De forma resumida, a função do sistema reprodutivo na fêmea é fornecer um local para a concepção, desenvolvimento e eventual liberação de uma cria viável. Já a função do sistema reprodutivo feminino gira em torno da produção e transporte dos espermatozoides.
O sistema reprodutor nas fêmeas é composto por ovários, tubas uterinas, útero, vagina, vestíbulo e vulva. O trato reprodutivo do macho pode ser dividido em três partes principais com base não somente na localização anatômica, mas também com base nas características funcionais e nas doenças mais importantes. As três principais regiões são o escroto e seu conteúdo; as glândulas genitais acessórias; e o pênis e prepúcio.
Fonte: G. L. Anatomia dos animais domésticos. Texto e atlas colorido – 4ª edição, Editora Artmed, 2011.
As doenças do sistema reprodutor são comuns na medicina veterinária, tanto nas fêmeas quanto nos machos das diferentes espécies. Enfermidades nos órgãos reprodutivos de cães e gatos têm variados graus de morbidade, mortalidade e sofrem influências do histórico reprodutivo, de tratamentos farmacológicos prévios e de condições ambientais, podendo assim haver variações regionais na incidência de determinadas anormalidades reprodutivas.
As alterações reprodutivas podem apresentar consequências variadas, que se estendem da ausência de sinais clínicos, comprometendo somente a fertilidade do animal e passando despercebidas ao proprietário, até manifestações clínicas agudas, que podem conduzir a morte.
Dentre as principais patologias na fêmea destacam-se a piometra e as neoplasias mamárias, duas causas importantes de óbitos entre cadelas e gatas. Nos machos as neoplasias testiculares e as inflamações nos testículos e epidídimos são bastante freqüentes.
Principais Distúrbios do Sistema Reprodutivo Feminino
Vaginite
A vaginite, inflamação da vagina, ocorre em cadelas sexualmente intactas ou castradas, de qualquer idade ou raça e durante qualquer estágio do ciclo reprodutivo, sendo uma afecção rara em gatas. Esta alteração não é tão comum em conseqüência do baixo pH e imunidade da mucosa e pode ser resultante de infecções virais ou bacterianas, por agentes inespecíficos e oportunistas.
Outras etiologias podem estar associadas a vaginite, como imaturidade no trato reprodutivo; estimulação androgênica; irritação química ou mecânica e anormalidades anatômicas da vagina ou vestíbulo. O diagnóstico é dado a partir do histórico clínico e dos achados no exame físico, como hiperemia da mucosa e corrimento vulvar mucóide, mucopurulento ou purulento, sendo rara a presença de sangue.
Exames como citologia vaginal e vaginoscopia podem ser úteis no diagnóstico, além disso, deve-se tentar diferenciar outros distúrbios sistêmicos que estão associados a sinais semelhantes.
Hiperplasia e prolapso vaginal
Durante o proestro e estro, quando a fêmea encontra-se sob estimulação estrogênica, algumas cadelas desenvolvem uma prega ventral edematosa na vagina distal imediatamente cranial a abertura da uretra que pode tornar-se grande o suficiente para projetar-se na abertura vulvar.
O prolapso vaginal envolve a protrusão de 360 graus da mucosa enquanto a hiperplasia vaginal pode se originar de um coto de mucosa no assoalho da vagina, ambas geralmente craniais à papila lateral.
Raramente ocorre o prolapso vaginal em cadelas e gatas, sendo esta alteração associada à distocia, tenesmo ou extração forçado do macho durante a cópula. Os sinais clínicos são protrusão de massa a partir da vulva, rosa pálida e edematosa, com corrimento vaginal, em sua maioria com sangramento.
Pseudociese
A pseudociese é um fenômeno clínico no qual a fêmea que não se encontra prenhe apresenta comportamento de gestante, hiperplasia mamária com secreção láctea e mimetização de trabalho de parto. Ocorre com freqüência em cadelas intactas que ciclam e refere-se à fase lútea sem gestação, ou seja, a concentração sérica de progesterona permanece elevada apesar da ausência de prenhez, resultando no desenvolvimento das glândulas mamárias e ganho de peso.
O estímulo da lactação e comportamento maternal da pseudociese é em conseqüência da ação da prolactina, contudo os mecanismos de fisiopatologia ainda não estão completamente elucidados.
Clinicamente observa-se um comportamento materno, como organização de ninho, adoção de objetos inanimados ou outros animais, hiperplasia da glândula mamária e galactorréia, podendo ser relatado ainda ganho de peso, distensão abdominal, corrimento vaginal mucóide, inquietação, anorexia e vômitos.
O diagnóstico é baseado na anamnese e nos achados físicos em cadelas não prenhes e gatas ao final do diestro. A palpação abdominal e ultrassonografia abdominal podem confirmar a ausência de fetos.
Hiperplasia endometrial cística e piometra
Dentre as alterações proliferativas não neoplásicas do útero, o complexo hiperplasia endometrial cística (HEC) – piometra é a alteração mais comum, sendo caracterizado como um distúrbio de útero de caráter agudo e emergencial, podendo resultar no óbito do animal acometido (Johnson, 2006).
Ocorre freqüentemente em fêmeas com idade reprodutiva, principalmente as idosas e nulíparas. Em cadelas e gatas, a faixa etária de maior acometimento é entre 6 e 11 anos.
Em cadelas, o risco de desenvolvimento da piometra aumenta com a idade, provavelmente devido à repetida estimulação hormonal no útero. Já a piometra felina é menos freqüente do que a canina, pois o desenvolvimento do tecido luteal exige cópula ou ovulação induzida artificialmente; no entanto, gatas tratadas com progestágenos contra dermatopatias apresentam incidência aumentada de piometra.
A contaminação bacteriana deste fluido se dá por via ascendente, presumivelmente da flora vaginal, havendo colonização no útero anormal, resultando no desenvolvimento da piometra. Normalmente a infecção ocorre mais comumente pela bactéria Escherichia coli, entretanto infecções mistas freqüentemente ocorrem com a presença de outras bactérias, principalmente as dos gêneros Streptococcus, Pseudomonas, Salmonela, Proteus e Klebsiella.
A piometra pode ser classificada em aberta ou fechada a depender da existência de corrimento vulvar.
Nos casos de piometra aberta, há corrimento vulvar purulento, mucopurulento ou sanguinolento. Fêmeas portadoras de piometra fechada apresentam um pior prognóstico devido a um maior risco de septicemia ou endotoxemia. Além disso, uma compressão os distensão uterina pode permitir que o conteúdo uterino infectado extravase dos ovidutos e cause peritonite.
Os sinais clínicos associados à piometra são variáveis, podendo ser observado além do corrimento na vulva; distensão abdominal; anorexia; letargia; perda de peso; vômito; desidratação; poliúria; polidipsia; aumento ou diminuição da temperatura corpórea e nos casos mais graves choque e coma.
As anormalidades intercorrentes em animais com piometra podem incluir hipoglicemia, disfunção renal e hepática, anemia e anormalidades cardíacas.
O diagnóstico é baseado no histórico clínico reprodutivo, exame físico, hemograma, bioquímica sérica, urinálise, citologia vaginal, radiografia e ultrassonografia abdominal. No hemograma observa-se normalmente uma leucocitose acentuada com neutrofilia e desvio à esquerda, monocitose e evidencias de intoxicação leucocitária. A USG permite determinar o tamanho do útero, a espessura da parede uterina, a presença de acúmulo de líquido dentro do lúmen e em alguns casos a natureza do liquido.
Distocia
Distocia é definida como a dificuldade em expulsar os fetos do útero, apresentando prevalência geral de 5 a 6% das gestações em cadelas e gatas. Em ambas as espécies, as raças puras são mais predispostas do que as sem raça definida, sendo comum em animais com tórax largo e em cães braquicefálicos e Terriers, em razão da malformação pélvica materna e das cabeças fetais largas, resultando em desproporção materno-fetal.
As causas mais comuns tanto em cães quanto em gatos é a inércia uterina e a má apresentação fetal. Na inércia uterina, o útero pode não responder por que há apenas um ou dois filhotes, e assim a estimulação é insuficiente para iniciar o trabalho de parto. Pode ocorrer ainda porque o estiramento do miométrio é excessivo por causa de grandes ninhadas, excesso de líquidos fetais e ou fetos muito grandes. Alguns sinais que podem auxiliar o diagnóstico, a exemplo alteração na temperatura retal sem sinais de trabalho de parto; corrimento vulvar esverdeado, sem nascimento de fetos; trabalho de parto improdutivo, forte e persistente; fratura pélvica; e feto preso no canal do parto.
Distúrbios da glândula mamária
Mastite
A infecção bacteriana ou fúngica das glândulas mamárias é denominada mastite. A disseminação dos patógenos ocorre por via hematogênica de infecções bacterianas ou através de ascensão pelo canal das tetas. Normalmente é uma afecção inespecífica e causada por agentes oportunistas, principalmente Escherichia coli, Streptococcus, Staphilococcus.
É comum em cadelas e rara em gatas, podendo acometer uma ou mais glândulas lactantes, sobretudo no período pós-parto ou em fêmeas com pseudociese. Os fatores predisponentes incluem congestão da glândula mamária, estase do leite, traumatismo e más condições sanitárias. Os sinais clínicos incluem glândulas quentes, firmes, intumescidas e sensíveis. Em caso de mastite nas fêmeas em lactação, o leite fica mais viscoso e sua cor se altera do amarelado para acastanhado, dependendo da quantidade de sangue e exsudato purulento presente.
Hiperplasia mamária felina
A hiperplasia mamária felina ou hiperplasia fibroepitelial é uma proliferação benigna, não neoplásica dos ductos mamários e do tecido conjuntivo periductal, caracterizada pelo crescimento rápido e anormal da glândula mamária, sendo em muitos casos, bilateral e simétrico.
Ocorre com em gatas jovens que ciclam, prenhes ou não; ou ainda em fêmeas e machos que receberam progestágenos exógenos e devem ser diferenciadas de tumores mamários, os quais costumam acometer animais mais idosos.
O tratamento consiste na retirada da fonte de progesterona ou ainda de medicação anti-progestágena, aglepristona 10mg/kg, uma vez ao dia durante quatro dias consecutivos. Associado deve ser feito compressas com água morna nas glândulas mamárias acometidas duas vezes ao dia por 20 minutos. Logo após a redução das nodulações deve-se realizar a OSH.
A mastectomia parcial ou radical não é indicada, a menos que haja desenvolvimento de úlceras extensas e necrose cutânea.
Principais Distúrbios do Sistema Reprodutivo Masculino
Balanopostite
Esta alteração é comum em cães e rara em gatos. Os agentes etiológicos são aqueles presentes na própria flora prepucial e normalmente observa-se apenas um corrimento prepucial purulento, sendo o volume da secreção dependente da gravidade da infecção. O diagnóstico baseia-se nos achados do exame físico da cavidade prepucial e do pênis. A avaliação do pênis deve ser completa, de forma a identificar presença de corpo estranho, neoplasia, ulceração ou nódulos inflamatórios. Normalmente o tratamento é local, realizando-se limpeza com solução anti-séptica ou medicamentos antibacterianos tópicos.
Orquite e epididimite
A infecção dos testículos e epidídimos pode ser decorrente de ferimentos penetrantes, adquirido via hematológica ou resultarem de uma disseminação via urogenital (Johnson, 2006). Esta alteração é mais comum em cães do que em gatos, sendo os agentes etiológicos mais freqüentes Mycoplasmas, Brucella canis, Blastomyces, Ehrlichia, Proteus sp., além do vírus da cinomose e Leishmania SP. Gatos com peritonite infecciosa frequentemente apresentam estas enfermidades.
Neoplasia do testículo e bolsa escrotal
As neoplasias da bolsa escrotal são mais comuns em cães, sendo mastocitoma, melanoma e hemangiossarcoma os mais freqüentes. Estas neoplasias têm grande potencial de malignidade e geralmente estão associadas a um prognóstico desfavorável.
Os tumores testiculares são os segundo mais freqüentes em cães idosos, perdendo apenas para os tumores cutâneos, sendo raro em gatos. A idade média de diagnóstico é com 10 anos e normalmente são achados acidentais. Frequentemente pode haver o desenvolvimento de mais de um tipo de neoplasia em cães velhos, sendo comum o achado de diferentes neoplasias em cada um dos testículos ou mais de um tipo de neoplasia em um único testículo (Nascimento et al 2010).
Nos cães os tumores de Sertoli, os tumores de células de Leydig e os seminomas ocorrem com a mesma freqüência. Tumores que envolvem testículos escrotais geralmente são benignos enquanto os que envolvem testículos criptorquídicos são, em sua maioria, malignos.
Prostatite
A infecção bacteriana da próstata pode ser aguda ou crônica e se dá principalmente por ascensão da flora ureteral. Normalmente a próstata é protegida contra a colonização bacteriana pela produção local de imunoglobulina A secretora, de fator prostático antibacteriano e remoção de microrganismos por micção freqüente. Entretanto uma próstata alterada é mais propensa a infecções. Os sinais clínicos são dor abdominal, corrimento prepucial hemorrágico e febre. O diagnóstico é baseado nos exames físicos e na cultura do fluido prostático ou da urina e o tratamento de eleição é a terapia antimicrobiana.
Tumor Venéreo Transmissível
O tumor venéreo transmissível (TVT) canino é uma neoplasia transplantável de células redondas cuja disseminação na população ocorre principalmente por contato sexual. A literatura não cita predisposição racial ou sexual, contudo, há elevada incidência em fêmeas sem raça definida em idade de maior atividade sexual.
O TVT pode ser único ou múltiplo e localiza-se, preferencialmente na mucosa da genitália externa de cães de ambos os sexos (Amaral et al., 2004). Além disso, pode ser transmitido por transplantação alogênica, ou seja, células tumorais viáveis são transferidas de um animal para outro susceptível, acarretando no desenvolvimento do tumor em diversos lugares, como narinas, mucosa oral, lábios, olhos e pele. Nestes casos a pele deve ter algum tipo de abrasão que permita a implantação das células neoplásicas na derme. Pele ou mucosa integra não permite implantação do TVT.
O diagnóstico é baseado no histórico, sinais clínicos, citologia aspirativa por agulha fina e confirmado pela histopatologia. As células do TVT são muito sensíveis à ação de quimioterápicos, em particular, à vincristina, sendo então utilizada como tratamento de eleição. Na grande maioria dos casos, resulta em remissão completa, inclusive em casos de metástases.
Referências
https://kennelbradog.files.wordpress.com/2015/12/piometra.jpg?w=470
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https://i0.statig.com.br/bancodeimagens/bd/5x/ci/bd5xcitzcqfe2ugpf9ni0x5dx.jpg
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https://prezi.com/xx4krvgkp_hz/principais-patologias-e-alteracoes-do-sistema-reprodutivo-de-machos-e-femeas/