Aminoglicosídeos: Tudo em um só lugar!

Os antibióticos Aminoglicosídeos são antibióticos constituídos por dois ou mais aminoaçúcares, unidos por ligação glicosídica à hexose ou ao aminociclitol. Essas substâncias são majoritariamente de origem natural, uma vez que são produzidos por microrganismos. Por outro lado, eles também podem ser obtidos in vitro, por síntese química, à custa de produtos naturais. Esse é o caso da netilmicina, amicacina, arbecacina e isepamicina (Durante-Mangoni et al., 2009).

A nomenclatura da substância tem relação com a sua origem. Aqueles que terminam com mycin são derivados direta ou indiretamente de Streptomyces e aqueles que terminam com “micin” são derivados direta ou indiretamente de Micromonosporona. (MEDEIROS, 2010).

O aminoglicosídeo mais moderno a ser introduzido na terapêutica antibacteriana foi a arbecacina, um derivado de canamicina B, a  estreptomicina foi o primeiro aminoglicosídeo obtido em 1944, além disso esta classe engloba outros ainda não citados como a espectinomicina e a paramomicina (SOUSA, 2006; LEGGETT, 2017).

Neste artigo vamos revisar o mecanismo de ação, a farmacocinética e os efeitos adversos e das interações medicamentosas dos antibióticos aminoglicosídeos. Confira!

I. O que são Aminoglicosídeos

II. Mecanismo de ação 

III. Mecanismo de resistência

IV. Farmacocinética dos aminoglicosídeos

V. Interações medicamentosas

VI. Efeitos adversos

 

 

VII. Dúvidas frequentes sobre aminoglicosídeos

 

O que são Aminoglicosídeos

Os aminoglicosídeos são antibióticos constituídos por dois ou mais aminoaçúcares, unidos por ligação glicosídica à hexose ou ao aminociclitol, que habitualmente está em posição central (BRUNTON, 2012). Entre os antibióticos mais comuns estão a estreptmicina, a neomicina e a teobramicina, derivados de Streptomyces spp, e a gentamicina, obtida de Micromonospora spp

Os antibióticos aminoglicosídeos assumem um papel importante no arsenal terapêutico antibacteriano desde a década de 1940, especialmente em casos de infeções graves causadas por bactérias gram-negativas aeróbias entre elas Klebsiella spp., Serratia spp., Enterobacter spp., Citrobacter spp.,  Haem philus spp., Acinetobacter spp e cepas de Pseudomonas aeruginosa (Leggett, 2017; BRASIL, 2007). Estes antibióticos apresentam, ainda, atividade moderada sobre bactérias Gram positivas como Staphylococcus aureusS. epidermidisListeria monocytogenes,Enterococcus faecalis e Nocardia asteroides, não apresentando, no entando, atividade contra bactérias anaeróbias estritas (Sousa, 2006).

Figura 1: Estrutura da estreptomicina, estrutura básica dos subgrupos de aminoglicosídios. Fonte: SILVA, 2010.

Com amplo espectro de atividade, os aminoglicosídeos podem ser usados em casos de:

  • Septicemias
  • Infecções do trato urinário
  • Endocardites
  • Infecções respiratórias
  • Infecções intra-abdominais
  • Meningites em recém-nascidos
  • Infecções oculares
  • Osteomielites
  • Infecções de articulações

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Mecanismo de ação 

De acordo com Sousa (2006), os aminoglicosídeos são inibidores da síntese das proteínas e têm como local de ação a subunidade 30S do ribossoma bacteriano. A sua ligação, de forma específia e irreversível, a um determinado local do rRNA 16S da subunidade 30S do ribossoma reflete-se na tradução do mRNA, o que se traduz na incorporação de aminoácidos incorretos na cadeia polipeptídica durante a síntese proteica, tendo como consequência proteínas “non sense”, que, ao serem integradas na membrana citoplasmática da bactéria, altera a sua permeabilidade seletiva.

Os aminoglicosídeos têm rápida atividade bactericida, ou seja, causam a morte da bactéria, e essa morte depende da concentração: quanto maior essa concentração, maior é a taxa de destruição bacteriana (BRUNTON, 2012).

A ação pós-antibiótica também caracteriza este grupo de antibióticos, isto é, a atividade antibacteriana residual que persiste depois do antibiótico atingir concentrações plasmáticas inferiores às concentrações mínimas inibitórias (CMI), também está dependente da dose (Guimarães et al., 2006).

Devido ao alvo onde atuam esses fármacos pode haver ocorrência de resistência bacteriana e ela se dá através de três mecanismos: alteração dos sítios de ligação no ribossomo; alteração na permeabilidade; modificação enzimática da droga. Porém o desenvolvimento da resistência durante o tratamento é raro. (BRASIL, 2007).

Mecanismo de resistência

De acordo com Bollela (2010), a resistência aos aminoglicosídeos pode se manifestar através de três mecanismos bioquímicos distintos: alteração do receptor da droga, diminuição da penetração da droga na bactéria e produção de enzimas que modifiquem ou inativem o antibiótico. Essas características tornam germes anaeróbicos, Burkholderia cepacia e Stenotrophomonas maltophilia resistentes a essa classe de antibióticos.

Por outro lado, as bactérias também podem desenvolver resistência adquirida aos aminoglicosídeos. Nesse caso, são considerados fatores como frequência de uso dos antibióticos.

A amicacina pode ser um exemplo disso. O uso frequente desse aminoglicosídeo semi-sintético derivado da canamicina no século XX elevou a taxa de resistência detectada nas enterobactérias e em Pseudomonas (Bollela, 2010). 

Farmacocinética dos aminoglicosídeos

Os aminoglicosídios são administrados pelas vias intravenosa, intramuscular, inalatória, oftálmica e tópica. Esses fármacos têm um peso molecular que varia entre os 445 e os 600 daltons, são altamente solúveis em água, estáveis em pH 6 a 8 e possuem estrutura polar catiónica o que fazem com que sejam pouco absorvidos pelo trato gastrointestinal e não penetrem na maioria das células, no Sistema Nervoso Central (SNC) e no olho (Oliveira et al., 2006; BRUNTON, 2012). São bem distribuídos nos fluidos corporais incluindo líquido sinovial, peritoneal e pleural.

Menos de 1% da dose sofre absorção após administração oral ou retal, a longo prazo pode resultar em concentrações tóxicas em pacientes com comprometimento dos rins. Em compensação são rapidamente absorvidos nos locais de injeção intramuscular atingindo concentrações plasmáticas máximas entre 30 e 90 minutos (BRUNTON, 2012).

A aplicação tópica desses fármacos mostra que, em pele inflamada, sua absorção é extremamente baixa, porém, em pacientes que apresentam lesões dermatológicas graves, ocorre absorção, incluindo o risco de toxicidade. Quando a função renal está preservada, cerca de 90% da dose administrada é recuperada na sua forma ativa na urina, nas primeiras 24 horas. (SILVA, 2010).

Tabela 2: Doses iniciais sugeridas, doses de manutenção e concentrações séricas desejadas de aminoglicosídios com múltiplas administrações diárias em pacientes adultos com clearance de creatinina estimado acima de 90 mL/min.

Interações medicamentosas

Segundo Silva (2010) uso concomitante de aminoglicosídeos com diuréticos de alça, como a furosemida ou outras drogas potencialmente nefrotóxicas como a vancomicina e a anfotericina B, pode potencializar o efeito adverso mais prevalente em relação ao uso desses medicamentos, a nefrotoxicidade.

A utilização de antibióticos polipeptídicos simultaneamente com os aminoglicosídeos pode aumentar o risco de paralisia respiratória e disfunção renal. Não é recomendada a administração em conjunto com β lactâmicos, especialmente ticarcilina e carbenicilina, em soluções intravenosas (MEDEIROS, 2010).


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Efeitos adversos

Reações alérgicas nesta classe de drogas são raras, o que a torna uma boa alternativa no caso de infeções graves (BOLLELA, 2010). Esses antibióticos não apresentam hepatotoxicidade e não são conhecidos seus efeitos sobre a hematopoese ou sobre a cascata de coagulação (SILVA, 2010). As reações adversas mais recorrentes nessa classe são a nefrotoxicidade e a ototoxicidade, sendo a paralisia neuromuscular a mais rara.

Todos os aminoglicosídeos são potencialmente nefrotóxicos, porém os que apresentam mais risco são a neomicina, tobramicina e gentamicina. Após 7 a 10 dias de tratamento pode acontecer essa manifestação como uma insuficiência renal aguda do tipo não oligúrica, por necrose tubular aguda, a interrupção do tratamento reverte esse problema. Fatores de risco incluem: uso concomitante de outras drogas nefrotóxicas, idade avançada, doença hepática subjacente, uso prévio de aminoglicosídeos e estados hipovolêmicos (BRASIL, 2007).

As injúrias renais são induzidas pelo acúmulo dos aminoglicosídeos nas células nefróticas, inclusive nas células mesangiais, causando uma desregulação nos mecanismos fisiológicos das filtrações glomerular e tubular, além de aumentar os níveis de creatinina sérica, edemas intracelulares, apoptose e necrose das células do túbulo proximal (Martínez-Salgado et al., 2007).

É importante falar sobre a possibilidade de ocorrência da ototoxicidade por conta da sua irreversibilidade, podendo ocorrer mesmo após a interrupção do uso da droga. Ela é determinada pela atividade da droga em células ciliadas e no órgão de Corti e ainda há a possibilidade de lesão dos dois ramos do 8º par craniano pela inibição local da síntese de proteínas. Os aminoglicosídios mais tóxicos ao aparelho auditivo são: neomicina, canamicina e amicacina. (BRASIL, 2007; SILVA, 2010).

A paralisia neuromuscular é uma complicação rara, sendo vista em situações especiais, como na absorção de altas doses intra-peritoneais ou de infusões rápidas do medicamento. Alguns pacientes estão mais susceptíveis a esta complicação, como aqueles com miastenia gravis, hipocalcemia, hiperfosfatemia, botulismo, nos quais os aminoglicosídeos não devem ser utilizados. O tratamento é feito com administração de gluconato de cálcio (BRASIL, 2007).

ATENÇÃO: Os antibióticos dessa classe devem ser utilizados durante o período de gestação apenas quando for essencial;

As cefalosporinas de terceira e quarta geração, penicilinas antipseudomonas e as quinolonas conseguem uma boa cobertura antibiótica contra bactérias gramnegativas, com menos toxicidade que os aminoglicosídeos;
Administração dos aminoglicosídeos em dose única diária, infusão lenta e pela manhã é mais efetiva e menos tóxica.

Dúvidas frequentes sobre Aminoglicosídeos

Os antibióticis aminoglicosídeos frequentemente deixam algumas dúvidas, que esclarecemos a seguir.

O que são aminoglicosídeos?

São antibióticos constituídos por dois ou mais aminoaçúcares, unidos por ligação glicosídica à hexose ou ao aminociclitol, que habitualmente está em posição central. Entre os antibióticos mais comuns estão a estreptmicina, a neomicina, a teobramicina e a gentamicina.

Qual o mecanismo de ação dos aminoglicosídeos?

Os aminoglicosídeos são inibidores da síntese das proteínas e têm como local de ação a subunidade 30S do ribossoma bacteriano. A sua ligação a um determinado local do rRNA 16S da subunidade 30S do ribossoma reflete-se na tradução do mRNA. Com isso, são incorporados aminoácidos incorretos na cadeia polipeptídica durante a síntese proteica, tendo como consequência proteínas “non sense”, que, ao serem integradas na membrana citoplasmática da bactéria, altera a sua permeabilidade seletiva.

Há efeitos adversos no uso de aminoglicosídeos?

Importante estar atento às reações adversas mais recorrentes nessa classe, como a nefrotoxicidade e a ototoxicidade. São raras as reações alérgicas nesta classe de drogas. Por outro lado, esses antibióticos não apresentam hepatotoxicidade e não são conhecidos seus efeitos sobre a hematopoese ou sobre a cascata de coagulação.

 

Referências

BOLLELA, R. V. Aminoglicosídeos. 2010.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Rede Resistência Microbiana. Brasília: Anvisa, 2007. Disponível em: (Acesso em 18/03/2019).

BRUNTON, L. L. (Org.); CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. As Bases Farmacológicas da Terapêutica de Goodman & Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012.

Durante-Mangoni, E. et al. Do we still need the aminoglycosides?. International Journal of Antimicrobial Agents, n. 33, p. 201-205, 2009.

Guimarães, S. et al. Terapêutica Medicamentosa e Suas Bases Farmacológicas. Porto: Porto Editora, 2006.

Leggett, J. E. Aminoglycosides. Infectious Diseases, 4 ed., p.1233-1238, 2017.

Martínez-Salgado, C.; Henández-López, F. J; Novoa-López, J. M. Glomerular nephrotoxicity of aminoglycosides. Toxicol Appl Pharmacol, v. 223, p;86-98, 2007.

MEDEIROS, N. F. Aminoglicosídeos. 2010. 18 f. Trabalho acadêmico (Curso de Farmácia) – Universidade Severino Sombra – Vassouras.

Oliveira, J. F. P. et al. Nefrotoxicidade dos aminoglicosídeos. Braz J Cardiovasc Surg, v. 21, n. 4, p. 444-452, 2006.

RIBEIRO, A. M. F.Farmacologia dos Antibióticos Aminoglicosídeos. 2017. 73 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas) – Universidade Fernando Pessoa – Porto.

SILVA, P. Farmacologia. 8. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

Sousa, J. C. Manual de Antibióticos Antibacterianos. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 2006.

Sousa, J. C. et al. Antibióticos.Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 2016.