Caso Clínico da CORDIS UFPE
ID: N. M. S. mulher, 47 anos, casada, procedente da Zona da Mata de Pernambuco. Reside com o marido.
QPD: “batedeira no peito e suadeira”
HDA: Paciente encaminhada ao serviço de cardiologia com queixa de palpitações e sudorese recorrentes há mais ou menos três meses. Referiu o aparecimento de edema de membros inferiores no mesmo período. Quando questionada, relatou cansaço ao deitar (ortopnéia) e cansaço no meio da noite (dispneia paroxística norturna). Nos últimos trinta dias, referiu o aparecimento de dor epigástrica, irradiando para hipocôndrio direito, seguida de vômitos.
Antecedentes Pessoais:
– Possui: Hipertensão Arterial Sistêmica
– Nega: Uso de drogas, Diabetes Mellitus, Tabagismo, Etilismo, Câncer.
Medicações em uso:
Enalapril 10mg – 2x/dia
Antecedentes Familiares:
– Mãe hipertensa
– Desconhece o passado médico do pai
– Relatou que os irmãos e irmãs não possuem comorbidades conhecidas.
INTERROGATÓRIO SINTOMATOLÓGICO
– Dor em região epigástrica e vômitos há mais ou menos 30 dias.
EXAME FÍSICO
Paciente consciente, lúcida, orientada no tempo e no espaço; hipocorada (+/4+), anictérica, acianótica, afebril ao toque.
ACV: B1 Normofonética, B2 Hiperfonética (às custas do componente P2), 2T, RCI, sopro sistólico em foco tricúspide (++/6+). PAS 120×70; FC: 98bpm. Pulsos radias amplos e simétricos
AR: MV+ AHT, porém, diminuído em base direita.
ABD: Abdome globoso, depressível à palpação, doloroso à palpação em hipocôndrio direito e em região epigástrica. Com hepatomegalia (5cm abaixo do RCD).
MMII: Edema de membros inferiores simétricos (++/4+), Sinal de Godet presente.
EX. COMPLEMENTARES
No momento da consulta, a paciente apresentava a sintomatologia descrita, sendo decidido realizar inicialmente um eletrocardiograma (FIGURA 1):
FIGURA 1 – Eletrocardiograma demonstrando Taquicardia Atrial Multifocal, desvio de eixo elétrico para direita e bloqueio de condução do ramo direito.
Após normalização do ritmo observada acima, com bloqueadores do canal de cálcio não drihidropiridínico, foi indicado internação e investigação etiológica da insuficiência cardíaca.
Inicialmente, foi solicitado Radiografia de Tórax (FIGURA 2), ecocardiograma transtorácico (ETT) (FIGURA 3) e USG Abdominal.
FIGURA 2 – A radiografia demonstra cardiomegalia importante, com aparente aumento de câmaras direitas e esquerdas e elevação do bronquiofonte esquerdo, sugerindo aumento atrial. Os achados corroboram com o diagnóstico clínico de insuficiência cardíaca.
FIGURA 3 – Ecocardiograma transtorácico demonstrando aumento importante de átrio direito (365ml).
Aparentemente, os achados da radiografia de tórax demonstravam aumento de câmaras cardíacas direitas e esquerdas. No entanto, o ETT evidenciou apenas grande aumento de câmaras direitas, com insuficiência tricuspídea e Hipertensão Pulmonar importante. O ETT foi repetido e confirmado, e o novo resultado não apresentou dados adicionais.
A USG abdominal demonstrava hepatomegalia importante, vesícula com paredes espessadas e derrame perivesicular. Esses achados foi associado ao quadro congestivo da paciente.
A investigação, agora da Hipertensão Pulmonar (HP), prosseguiu com a realização de sorologias para hepatites virais, HIV, Doença de Chagas e Esquistossomose, todas negativas. Investigou-se Tromboembolismo Pulmonar Crônico (TEP Crônico) e doenças autoimunes, porém, os resultados foram inconclusivos. Realizou-se uma Ressonância Nuclear Magnética (RNM) cardíaca (FIGURA 4), a qual também não esclareceu a etiologia da HP.
FIGURA 4 – A RNM cardíaca demonstrou cardiomegalia, com sinais de câmaras direitas aumentadas. Não esclareceu a possível etiologia da Hipertensão Pulmonar.
Após a realização de todos os exames já demonstrados, o diagnóstico estabelecido foi Hipertensão Pulmonar Idiopática. A paciente segue em internamento para definir a melhor estratégia terapêutica
LISTA DE PROBLEMAS
– HAS
– Hipertensão Pulmonar Idiopática
PLANO TERAPÊUTICO
– FUROSEMIDA 40mg 12/12h
– A paciente segue em internamento para definir a melhor conduta terapêutica.
COMENTÁRIOS
A hipertensão pulmonar (HP) é uma doença que tem diagnóstico através da mensuração de uma pressão elevada na artéria pulmonar (pressão arterial pulmonar média ≥25 mm Hg em repouso), aferida de forma invasiva por meio de cateterização da artéria pulmonar (padrão ouro) e não apenas por métodos indiretos de imagem como a ecocardiografia, que tem pouca acurácia na medida da PAP, podendo existir diferença de até 20% do valor quando comparado com a medida invasiva (SIMONNEAU et al., 2012).
Apesar do ECG inicialmente ser inespecífico para a afecção em questão o achado de desvio de eixo cardíaco e taquicardia atrial multifocal é comum em pacientes com HP. O exame físico triou a solicitação de exames de imagem (radiografia de tórax e ecocardiografia) com base na ausculta cardíaca de sopro sistólico 2+/6+ em foco tricúspide e apresentação clínica de IC, como congestão e edemas em membros inferiores.
Após diagnóstico é importante classificar a HAP quanto a sua etiologia, tendo em vista que o tratamento depende diretamente do grupo etiológico a que pertence. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica os pacientes com HP em cinco grupos: Grupo 1 – A hipertensão arterial pulmonar (HAP); Grupo 2 – HP devido à doença cardíaca esquerda; Grupo 3 – HP devido à doença pulmonar crônica e ou hipoxemia; Grupo 4 – hipertensão pulmonar tromboembólica; Grupo 5 – HP devido a mecanismos multifatoriais desconhecidos (SIMONNEAU et al., 2013).
A hipertensão pulmonar afeta indivíduos de todas as idades, raça e gênero. A HAP idiopática (HAPi) e HAP hereditária (HAPH) são raras na população geral, e estima-se prevalência a 5 a 15 casos por um milhão em adultos. Enquanto a esquistossomose parece ser a causa mais comum de HAP em todo o mundo, nas regiões não endêmicas para essa parasitose relata-se que mais da metade dos casos de HAP é idiopática (HAPI) e até 10% são etiologia hereditária (HAPH) (LING et al., 2012). Em comparação com outros grupos de HP, HAPi afeta adultos mais jovens, não sendo comum idosos com HP no grupo 1 (FROST et al., 2011).
Durante a investigação da provável causa da HP da paciente, a ETT descartou a etiologia do grupo 2, a radiografia praticamente exclui as do grupo 3 que tem o DPOC como maior causa. Foi também investigada o tromboembolismo como possível etiologia, porém descartada essa causa pelo exame de angiotomografia. Os diagnósticos diferenciais dos subtipos do grupo 1 como HAP hereditária e HAP por drogas ou toxinas foram excluídas pelo histórico dos antecedentes pessoais e hábitos de vida coletados na anamnese. Outras etiologias infecciosas e parasitárias foram anuladas por testes sorológicos. Logo, o diagnóstico mais provável foi firmado como HAP idiopática.
A paciente apresentou melhora do padrão de congestão com o uso de diuréticos de alça. Porém, o tratamento efetivo da HAP se baseia no bloqueio do processo fisiopatológico, explicado pelo desequilíbrio do tônus vascular e estímulo à produção de células endoteliais musculares lisas. Os antagonistas dos receptores de endotelina constituem a primeira classe de drogas disponível para o tratamento oral. Sem terapia, o prognóstico dos doentes no grupo 1 da HAP é sombrio. Os dados mostram que do momento do diagnóstico os pacientes com HAP tem taxa de sobrevida de 85% em um ano, 68% em três anos, 57% em 5 anos e 49% em 7 anos (BENZA et al., 2012).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
- BENZA, R.L, MILLER, D.P, BARST, R.J, BADESCH, D.B, FROST, A.E. An evaluation of long-term survival from time of diagnosis in pulmonary arterial hypertension from the REVEAL Registry. Chest Journal. v. 142, n. 2, p. 448-456, aug. 2012.
- FROST, A.E, BADESCH, D.B, BARST, R.J, BENZA, R.L, ELLIOT, C.G. The changing picture of patients with pulmonary arterial hypertension in the United States: how REVEAL differs from historic and non-US Contemporary Registries. Chest Journal. v. 139, n. 1, p. 128-137, jun 2011.
- LING, Y. JOHNSON, M.K. KIELY, D.G, CONDLIFFE, R. ELLIOT, C.A. Changing demographics, epidemiology, and survival of incident pulmonary arterial hypertension: results from the pulmonary hypertension registry of the United Kingdom and Ireland. Am J Respir Crit Care Med. v. 186, n. 8, p. 790-796, jul. 2012.
- SIMONNEAU, G. GATZOULIS, M.A. ADATIA, I. CELEMAJER, D. DENTON, C. Updated clinical classification of pulmonary hypertension. J Am Coll Cardiol. v. 62, n. 25, p. D34-D41, oct. 2013.