O Fantástico está transmitindo uma nova série na qual se acompanha o dia-a-dia de médicos recém-formados em processo de especialização, os médicos residentes. Trata-se de uma fase rica, embora dura, da formação médica e, ao menos no primeiro episódio, os autores foram felizes em demonstrar com sensibilidade, sem falsos heroísmos, como se dá o início desse desenvolvimento.
Entretanto, me chamou a atenção o fato dos três médicos acompanhados no primeiro episódio, em seus primeiros dias de residência médica, serem uníssonos no coro “não podemos errar”. Será mesmo?
Essa pretensa infalibilidade não encontra base na realidade. Na década passada já se estimava que, nos Estados Unidos, falhas relacionados aos cuidados em saúde eram responsáveis por uma quantidade de mortes equivalentes à queda de um Boeing a cada 3 dias. Isso, sem contar o número muito maior de erros não-fatais, circunstâncias de risco e outros eventos adversos, como diagnósticos errôneos. Mesmo indivíduos altamente treinados e detentores de conhecimentos específico, como os médicos, tomam decisões equivocadas e, às vezes, simplesmente erram. Errar é humano, assim como os médicos o são. As estratégias de sucesso para minimização de falhas, adotadas nas mais diversas indústrias humanas, têm como objetivo criar sistemas mais seguros. Sistemas e processos mais seguros geram práticas individuais mais seguras, minimizando os erros e suas consequências.
Sabe-se que experiência pessoal não é, necessariamente, indicadora de acurácia de julgamento. Entretanto, a residência médica é um ambiente quase perfeito para a formação de uma capacidade de julgamento otimizada: um ambiente que provê experiências relevantes de forma repetida e em diferentes variações e, de forma associada, a oportunidade para aprender a partir dessas experiências. Mesmo assim, essa forma de aprendizado não é à prova de erros, como mostram os dados.
A utilização desse ambiente de formação profissional para se promover uma cultura de segurança e a utilização de estratégias de redução de erros e controle de danos deveria ser uma das prioridades de qualquer sistema de saúde.
Para tanto, um primeiro passo necessário é a admissão de sua própria falibilidade.
João Gabriel Rosa Ramos
Médico pela UFBA. Especialista em Clínica Médica e Medicina Intensiva pelo HC-FMUSP.
Especialista em gestão em saúde pela FGV.
Doutorando em Ciências Médicas pela FMUSP.