Caso Clínico – Icterícia

Autoria: Amanda Querino Andrade Viana – Liga de Anatomia, Semiologia e Fisiologia Médica – BA.
Revisão: Dr. Eugenio Bacelar Viana.


CASO CLÍNICO

G.S.S 50 anos, masculino, contador, residente e procedente de Salvador.
 
Paciente encaminhado ao ambulatório com queixa de icterícia e ascite há 3 meses. Refere emagrecimento progressivo. Sua esposa observou certa confusão mental nos últimos dias e alteração no hálito. Apresentava edema em membros inferiores há 4 meses que evoluiu em seguida com ascite, icterícia e halitose. Etilismo crônico há 20 anos diariamente bebe ½ garrafa de água ardente. Desconhece antecedente de doença hepática. Nota escurecimento da pele. Foi hemotransfundido há 39 anos. Nega uso de medicamentos contínuos e alergias. Nega HAS, DM e outras doenças.
 
Ao exame: Péssimo estado geral, idade aparente superior a referida, fácies de doença crônica, icterícia ++++/ IV, mucosas descoradas ++/ IV, emagrecido, lúcido porém com momentos de confusão mental. PA: 100/ 60 mmHg, FC: 60 bpm; FR: 24 ipm, Peso: 50kg, Alt.: 1,60; IMC: 19,5. Cabeça e pescoço entumecimento de parótidas. Sem estase de jugular e tireoide normal; Aparelho Respiratório: expansibilidade diminuída, MV e FTV abolido em bases; Aparelho Cardiovascular: ictus palpável em 4o espaço intercostal esquerdo. Bulhas normofonéticas em 2T com sopro holossistólico ++/ VI; Abdome globoso às custas de ascite com presença de telangiectasia, circulação colateral. RHA diminuídos. Piparote positiva. Fígado e baço de difícil palpação devido ao volume liquido ascitico; Extremidades edema em membros inferiores até joelho com cacifo positivo +++/ IV. Eritema palmar. Rarefação de pelos. SN: confuso com Flapping positivo.
 
PERGUNTAS
 
Quais suspeitas diagnósticas? Insuficiência hepática devido a alcoolismo crônico.
 
Quais exames devem ser primariamente solicitados? Hemograma; função (tempo de protrombina, albumina e bilirrubina) e perfil (transaminases, fosfatase alcalina e GGT) hepático; sorológicas (hepatite B e C); eletrólitos (Na+ e K+); ureia e creatinina; USG de abdome e Paracentese.
 
Qual o manejo hospitalar inicial?

  • Condutas: Repouso no leito/ Dieta hipossódica e restrição hídrica/ Acesso venoso periférico/ Peso diário em jejum.
  • Prescrever: Espironolactona; Furosemida; Lactulona; Propranolol e Neomicina.

 


DISCUSSÃO
 
A insuficiência hepática consiste na perda de 80 a 90% da capacidade funcional do fígado. As manifestações clínicas refletem danos às funções de síntese, armazenamento, metabolismo e eliminação do fígado.
Diversas doenças podem cursar com uma insuficiência hepática e posterior cirrose, a causa mais frequente é o alcoolismo, mas existem outras etiologias: esteatose hepática não alcoólica (EHNA); hepatite viral crônica (B e C); hepatite autoimune ou por drogas e toxinas (paracetamol; isoniazida; rifampicina; amiodarona; contraceptivos; Clavulin) e por etiologias mais raras como hemocromatose e Doença de Wilson.
Em pacientes compensados, os principais sintomas são devido ao hiperestrogenismo (eritema palmar; telangiectasias e ginecomastia) e ao hipoandrogenismo (queda de libido, impotência, atrofia testicular). Além de apresentarem baqueteamento digital e edema. Em especial, pacientes com hepatopatia alcoólica podem apresentar ingurgitamente de parótidas e contratura palmar de Dupuytren.
Já os pacientes descompensados podem apresentar: Hipertensão Portal (varizes esofagogástricas; ascite; circulação colateral e esplenomegalia congestiva; encefalopatia hepática); Encefalopatia hepática (mal-estar; inversão sono-vigília; Asterixe (flapping); hálito alterado/ alterações do estado mental e nível da consciência; convulsões); Síndrome hepatorrenal (azotemia progressiva; ­ creatinina e oligúria); complicações pulmonares; distúrbios endócrinos; distúrbios cutâneos e anormalidades hematológicas.

Resultados dos exames solicitados:

  • Hemograma: Plaquetopenia e Leucopenia (hiperesplenismo)/ Anemia (sangramento excessivo devido ¯ fatores de coagulação e ­ hemólise).
  • Função hepática: ­ tempo de protrombina / Hipoalbuminemia/ ­ bilirrubina direta (síndrome hepatocelular).
  • Perfil hepático: ­ AST e ALT/ ­ Fosfatase alcalina/ ­ GGT.
  • Sorologias: hepatite B e C (excluir causas infecciosas para o caso).
  • Eletrólitos: Na+ (influência da aldosterona na maior retenção) e K+ (importante fator de coagulação).
  • Função renal: Ureia e Creatinina (controle da função devido a o provável uso de diuréticos).
  • USG de abdome: Avaliar o parênquima, a esteatose hepática, o baço, presença de fibrose periportal e a vesícula biliar; Quantificar a ascite.
  • Paracentese: método diagnóstico e terapêutico (aliviar sintomas compressivos).
    • Avaliar: Aspecto; Celularidade; Cultura; Glicose; Citologia Oncótica; LDH e amilase.
    • GASA (gradiente de albumina soro ascite) = AlbuminaSoro – AlbuminaAscite.

 
Manejo do paciente:

  • Repouso no leito + Dieta hipossódica e restrição hídrica (< 3g sal/ dia) + Acesso venoso periférico + Peso diário em jejum (avaliar a regressão da ascite).
  • Espironolactona 100 mg/ dia VO ­ K+ e diminuir a ginecomastia) e Furosemida 40 mg/ dia VO (importante para diminuir a retenção de sal e água).
  • Lactulona 30 mL VO 8 em 8 horas (melhorar regulação da função intestinal/ ¯ produção da amônia pelas bactérias intestinais).
  • Varizes esofágicas: Propranolol 40 mg VO 8 em 8 horas (profilaxia do sangramento)/ ligadura elástica ou escleroterapia (emergência).
  • Neomicina/ metronidazol (reduzir flora bacteriana intestinal).

 
REFERÊNCIAS

  1. DAN L. LONGO; ANTHONY S. FAUCI. Gastroenterologia e Hepatologia de Harrison. 18° edição. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda., 2013.
  2. MARTINS, HS; BRANDÃO NETO RA; VALASCO, IT. Medicina de Emergência USP. 12a edição. São Paulo, Editora Manole Ltda., 2017.

Por Sanar

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