Por que a depressão pós-parto, que atinge 15% das mães, ainda é tabu

Semanas depois do nascimento do primeiro filho, a publicitária Amanda Rodrigues de Oliveira, 25 anos, foi tomada por um sentimento de angústia e culpa. Uma sensação devastadora, que não condizia com as expectativas que a mãe de primeira viagem tinha de como seria a maternidade.

– Lembro que, às vezes, ele não conseguia parar de chorar. Então, o colocava deitado na cama, deitava junto ao lado dele e chorava também. Aquilo ia me consumindo – recorda.

A gravidez não planejada de Enrico, hoje com um ano e sete meses, foi marcada por altos e baixos que continuaram mesmo depois de tê-lo nos braços. Foi ainda durante a gestação que ela começou a questionar se aquele momento seria o certo para ter um filho e se ela seria uma boa mãe. Em casa, Amanda não conseguia se conectar emocionalmente com o filho como esperava. Com isso, veio a tristeza. A intensidade da rotina de mãe de um recém-nascido a pegou de surpresa: Amanda estava constantemente irritada e sofria com a privação do sono. O relacionamento de seis anos com o marido ficou por um fio. Cansada daqueles sentimentos que se intensificavam com o passar do tempo, decidiu que ia procurar ajuda e foi desabafar em um grupo de mães no Facebook.

– Fiz de sangue doce, relatei o que eu sentia e depois decidi participar de terapia em grupo. Não achava que aquilo era depressão pós-parto – recorda.

A história de Amanda é parecida com a de outras tantas mães que deparam com uma tristeza constante, culpa e angústia incessantes durante o puerpério. Falar de depressão pós-parto é tratar de um assunto que ainda é estigmatizado, mas afeta entre 10% e 15% das mulheres até o primeiro ano após o nascimento do bebê.

De acordo com um estudo publicado em 2009 no The Journal of Perinatal Education, estima-se que metade das mulheres que sofrem com a depressão pós-parto permanecem em silêncio, sem diagnóstico ou tratamento. Entre os motivos está a vergonha de se sentir incapaz ou frustrada naquele momento ou o medo de ficar separada do bebê devido a qualquer comportamento. Em ocasiões extremas, a mulher pode cogitar o suicídio. Algumas acreditam que é um cansaço normal e acabam ignorando os sintomas mais drásticos que chegam com o tempo.

– É difícil para uma mãe admitir que tem algo errado, que está deprimida, em um momento em que todos esperam que se tenha só felicidade – diz Giana Frizzo, professora da UFRGS e coordenadora de um centro de atendimento a famílias com bebês na instituição.

Muito além do baby blues

Até 80% das mães com filhos recém-nascidos podem sentir uma melancolia, mas que dura por cerca de seis semanas. Essa fase é chamada de baby blues, ou blues puerperal. Os termos em inglês remetem ao momento do nascimento do bebê, acompanhado de expectativas, medos e ansiedade sobre a mudança de vida que a chegada de uma criança implica.

Os sintomas incluem variação do humor, tristeza, ansiedade, dificuldade de concentração e dependência da criança ou de algum familiar. Nem sempre ocorre com mães de primeira viagem. Mulheres podem desenvolver a doença após o nascimento dos filhos mais novos.

– É normal a mulher se questionar: “Como que vai ser a minha vida?”, “Será que tudo isso valeu a pena?”. Esses pensamentos são comuns e, na maior parte dos casos, passageiros. Não precisam de tratamento, fazem parte do processo. A tendência é de que a mulher vá melhorando e que, em até seis meses, tudo já esteja normalizado – explica Marco Antonio Caldieraro, coordenador do Departamento de Psiquiatria Clínica da Associação de Psiquiatria do RS.

Quando esses sentimentos devastadores se agravam e persistem é que há indícios de depressão pós-parto. Entre os fatores mais relacionados às causas da doença estão as alterações biológicas, como a flutuação hormonal, e as condições sociais, econômicas e psicológicas durante um período de novidades na vida da mulher e da família. Ambos podem colaborar para o agravamento ou o desenvolvimento de um quadro depressivo.

Durante a gravidez, o organismo produz altas quantidades de hormônios, que atuam no sistema nervoso central. Dois deles são o estrógeno, que serve para estimular o crescimento do miométrio uterino (uma das camadas da parede uterina), e a progesterona, essencial para a manutenção da gravidez, sustentando o endométrio (o revestimento interno do útero). Após o parto, o nível dessas duas substâncias cai drasticamente.

Diversos estudos já abordam os fatores sociais que influenciam na saúde mental de mulheres no período pós-natal e que transcendem os aspectos biológicos. Uma socióloga da Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, em seus estudos, cita a pressão social que exige das mães um papel de super-heroínas, o que elevaria os riscos de desenvolver transtornos psicológicos.

A idealização social de como deve ser a maternidade aumenta as expectativas e pode gerar frustrações. Mães que não conseguem amamentar, por exemplo, sofrem com a culpa de não poder atender a uma necessidade do bebê. Também é frequente a sensação de que o controle sobre a própria vida foi perdido, já que a prioridade é cuidar do filho. “Mulheres de classe média tentam fazer tudo para equilibrar a vida profissional e pessoal. A pressão pode exacerbar certas condições de saúde mental. Se tudo não está perfeito, elas se sentem fracassadas. E mães, geralmente, internalizam essa culpa” afirma Carrie Wendel-Hummell, da Faculdade de Assistência Social da Universidade do Kansas.

Acompanhamento psicológico poderia ajudar a evitar novos casos

O silêncio sobre a depressão pós-parto reacende uma série de debates em torno da maternidade. A saúde mental das mulheres durante e após a gravidez algumas vezes é subvalorizada durante o pré-natal e depois dos primeiros meses do nascimento da criança. Uma preparação mais realista e informativa sobre a rotina de cuidar de um recém-nascido feita por profissionais ajudaria a esclarecer essas dúvidas e diminuir os riscos de desilusões.

– Ainda há muita idealização e um certo romantismo em torno do que é a maternidade. É importante falar sobre essas questões com o médico que está fazendo o pré-natal ou o acompanhamento. Até mesmo o pediatra pode dar esse auxílio. Mas é algo que deve ser conversado. No Brasil, também vemos que há um medo de se expor ao participar de terapias em grupo, e vemos que isso melhora a relação da mãe com o bebê – avalia a psicóloga Giana Frizzo.

No caso de Amanda, as sessões de terapia junto a Enrico foram um aspecto essencial para a recuperação.

– Em uma sessão individual após o atendimento em grupo, me mostraram um vídeo em que eu aparecia no primeiro encontro. Não conseguia brincar com ele, que pedia colo e eu mal olhava. Na gravação das últimas sessões que participei, já foi muito diferente, eu parava de falar para dar atenção ao meu filho, olhava para ele – relembra.

Tratamento pode exigir uso de medicação

A doença também pode causar o afastamento da família. A depressão pós-parto pode abalar as relações em casa e o vínculo afetivo com os filhos, uma das maiores preocupações das mães.

– Se não houver tratamento, (a depressão pós-parto) pode prejudicar a relação entre mãe e filho. Uma criança que não tem um cuidador saudável está sob risco. Uma mãe com depressão pós-parto pode ficar mais irritada facilmente com ela mesma e até achar que o filho chora de propósito para tirá-la do sério. Algumas preocupam-se que aquele amor todo de mãe ainda não veio – explica Giana.

Por isso, a indicação é buscar atendimento psicológico logo nos primeiros sinais de tristeza, irritabilidade e falta de atenção, para que se comece um tratamento ou terapia de recuperação. A ajuda dos familiares também é fundamental durante esse período: a presença das pessoas mais próximas para a divisão de tarefas e apoio são bem vistos pelos profissionais de saúde. Em certos casos, medicamentos e antidepressivos são indicados após o diagnóstico.

– Nem todos os casos precisam de medicação. Mas os remédios indicados são os mesmos para qualquer caso de depressão. Hoje, há remédios seguros para serem usados durante a amamentação ou a gravidez – afirma o psiquiatra Marco Antonio Caldieraro.

Mães em risco

Os sintomas e as causas para a doença dependem de vários fatores, mas os médicos alertam para certos grupos de risco da depressão pós-parto. Mulheres que engravidam muito jovens ou que não planejaram a gestação, ou mesmo pensaram em interrompê-la, enfrentam chances maiores de desenvolver a doença. Mães de bebês com malformações também têm maior propensão a terem os sintomas, como explica Marcos Wengrover Rosa, chefe do Serviço Médico de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Moinhos de Vento.– O principal fator, no entanto, é o histórico pessoal de depressão. A mulher que já sofre com a doença precisa ter um tratamento adequado, estar bem, antes de planejar uma gravidez – indica o médico. Ainda que os especialistas indiquem certos fatores de risco, nenhuma mulher está totalmente livre de ter a doença. Como explica a psicóloga Giana Frizzo, é uma soma de expectativas erradas e de acontecimentos na vida da mulher que podem levar ao quadro. A perda de um emprego ou a falta de ajuda dos familiares na nova rotina também podem colaborar. Mas, mesmo assim, mães em perfeito estado de saúde, com bebês sem complicações, também devem buscar informação e acompanhamento psicológico sobre a depressão pós-parto.– Algumas enxergam que está tudo bem com o bebê e com a vida delas, mas, mesmo assim, não estão bem. Há mães que imaginam que o bebê vai simplesmente ser incorporado à rotina que elas já têm e então acabam ficando com alguma dificuldade de adaptação. Essa visão irreal colabora com o quadro – diz a psicóloga.

Fonte: Cofen

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Por Sanar

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