Em 2016, são completos dez anos da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) – uma das principais legislações para enfrentar a violência contra a mulher no Brasil. A lei tipifica não somente a violência física, mais comum e de fácil identificação, mas outros quatro tipos: violência patrimonial, sexual, moral e psicológica. Ao longo dos anos, a Psicologia tem identificado inúmeros casos de mulheres com ansiedade e depressão, resultado de violências naturalizadas e invisibilizadas.
Outra lei importante sancionada em 2015 foi a Lei do Feminicídio, que colocou a morte de mulheres no rol de crimes hediondos e reduziu a tolerância nesses casos.
Identificar e tratar os transtornos causados por essas violências é um dos desafios para a categoria. Fazer com que essas mulheres recebam um acompanhamento clínico adequado, além de preparar os profissionais para lidar com esses casos. Uma escuta de gênero que considere as particularidades do que é ser mulher em uma sociedade machista, e que reconheça que as causas desse sofrimento são, na maioria das vezes, comportamentos naturalizados pela sociedade.
Para a mestre em psicologia e especialista em Psicologia clínica Dorotéa Albuquerque de Cristo, que integra o XVI Plenário do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a sociedade machista reserva um lugar às mulheres e o sofrimento psíquico começa a se manifestar quando elas não se identificam com esse lugar – e a Psicologia tem um importante papel para sua desconstrução.
“A Psicologia tem um lugar privilegiado de conhecimento, de acesso a essas experiências, inclusive nos hospitais e nos serviços, essa questão da desumanização no atendimento a muitas mulheres. Justamente por isso nós combatemos e vamos à luta. A sociedade te reserva aquele lugar, e se você não cumpre bem esse lugar (que é o lugar da mãe, da esposa até de objeto sexual), você entra em sofrimento, porque faz parte da nossa subjetividade a essa cultura machista. Por conta disso é que nós precisamos desconstruir o que está institucionalizado e eu acho que o papel da Psicologia também é levar essa informação e esclarecimento às pessoas. As leis decidem o que ela deve fazer com o corpo dela, qual o comportamento. Ela não tem escolha nem opção”, afirma.
A psicóloga e mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB) Valeska Zanello, representante do CFP no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, aponta que essa é uma herança de uma sociedade majoritariamente machista e, quando os profissionais da Psicologia não conseguem identificar e tratar violências, a vida das mulheres pode ser colocada em risco. Ela defende a importância de os cursos de graduação em Psicologia oferecerem disciplinas que abordem questões de gênero.
“Por isso seria muito bom que fosse obrigatório o estudo de gênero na graduação, uma disciplina, tanto sobre sexismo como racismo. Podemos fazer um paralelo com o sofrimento específico das mulheres. O que é um sofrimento de gênero? É um sofrimento por ser mulher. Porque essencialmente a mulher sofre? Não, porque certos seres, por terem certas marcas corporais, a partir de certo momento histórico – que são as mulheres a partir do século XVIII – são colocados em lugares desempoderados, e o desempoderamento faz adoecer. E isso também tem a ver com depressão. Em relação específica da saúde mental e a questão da violência precisamos problematizar, primeiro visibilizar mais essa violência, sensibilizando o profissional para que notifique para que escreva isso no prontuário do paciente e depois fazer pesquisas para problematizar essa relação entre a violência e o adoecimento psíquico. Pois ela tem sido mostrada em vários países como tendo um elo bem forte e acho que a psicologia tem muito a contribuir nesse campo.”
Valeska aponta que, no Brasil e no mundo, os estudos da saúde mental com enfoque de gênero são incipientes. Ela destaca o trabalho que o CFP tem feito no Conselho Nacional de Direitos das Mulheres e que em breve será lançado, por meio de uma parceria do CFP com outras entidades, uma série de vídeos sobre o que é e a importância da notificação nos casos de violência contra a mulher.
Fonte: CFP