A metformina, medicamento da classe das biguanidas, é o fármaco de primeira escolha para tratamento do diabetes mellitus (DM) tipo 2, sendo o antidiabético oral mais amplamente prescrito, devido a sua baixa toxicidade, facilidade de administração e grande eficácia farmacoterapêutica.
O cloridrato de metformina é um derivado daguanidina, composto ativo da Galega offcinalis. Essaplanta medicinal, tendo como sinonímia popular Lilacfrancês, foi usada por séculos na Europa como tratamentodo diabetes desde a época medieval (GRAHAM et al.,2011).
O único medicamento da classe das biguanidas comercializado no Brasil, a metformina, é indicada a pacientes cuja hiperglicemia está relacionada com uma ação ineficiente da insulina, ou seja, uma síndrome de resistência insulínica. Para diabetes mellitus tipo 2, independente de insulina, pode ser utilizada isoladamente ou associada a outros antidiabéticos, já para diabetes mellitus tipo 1, dependente de insulina, seu uso é como complemento da insulinoterapia em casos de diabetes instável ou insulino-resistente. É também indicado na Síndrome dos Ovários Policísticos (Metformina, 2016).
De acordo com Brasil (2006), o United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) demonstrou que o tratamento utilizando a metformina reduz 29% das complicações microvasculares e 32% dos desfechos combinados do diabetes, o medicamento não leva à hipoglicemia, e não propicia o ganho de peso, e metanálise recente da colaboração Cochrane, sugere ser um medicamento seguro a longo prazo.
A metformina é administrada na forma de comprimidos de 500mg, 850mg e 1g por via oral, sendo lenta e incompletamente absorvida no trato gastrointestinal com dose diária usual de 2 gramas e dose máxima de 3 gramas/dia (SWEETMAN, 2002).
Neste artigo vamos abordar tópicos como a farmacologia, o mecanismo de ação, a farmacocinética, os efeitos adversos e as interações medicamentosas do medicamento metformina.
No intuito de melhorar a compreensão da ação do fármaco, assim como os outros aspectos, faremos uma breve introdução sobre o diabetes mellitus.
O diabete mellitus é o mais importante distúrbio envolvendo o pâncreas endócrino, que ocorre em todos os países independente do seu grau de desenvolvimento. É uma das causas mais importantes de morbidade e mortalidade na população em geral, sendo os seus principais indíciosos distúrbios metabólicos, principalmente hiperglicemia, desse modo a glicose plasmática aumentada é, após uma noite de jejum, o padrão-ouro para o seu diagnóstico (SILVA, 2010).
Segundo Brunton et al.(2012) e Oliveira et al. (2017) essa patogenia é influenciada não apenas por fatores genéticos, mas também por fatores ambientais como por exemplo a rápida urbanização, a transição epidemiológica e nutricional, maior frequência de estilo de vida sedentário e consequentemente o excesso de peso, crescimento e envelhecimento populacional. O diabetes mellitus envolve secreção insuficiente de insulina, redução da resposta à insulina endógena ou exógena, elevação na produção de glicose e/ou anormalidades metabólicas.
Os tipos de diabetes mais frequentes são as do tipo I, também conhecido como diabetes juvenil pelo fato de surgir antes da idade adulta, do tipo II, gestacional e secundária a outras doenças, porém a característica em comum entre todos os tipos é a manutenção da glicemia em níveis acima dos valores considerados normais.
A diabetes mellitus tipo 1 é uma disfunção catabólica onde há falta da insulina, alta do glucagon e não há resposta das células beta pancreáticas a estímulos insulinogênicos. Isso ocorre por conta da destruição da célula beta que por ventura leva ao estágio de deficiência absoluta de insulina, tornando-se necessária a administração de insulina exógena para a prevenção de cetoacidose, coma e até mesmo a morte (BRASIL, 2006).
A destruição das células beta normalmente é causada por um processo auto-imune, portanto, implica a caracterização da presença de anticorpos, porém, em menor proporção, a causa da destruição das células beta é desconhecida, onde há a DM tipo 1 idiopático). É mais frequentemente diagnosticado em crianças, adolescentes e, em poucos casos, em adultos jovens, afetando igualmente os sexos feminino e masculino (SILVA, 2010; OLIVEIRA et al, 2017).
A homeostasia normal da glicose é rigorosamente regulada por três processos relacionados: a produção de glicose no fígado; a captação e utilização desta pelos tecidos periféricos, principalmente músculos esqueléticos; e as ações da insulina e dos hormônios contra-reguladores, incluindo o glucagon com oa ruptura da normalidade da-se a DM2 (MAITRA; ABBAS, 2005).
A patogenia da diabetes tipo 2 é multigênica e mais complexa, pode se desenvolver gradualmente e implicações como modo de vida e genética são altamente influenciáveis para o fenótipo final.
O DM é uma doença crônica incurável, porém tratável. Quando se trata do DM2 é possível haver inicialmente uma mudança de hábitos alimentares atrelada a prática de exercícios físicos regulares, sempre com acompanhamento de profissionais capacitados e, caso essas medidas não sejam suficientes para o controle dos níveis de glicose no sangue torna-se indispensável a introdução de medicamentos hipoglicemiantes orais, tendo como primeira escolha a metformina, que, nesse caso, é um normoglicemiante.
MECANISMO DE AÇÃO
Os mecanismos de ação propostos para a metformina são:
- fim da gliconeogênese (maior parte da sua ação, com 75%); decrescimento da produção de glicose no fígado;
- ação sensibilizadora periférica mais discreta;
- redução da absorção gastrointestinal de glicose;
- estimulação anaeróbia nos tecidos periféricos, aumentando a remoção da glicosesanguínea e reduzindo o nível plasmático de glucagon;
- aumento dotransporte de glicose, por aumentar a concentração da proteína transportadora da glicose (GLUT 4) na membrana das células que respondemà insulina
(SILVA, 2010; OLIVEIRA et al, 2017).
Além disso, a metformina também possui a capacidade de alterar o metabolismo dos lipídios, atingindo a redução de triglicerídeos plasmáticos e ácidos graxos livres, por conta da inibição da lipólise; esse efeito também é associado com diminuição do colesterol total e LDL, assim como elevação contida do colesterol HDL (RODRIGUES-NETO et al, 2015).
FARMACOCINÉTICA
O fármaco cloridrato de metformina é administrado por via oral, absorvido incompleto e lentamente pela parte superior do intestino delgado, e uma parte é eliminada diretamente nas fezes. No epitélio intestinal, é absorvida na borda em escova e é um importante substrato da proteína PMAT (plasma membrane monoamine transporter) (ZHOU et al., 2007).
A biodisponibilidade dos comprimidos é da ordem de 50-60%. A metformina não é metabolizada, circulando em forma livre. A fração ligada a proteínas plasmáticas pode ser considerada como insignificante (NOLTE; KARAN, 2006). É excretada por via urinária inalterada de forma muito rápida pelos rins. Seu clearance, em uma pessoa sadia, é, em média, de 400 mL/min (4 a 5 vezes maior que o da creatinina), apresenta uma taxa de biotransformação em torno de 10%, principalmente por reações de fase II, como a metilação ou alquilação dos hidrogênios terminais dos grupamentos amina (BRANCHTEIN; MATOS, 2004).
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
Durante o uso do medicamento é necessário evitar o consumo de álcool ou reduzi-lo a um mínimo, pois há um aumento do risco de causar acidose metabólica. Certos agentes diuréticos, especialmente os de alça podem aumentar o risco de acidose láctica devido ao seu potencial para diminuir a função renal (Metformina, 2016).
A biodisponibilidade oral da metformina é aumentada quando combinada com agentes anticolinérgicos, isso faz com que seja alterada a motilidade gastrointestinal. A cimetidina, cefalexina, pirimetamina também podem comprometer a atividade do fármaco por conta daredução da excreção renal causada (MESQUITA, 2017).
EFEITOS ADVERSOS E CONTRA-INDICAÇÃO
O fármaco está contraindicado em casos de: cetoacidose diabética, diabetes gestacional, administração concomitante a anestésicos gerais e contrastes radiográficos, infecções severas, traumatismos e cirurgias, insuficiência renal de qualquer etiologia, hepatopatia, uso abusivo de álcool – possibilidade de dano hepático concomitante e diminuição da oxidação do lactato pelo etanol, enfermidades cardíacas, vasculares ou respiratórias e gestação (BRASIL, 2010).
O efeito colateral mais sério é a acidose lática, que tem incidência variando de 0,01 a 1,067 casos por 1.000 pacientes/ano de terapia. Outros efeitos colaterais são mais comuns, como: náusea, anorexia, diarreia e vômitos, que usualmente são passageiros e requerem suspensão do tratamento em apenas 10% dos pacientes. Para minimizar os efeitosgastrointestinais, deve-se iniciar com doses menores e aumentar progressivamente, conforme a tolerabilidade do paciente, ademais a apresentação de liberação prolongada (extended release, XR) causa menor incidência de efeitos gastrintestinais (OLIVEIRA et al, 2017; SILVA, 2010).
Em termos de monitoramento durante o uso de metformina, tem havido uma preocupação com o desenvolvimento de deficiência de vitamina B12. Isso pode se dar por conta do local de ação intestinal do medicamento, levando a uma má absorção de baixo grau, mas sem apresentar a anemia megaloblástica (THOMAS; GREGG, 2017).
REFERÊNCIAS
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BRUNTON, L. L. (Org.); CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. As Bases
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