia, testando a instabilidade da articulação com a tíbia em máxima extensão, em flexão de 15° a 30°(Lachman Test), e em 45° a 90° de flexão, caracterizando o chamado "sinal de gaveta cranial". Porém, como o sinal de gaveta nem sempre é evidente em casos de ruptura parcial, nestes, o diagnóstico deve ser baseado na história e instabilidade com efusão articular (STROM, 1990).
O exame radiográfico revela o grau de comprometimento articular. Cães com ruptura crónica do ligamento cruzado cranial desenvolvem um espessamento medial da cápsula articular.
Numerosas técnicas para reparação do ligamento rompido têm sido descritas na literatura, seguindo a técnica original desenvolvida por PAATSAMA (1952), que utilizou um retalho de fascia lata para reconstituir o ligamento. O tratamento cirúrgico foi estudado por KNECHT (1976) e desde então novos conceitos e técnicas têm sido introduzidos.
A cirurgia é requerida para estabilizar as superfícies articulares, minimizando as alterações degenerativas progressivas.
Hérnia de disco
A doença do disco intervertebral (DDIV) é uma afecção frequente na clínica neurológica de cães, representando 45,8% dos casos neurológicos atendidos pelo Serviço de Neurologia do Hospital Veterinário Universitário da Universidade Federal de Santa Maria. Os locais mais acometidos pela doença são os segmentos toracolombar (T3-L3) e cervical cranial (C1-C5) da medula espinhal ocorrendo em 69,4% e 19,4% dos casos de DDIV, respectivamente. Dachshunds são 12,6 vezes mais predispostos a desenvolver DDIV do que outras raças.
A DDIV é rara em cães com menos de dois anos de idade. Em cães de raças condrodistróficas a idade média varia entre três e sete anos e em cães não condrodistróficos, geralmente varia entre seis e oito anos de idade. Cães mais velhos tem maior incidência de DDIV cervical. Não foi encontrada correlação da idade com a recuperação de cães com DDIV em alguns estudos, porém outros autores demonstraram uma melhor e mais rápida recuperação em cães jovens.
A manifestação clínica ocorre devido a uma combinação do efeito compressivo do material de disco e da lesão de impacto na medula espinhal, decorrente principalmente da extrusão do disco. Varia de acordo com o segmento da medula espinhal afetado e da severidade da lesão, podendo ser evidenciada apenas por hiperestesia espinhal, enquanto as mais graves podem levar a tetraplegia/paraplegia com ausência da nocicepção (dor profunda) caudal a lesão.
A classificação da gravidade da disfunção neurológica em graus de I a V auxiliam o clínico a emitir um prognóstico no momento da avaliação do paciente.
Os sinais de disfunção neurológica para DDIV cervical e toracolombar são utilizados para a classificação, onde: Grau I, somente hiperestesia espinhal, sem deficiências neurológicas; Grau II, tetraparesia/paraparesia ambulatória; Grau III, tetraparesia/paraparesia não ambulatória; Grau IV, tetraplegia/paraplegia com presença de nocicepção; e Grau V, tetraplegia/paraplegia com ausência de nocicepção caudal a lesão.
O diagnóstico de DDIV se baseia no histórico e anamnese, local de lesão definido pelo exame neurológico e exames de imagem. A radiografia simples dificilmente é diagnóstica para DDIV, porém, além de excluir determinadas afecções do diagnóstico diferencial, é possível notar alterações sugestivas da doença do disco. A avaliação precisa de compressão da medula espinhal exige exames como mielografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, possibilitando a localização da compressão. São diagnósticos diferenciais o trauma, a embolia fibrocartilaginosa, a mielopatia degenerativa, a discoespondilite, as neoplasias e a meningomielite.
O tratamento clínico para DDIV geralmente é indicado para cães com hiperestesia associada ou não a mínimas deficiências neurológicas e consiste em repouso absoluto em gaiola entre quatro a seis semanas, presumindo que esse tempo seria o mínimo necessário para a reparação do ânulo fibroso. Associado ao repouso indica-se analgésicos opióides, relaxantes musculares, antiinflamatórios esteroidais e não esteroidais e fisioterapia.
A cirurgia é o tratamento de eleição para cães com deficiências neurológicas graves (tetraparesia não ambulatória, tetraplegia, paraplegia com ou sem nocicepção em menos de 48 horas), em cães refratários ao tratamento clínico, ou que apresentem recidiva da doença.
Os procedimentos cirúrgicos variam de acordo com o local da lesão e posicionamento da compressão, e visam à descompressão da medula espinhal. Para DDIV cervical, a fenda (slot) ventral é o procedimento realizado rotineiramente e a laminectomia dorsal e a hemilaminectomia menos frequentes. Para DDIV toracolombar, os procedimentos frequentemente realizados são hemilaminectomia, minihemilaminectomia e pediculectomia, associadas à fenestração do disco intervertebral
- Displasia Coxofemoral
A displasia coxofemoral (DCF) é uma alteração do desenvolvimento que afeta a cabeça e colo femoral, e o acetábulo. Sua transmissão é hereditária, recessiva, intermitente e poligênica. Fatores nutricionais, biomecânicos e de meio ambiente, associados à hereditariedade, pioram a condição da displasia.
Os sinais clínicos da DCF variam amplamente, podendo apresentar claudicação uni ou bilateral, dorso arqueado, peso corporal deslocado em direção aos membros anteriores, com rotação lateral desses membros e andar bamboleante. As manifestações clínicas nem sempre são compatíveis com os achados radiológicos. Estudos estatísticos mostram que 70% dos animais radiograficamente afetados não apresentam sintomas e somente 30% necessitam de algum tipo de tratamento. Nos últimos anos, as associações de criadores das diferentes raças caninas têm demonstrado maior preocupação com a DCF e, da mesma forma, os proprietários estão melhor informados quanto aos problemas que esta afecção pode causar. Assim, os veterinários estão cada vez mais envolvidos com exames radiográficos para a displasia.
Entretanto, a qualidade radiográfica vai depender das radiografias devidamente identificadas e as que obedecerem os critérios de posicionamento do animal, cujo padrão de qualidade ofereça condições de visualização da micro trabeculação óssea da cabeça e colo femorais e ainda definição precisa das margens da articulação coxofemoral, especialmente do bordo acetabular dorsal; além do tamanho do filme que deve incluir toda a pelve e as articulações fêmoro-tíbio-patelares do paciente.
A doença afeta muitas raças caninas sendo mais comum nas de grande porte, tais como Pastor-Alemão, Rotweiller, Labrador e São Bernardo. As articulações coxofemorais de cães que eventualmente desenvolvem displasia são estrutural e funcionalmente normais ao nascimento. O diagnóstico radiográfico pode ser feito, inicialmente, entre seis e nove meses de idade, dependendo da gravidade do caso. Cerca de 80% dos cães displásicos mostram evidências radiológicas aos doze meses e, em alguns casos, só são identificadas aos dois anos.
A probabilidade de se fazer um diagnóstico incorreto é grande em animais jovens, especialmente antes do fechamento das placas epifisárias, uma vez que as alterações radiológicas são mais perceptíveis nos animais adultos.
Referências:
http://www.scielo.br/pdf/pvb/v37n8/1678-5150-pvb-37-08-00866.pdf
http://www.fmv.ulisboa.pt/spcv/PDF/pdf6_2015/94-98.pdf
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84781998000400012
http://www.revistaveterinaria.com.br/hernia-de-disco-em-caes/
http://coralx.ufsm.br/ppgmv/images/dissertacoes2015/RAQUEL%20BAUMHARDT.pdf
https://veterinaria.jatai.ufg.br/up/178/o/Louise%20Pereira%20Mortate.pdf
http://www.scielo.br/pdf/pvb/v37n8/1678-5150-pvb-37-08-00835.pdf
https://i2.wp.com/ortopet.com.br/wp-content/uploads/2017/06/cao-com-displasia-bilateral.jpg?fit=336%2C244&ssl=1