Riscos do uso de anticoncepcionais

A auxiliar de cozinha Daniela Borges, de 23 anos, estava trabalhando em sua cidade, Itumbiara, Goiás, quando sentiu uma forte dor de cabeça acompanhada de tontura. Em seguida, parou de escutar com o ouvido esquerdo, começou a vomitar e sua visão embaçou. Em pânico, procurou um hospital, só que os profissionais demoraram para entender o que estava acontecendo. Primeiro pensaram em labirintite. Depois, cogitaram uma crise de sinusite ou até mesmo um derrame. Uma semana depois, finalmente se deram conta de que ela estava com uma trombose venosa cerebral, que, ainda bem, pôde ser controlada com medicamentos. Mas foi por pouco. “Se demorasse mais um dia, eu teria morrido”, relembra Daniela. Na apuração da causa do problema, todas as evidências encontradas apontaram para a pílula.

O relato é assustador. Afinal, 61,6% das brasileiras tomam o comprimido regularmente para evitar uma gravidez, segundo o IBGE. Será que o método que revolucionou a humanidade de repente não é mais seguro? O temor entre as mulheres aumenta a cada depoimento nas redes sociais. O zumzum-zum é tanto que foi criada uma página no Facebook dedicada ao tema, a “Vítimas de Pílulas Anticoncepcionais — Unidas a Favor da Vida”, que já conta com mais de 58 mil seguidores. Os relatos mais chocantes, como o de Daniela, são de tromboembolismo — o surgimento de um coágulo na corrente sanguínea, que viaja pelo corpo até alcançar os pulmões ou o cérebro.

Acontece que, apesar da sensação de alarme, não dá pra sair por aí condenando a pílula à fogueira. O tromboembolismo causado pelo anticoncepcional é um fenômeno raro. De acordo com uma publicação recente da Sociedade de Obstetras e Ginecologistas do Canadá, independentemente do uso do remédio, a encrenca já atinge uma em cada 2 mil mulheres por ano. Se a pílula entrar no jogo, esse índice duplica, mas ainda é relativamente baixo. Para você ter ideia, a probabilidade de um episódio desses é bem maior em grávidas: a gestação aumenta em seis vezes o risco. Entre as mulheres que acabaram de virar mães, o perigo catapulta. A possibilidade é 80 vezes maior. “Sem dúvida o tromboembolismo é uma tragédia para as pessoas que passaram por ele, mas devemos ter em mente que a sua incidência por causa da pílula é muito pequena”, ressalta o médico Pedro Komlós, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular.

Em geral, o contraceptivo só desencadeia a complicação em uma conjunção de fatores. Na maioria das vezes, as mulheres já apresentam uma trombofilia, condição genética ou provocada por doenças autoimunes (como lúpus) que desequilibra o processo de coagulação do sangue. É claro que, nesses casos, a medida certa seria simplesmente não tomar a pílula. Ocorre que as pessoas raramente sabem da existência da disfunção. E, como a trombofilia não dá sintomas, fica difícil identificar quem está sob ameaça. Além disso, para que o coágulo apareça e cause transtornos, a mulher costuma passar por alguma circunstância que altere a consistência ou a velocidade do sangue. Pode ser uma pancada na perna, uma virose, ficar muito tempo sentada dentro do avião…

O fato é que, embora não seja tão comum, o tromboembolismo é grave. O coágulo pode se formar nas veias da perna, se soltar e trafegar até o pulmão, gerando uma embolia, quadro tantas vezes fatal. Em algumas vítimas, como Daniela, o danado surge no coração e viaja ao cérebro, onde entope um vaso e corta o fluxo sanguíneo. A condição pode ser remediada, mas é capaz de deixar sequelas.

E que parcela de culpa a pílula teria nessa história? Bom, seu envolvimento nesse desfecho ainda não foi totalmente elucidado. Numa tentativa de esclarecer a questão, o FDA, agência que regula a venda de medicações nos Estados Unidos, se uniu a universidades e se debruçou sobre dados médicos de 800 mil mulheres entre 2001 e 2007. Concluiu que os anticoncepcionais orais mais perigosos nesse sentido — quando existe predisposição, vale lembrar — são aqueles que combinam hormônios, isto é, juntam estrogênio e progesterona. Coincidentemente, esse é o tipo mais usado pelas mulheres.

Na mesma análise, os especialistas descobriram que as pílulas mais novas, de terceira e quarta geração, têm uma probabilidade de duas a três vezes maior de patrocinar uma trombose. A maioria dos incidentes acontecia após sete a 12 meses de utilização. Tais resultados levaram a entidade a emitir um alerta, que repercutiu no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que os profissionais de saúde sejam mais criteriosos ao prescrever o anticoncepcional.

Pare de tomar a pílula?

Quando o médico detectou o tromboembolismo em Daniela, fez questão de ler em voz alta a bula do anticoncepcional: “Usuárias de qualquer contraceptivo oral combinado apresentam risco aumentado de eventos trombóticos venosos em comparação a não usuárias. A condição é fatal em 1 a 2% dos casos”. A garota ficou em choque. Ela não tinha a menor ideia de que corria perigo, muito menos de que era portadora de uma disfunção que o amplificava. Hoje, um ano depois, ela se pergunta por que não foi avisada. “Se eu soubesse, não teria tomado. Eu não posso mais trabalhar por causa das sequelas”, lamenta.

Para impedir situações como essa, a orientação da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) é que, antes de receitar o anticoncepcional oral, os ginecologistas realizem uma entrevista e um exame físico detalhado. “Cabe ao médico, na consulta inicial, fazer todas as perguntas para avaliar os antecedentes pessoais e familiares da paciente, que indiquem possíveis riscos ou contraindicações ao uso de qualquer contraceptivo hormonal”, afirma Marta Franco Finotti, presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo.

Desde 2(X)4, a Organização Mundial da Saúde faz a mesma recomendação e ainda reforça que os ginecologistas devem alertar suas pacientes sobre possíveis complicações. Além dos “eventos trombóticos venosos”, há evidências de que o uso contínuo da pílula estimule, em algumas mulheres, o desenvolvimento de tumores benignos no fígado, por exemplo. Um estudo publicado no respeitado The New England Journal of Medicine em 2012 constatou que o anticoncepcional aumenta, ainda, a suscetibilidade a infartos e AVCs.

Na prática, porém, nem todos os profissionais aderem à diretriz. De acordo com Jaque-line Neves Lubianca, ginecologista e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, os médicos temem aterrorizar as pacientes com uma enorme lista de pequenos riscos em potencial, o que levaria ao abandono do método — sim, em números absolutos, os riscos são pequenos. Se isso acontece, seriam inflacionados os índices de gravidez indesejada no país, que já chegam a 30%, segundo a Fundação Oswaldo Cruz. Pior: pode-se abrir caminho a um aumento na busca por abortos, procedimento ilegal no Brasil e que envolve danos à saúde. “Temos de ser abrangentes na prescrição da pílula no intuito de disseminar e justificar a importância de um método contraceptivo, principalmente diante das adolescentes”, analisa Jaqueline.

Mas não dá pra terceirizar a responsabilidade apenas para os médicos. Muitas vezes, as usuárias de pílula o fazem por conta própria, sem se submeter a uma consulta. Ana Calila Santos, de 29 anos, aprendeu essa lição da pior forma. Há seis meses, a comerciante de Conceição do Coité, na Bahia, também teve uma embolia cerebral desencadeada pelo anticoncepcional. Ela havia pedido uma indicação a uma amiga e comprou o medicamento sem receita. Como conseqüência, ficou 15 dias na UTI com fortes dores na cabeça e problemas de visão. “Eu não deveria ter feito isso, mas nunca imaginei correr qualquer risco”, diz Ana, que também compartilhou sua experiência no Facebook.

Tanto Daniela quanto Ana gostariam de ter tido acesso a mais informações e acreditam que os profissionais deveriam solicitar o exame para detectar a trombofilia ou predisposição à trombose, que depende de uma amostra de sangue. O Ministério da Saúde garante que o exame faz parte da tabela do SUS e que fica a critério do médico indicá-lo caso haja suspeita. Os especialistas pedem, no entanto, muita calma nessa hora. A Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia discorda que o teste deva virar rotina. Em nota, a entidade pontua que o exame é caro e não determina de forma definitiva o risco de trombose. “Alterações genéticas que levam a essa condição são muito raras. Não faz sentido testar todo mundo”, argumenta Antônio Paulo Stockler, ginecologista do Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense. O custo/benefício é maior, inclusive para a paciente, quando ela passa por uma consulta minuciosa.

Ganhos e perda… de terreno

O outro lado da moeda, quer dizer, da pílula, é que a versão combinada, a mais popular, também traz benefícios que não se restringem à prevenção da gravidez. “Ela controla o fluxo e a freqüência da menstruação, reduz sintomas da TPM, como cólicas, e ainda ajuda a evitar pelos e espinhas no rosto”, exemplifica o ginecologista José Bento, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Estudos indicam também que, na contramão das ameaças para alguns grupos, o anticoncepcional ainda protege grande parte delas de doenças graves. Um trabalho recém-publicado no The Lencet Oncology concluiu que, a cada cinco anos de uso, a medicação está associada a um risco 25% menor de câncer no endométrio. E cálculos do Instituto Nacional de Câncer americano sinalizam que meia década de utilização faz cair pela metade o risco de tumores nos ovários. Embora haja indícios preliminares de que a pílula, dependendo da formulação, eleve um pouco a probabilidade de câncer de mama, pesquisas sugerem proteção extra para o intestino.

Apesar das vantagens e da praticidade, a pílula não é unanimidade em termos de preferência — e se observa uma tendência, da parte dos médicos, de priorizar os chamados métodos de longa duração, como o DIU (entenda mais sobre essas alternativas à esquerda). A demanda tem feito inclusive as farmacêuticas repensarem seu portfólio. A Bayer, curiosamente uma das maiores fabricantes de pílulas do planeta, acaba de lançar o menor sistema intrauterino do mundo.

O mini-DIU, que tem duração de três anos, é instalado pelo ginecologista no consultório e, em função do tamanho pequeno, pode ser utilizado por mulheres que ainda não tiveram filhos. O DIU regular não costuma ser a preferência das jovens, uma vez que elas possuem o colo do útero mais estreito e isso gera dor quando o dispositivo é inserido. A novidade, já comercializada fora do país, ainda oferece baixas doses de progesterona, o que eleva seu perfil de segurança. Por aqui, ela aguarda liberação da Anvisa, e a expectativa é que chegue ao mercado nos próximos meses. Como se vê, a pílula definitivamente já não reina sozinha. Ela tem e terá seu espaço, mas convenhamos que, com mais opções (e uma boa indicação médica), é a saúde das mulheres que sairá no lucro.

Fonte: Conselho Federal de Farmácia

Por Sanar

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