Autor: Dr. Caio Nunes – Médico Radiologista pelo INRAD – FMUSP.
Os exames de imagem se tornaram uma das principais ferramentas diagnósticas na prática médica. Milhões de exames são realizados no mundo todos os anos em suas diversas modalidades (radiografias, tomografias, ultrassonografias e ressonâncias magnéticas).
Embora sejam ferramentas fundamentais na prática clínica, temos que otimizar seu uso para evitar gastos desnecessário e mesmo complicações iatrogênicas do seu uso indiscriminado.
Veja algumas dicas de como fazer corretamente um pedido de exame de imagem, trazendo benefícios técnicos (melhor exame, melhor diagnóstico) e de ordem econômica (evitando-se exames desnecessários).
1- O Pedido
Sabemos da correria do dia-a-dia profissional, porém quando utilizamos de exames complementares, quanto mais informações dermos aos colegas radiologistas, melhor será direcionado o protocolo do exame e o raciocínio para chegar a um diagnóstico conclusivo. São fundamentais informações sobre antecedentes cirúrgicos, que mudam completamente o raciocínio diagnóstico, bem como medicações em uso.
Além do nome, idade e sexo do paciente é fundamental que se coloque dados clínicos e/ou laboratoriais relevantes. Não precisa escrever uma anamnese completa, mas algumas simples frases já auxiliam muito no diagnóstico. Uma lesão óssea lítica e indolor em um paciente de 6 anos têm um raciocínio completamente diferente de uma lesão óssea dolorosa em um paciente de 14 anos.
Exemplo correto: “Solicito angiotomografia de tórax (protocolo TEP) para paciente com dispneia súbita. Realizou cirurgia de joelho há 4 dias.”
Frases como “Dor abdominal a esclarecer”, “Tosse a esclarecer”, são vagas, e ajudam pouco na interpretação.
Seja mais específico possível: “Dor abdominal no hipocôndrio direito há 3 dias sem melhora”. “Tosse seca há meses, paciente tabagista 20 anos-maço” e assim você estará ajudando a interpretação do médico radiologista e a chance do paciente de receber um resultado mais fidedigno.
Somente escreva urgente no pedido, se for algo que precise de diagnóstico ou tratamento imediato! E não porque você ou seu paciente quer seu exame mais rápido…
Solicito: Tomografia de crânio
Paciente: Gato de Botas
Sexo: Masculino
Idade: 72
Suspeita diagnóstica: Paciente com quadro de dor abdominal em flando direito e febre, e leucocitose (Diverticulite?Apendicite?)
Sobre exames de ultrassonografia vascular com Doppler: exames vasculares devem indicar o membro afetado (superior ou inferior, direito, esquerdo, ou ambos) e qual modalidade do exame (arterial ou venoso).
Se houver dúvida em relação a semiologia das síndromes vasculares, peça a opinião do cirurgião vascular ou do radiologista.
2- Quando pedir contraste
No pedido médico você tem 3 opções.
1a – Em aberto
“Solicito ressonância magnética de crânio”.
Se o paciente não tem contra-indicação ao contraste, deixar o pedido em aberto é uma boa opção. Assim deixa-se o radiologista livre para indicar o contraste caso ele veja uma necessidade como por exemplo uma lesão expansiva ou um processo inflamatório. Os serviços de radiologia irão checar se há alguma contra-indicação ao contraste caso optem por usa-lo.
2a – Restringir o pedido
“Solicito ressonância magnética de crânio sem contraste”
Caso por alguma questão clínica o paciente não possa usar contraste (anafilaxia pregressa, insuficiência renal) pode-se utilizar essa restrição no pedido. Cuidado somente pois ao utilizar essa restrição, seu pedido “trava” o radiologista e caso tenha uma lesão duvidosa, o colega vai ficar de mãos atadas para complementar o exame com as fases contrastadas.
3a– Indicar o contraste
“Solicito ressonância magnética de crânio com contraste”
Nessa última opção por alguma razão específica você está determinando o uso do contraste. Somente opte por fazer um pedido desse, se você tiver certeza do benefício do uso do contraste para o paciente, como por exemplo um acompanhamento de um tumor já conhecido.
3 – Conheça os meios de contraste.
A tomografia computadorizada utiliza contraste a base de iodo, cujas principais preocupações são a nefrotoxicidade (principalmente a insuficiência renal aguda) e processos alérgicos (anafilaxias). Já a ressonância magnética utiliza contraste a base de gadolíneo, cuja preocupação principal é seu acúmulo no corpo em pacientes com insuficiência renal crônica levando a uma doença similar a esclerose sistêmica (Fibrose nefrogênica sistêmica).
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4 – Existem contra-indicações aos exames de imagem
Pacientes com alguns tipos de marca-passo e clipes de aneurisma não podem realizar exames de ressonância magnética. Objetos metálicos podem aquecer ou serem puxados pelo campo magnético do aparelho e se tornarem verdadeiros projéteis dentro do aparelho. Outros dispositivos metálicos (aparelhos ortodônticos) podem degradar as imagens de estruturas adjacentes (exames do crânio e da coluna por exemplo). Exames de tomografia não devem ser indicados em gestantes (exceto situações de risco de vida, em que não haja exame similar para chegar ao mesmo resultado).
Existe um site www.mrisafety.com onde pode-se checar se o dispositivo que o paciente possui é compatível com o exame de ressonância magnética. Lembre-se que as crianças (menores de 6-7 anos), precisam ser sedadas para exames de tomografia ou ressonância, então escolha bem o exame que vai utilizar, para não precisar sedar novamente (sim, isso envolve riscos!).
5- Não há hierarquia entre os métodos
Existe um sendo-comum equivocado de que ultrassom é pior que tomografia que é pior que ressonância. Isso é uma grande bobagem! A radiografia é um dos melhores métodos para o diagnóstico de tumores ósseos. A ultrassonografia é o melhor exame para a maioria dos distúrbios da tireoide. A tomografia é o melhor exame para cálculos renais e parênquima pulmonar. A ressonância magnética é um excelente exame em diversas situações (articulações, crânio) porém não avalia bem calcificações, nem o parênquima pulmonar, por exemplo. Lembre-se que ultrassonografia é mais barato e disponível, sem radiação e excelente para queixas ginecológicas, avaliação da próstata, pequenas partes por exemplo. Pacientes acamados com dificuldade de movimentação e claustrofóbicos podem não aguentar fazer uma ressonância (que pode durar 30-60 minutos). Tomografia é excelente para quadros obstrutivos abdominais e para avaliar cefaléias na urgência (é rápido e relativamente barato). Enfim, existe exame certo na situação clínica e contexto adequado e não superioridade ou inferioridade entre os métodos.
6- Radiação deve ser uma preocupação, mas nada alarmante.
Deve-se pensar em risco benefícios. Evitar exames desnecessários, principalmente em indivíduos jovens e crianças. Algumas áreas do corpo são mais suscetíveis a radiação (cristalino, tireoide, gônadas) e portanto deve-se evitar exames de tomografia (uma tomografia emite cerca de 100 vezes mais radiação que uma radiografia) destas áreas quando tivermos outros exames que possam substituir com acurácia semelhante. Pedir tomografia de seios da face de crianças para diagnosticar sinusite é um exagero, e irradia-se o cristalino e a tireoide por pouco benefício. Por outro lado quando necessário deve-se realizar o exame, imagine uma gestante com suspeita de pneumonia, o benefício do exame, supera o risco da radiação. Basta ter bom-senso. Explique ao seu paciente que uma radiografia tem menos radiação que uma viagem internacional de avião (sim, lá em cima não temos tanta camada de ozônio para filtrar…) ou uma tarde de sol na praia .
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7- O exame é de apoio ao diagnóstico
Exame de imagem não é sentença. Exame de imagem deve ser sempre usado em conjunto com os dados clínicos e laboratoriais. Uma imagem de “vidro despolido ou vidro fosco” no parênquima pulmonar visto na tomografia pode ser uma pneumocistose em paciente HIV + ou pode ser um edema pulmonar em um paciente com insuficiência cardíaca. Os achados de imagem são em sua maioria pouco específicos e podem ser semelhantes em diversas patologias. O colega radiologista irá descrever e dar algumas possibilidades e caso tenha acesso aos dados clínicos conseguirá estreitar ainda mais o diferencial, mas nem sempre chegar a uma conclusão, portanto não espere que o exame responda a todas as perguntas. O exame irá com certeza de dar uma direção e afastar outras possibilidades. O setor de anatomia patológica é outro departamento, nem sempre a imagem vai dar o histopatológico da lesão, mas ao menos pode ajudar a dizer se é algo inflamatório, tumoral, degenerativo por exemplo.
8- Quem pede o exame é você, seja seletivo e encaixe dentro do seu raciocínio
É cada vez mais comum os pacientes chegarem ao consultório determinando quais exames querem fazer. Cabe a você médico explicar a necessidade de cada um deles. Exames indicados de forma desnecessária levam a uma enxurrada de diagnósticos errados ou preocupações infundadas, podendo acarretar custos, iatrogenias, biópsias e mesmo sofrimento do paciente por achados incidentais. Na prática vemos uma enxurrada de exames para explicar dores crônicas (fibromialgia por exemplo), ou exames solicitados para “agradar”. Procedimento médico deve ser indicado por necessidade (e não para “ver” o bebê), e alguns minutos de conversa podem esclarecer isso ao paciente. Os custos dos exames de imagem são pagos por todos, seja no sistema público ou pelos planos de saúde que repassam aos usuários.
9- Trata-se o paciente e não o exame
Duas coisas serão abordadas nessa dica. A primeira situação é sobre casos graves: quando você tiver um paciente grave e por alguma razão o exame for demorar de ser realizado ou o laudo não estiver pronto a tempo, trate as condições graves, pois na maioria das vezes, estas independem do resultado do exame. Exemplo: Um caso de uma gravidez ectópica rota com paciente em choque hipovolêmico, prescinde de ultrassonografia para confirmar. Se a paciente estiver grave, inicie o tratamento (sangue / reposição volêmica etc..) enquanto for esperar pelo exame, e se este demorar muito tome a conduta. É melhor uma laparotomia (branca) diagnóstica que um óbito por espera do resultado do exame. Urgente é cuidar do paciente.
A segunda questão é: cuidado com achados de exames de imagem sem expressão clínica. Uma ultrassonografia de ombro pode mostrar uma tendinopatia do supraespinhal, mas se o paciente não tem sintomas, não preciso “tratar o exame”. O desenvolvimento tecnológico permite que vejamos uma série de “incidentalomas” que nem sempre requerem abordagem adicional ou tratamento. Pequenos nódulos pulmonares, não calcificados em um paciente não tabagista, podem ser achados ditos normais. Diminutos nódulos na tireoide ou mesmo cistos colóides não têm expressão clínica na maioria das vezes. Resumindo: veja o caso num contexto amplo e use sempre o exame para te auxiliar e não para te confundir com informações que pouco adicionam. Por fim e não menos importante, peça para o paciente levar os exames anteriores para eventuais comparações e não esqueça de que o laudo traz um grande número de informações e que a conclusão ou hipótese é somente uma síntese, portanto parte importante do diagnóstico do paciente também consta no corpo do texto.
10- O radiologista pode te auxiliar na escolha do exame e na discussão dos resultados.
Poucos colegas médicos utilizam esse recurso, mas não tenham dúvida que o médico de apoio diagnóstico que trabalha com imagem vai ter sempre a disponibilidade de discutir um caso e qual seria o melhor método para indicar, na finalidade de elucidar ou afastar uma suspeita diagnóstica. Antes de achar que o exame está errado, ou laudo ruim, procure o radiologista e discuta o exame. Muitas vezes o radiologista escreve em um “idioma” estranho em seus laudos, e isso pode ser esclarecido em uma simples troca de informações. Nada é tão enriquecedor quanto a troca de informações entre colegas, não precisa um estar certo e o outro errado. Aposto que haverá aprendizado de ambas as partes e o maior beneficiado será o paciente.
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