Entrevista com o Dr. Marco Antonio Santana, coautor do livro Como Escolher a sua Residência Médica

A Residência Médica na França

O médico radio-oncologista Marco Antonio C. Campos de Santana, sergipano, graduado em medicina na Universidade Federal da Bahia, especializado em radioterapia pela Faculdade de Medicina da USP e coautor do livro ‘Como Escolher a sua Residência Médica‘, acabou de retornar de uma temporada de subespecialização em Braquiterapia e Radioterapia e Última Geração na França no Institut Gustave Roussy, maior centro hospitalar para o tratamento de câncer da Europa continental.  
 

  • Editora Sanar – Dr. Marco Antonio, como é o percurso para a formação de um médico na França? É muito diferente do Brasil?
    Dr. Marco Antonio – A formação médica na França consiste em três ciclos. Ao contrário do Brasil, o acesso à Faculdade de Medicina não é possível diretamente após a conclusão do ensino médio. O aluno em potencial deve cursar um bacharelado em ciências e só então se aplicar o seu currículo a uma escola de medicina para os estudos pré-médicos. O primeiro ciclo (PCEM), comum às áreas de medicina, odontologia, obstetrícia e fisioterapia, tem a duração de dois anos. Ao término do primeiro ano, há uma prova extremamente seletiva, no qual o nível de reprovação chega a 80%.

    O segundo ciclo dura 04 anos e dá direito ao Certificado de Síntese Clínica e Terapêutica. Nesta etapa são realizados os estudos teóricos e práticos, com estágios em serviços de saúde (36 meses em diferentes especialidades básicas) além da realização de 36 plantões de 12, 24 ou 36 horas, a depender da demanda do serviço. Para ter acesso ao ciclo seguinte, o estudante deve ser aprovado em todos os estágios.

    Em seguida, o estudante deve realizar o Exame Nacional Classificatório (ENC), anteriormente conhecido como Concurso de Internato-Residência. A aprovação nesta prova é necessária para a realização do internato e consequentemente para especialização. A depender da classificação na prova, os candidatos podem escolher entre cursar Medicina Geral (3 anos) ou uma das diversas especialidades (4 a 5 anos). Essa etapa é bastante competitiva, e quase metade dos 4.000 estudantes são reprovados no internato todos os anos. As vagas para treinamentos nas especialidades médicas são controladas pelo Estado a depender da demanda e necessidade por cada uma delas. Esses números são bastante elásticos e é bem comum o número de vagas para algumas especialidades caírem durante alguns anos e subirem em outros, porém, só os que obtiveram melhor pontuação conseguem escolher.
     

    • Editora Sanar – Quer dizer que o governo que decide quantos especialistas de cada área devem se formar por ano?

    Dr. Marco Antonio – Exatamente. Essa regulamentação estatal difere bastante da forma como as coisas acontecem no Brasil. Aqui, novas vagas de residência e estágios de especialização são abertas todos os anos, muitas delas sem a mínima condição de funcionar de forma adequada, oferecendo uma formação duvidosa a muitos novos especialistas. 
     

    • Editora Sanar – E após a conclusão da residência, existem também subespecializações como no Brasil?

    Dr. Marco Antonio – A conclusão do terceiro ciclo leva ao Diploma de Estudos Especializados (DES). Também é possível fazer algumas subespecializações, através dos Diplomas de Estudos Especializados Complementar (DESC), efetuado em dois anos, ou a Capacidade em Medicina (CAPME), no caso dos médicos generalistas. Após a obtenção de um DES e a defesa de uma tese, os internos em Medicina obtêm o Diploma Nacional de Doutor em Medicina.
     

    • Editora Sanar – E para os Brasileiros que gostariam de cursar uma especialidade na França, qual o caminho?

    Dr. Marco Antonio – Para se fazer uma especialização na França há dois caminhos: O primeiro, fazer todo o curso de medicina lá, o que é provavelmente o menos viável para a maioria das pessoas, e o segundo caminho, seja para brasileiros, ou para qualquer outro médico formado em país não-membro da União Européia, começa pela revalidação do diploma. Esse processo chama-se Procedimento de Autorização de Exercício (PAE) e trata-se de provas teóricas e práticas em medicina geral além de avaliações do domínio da língua francesa. Após a aprovação na revalidação, o médico deve fazer o Exame Nacional Classificatório e concorrer com os outros estudantes franceses e da UE.
     

    • Editora Sanar – Como é a vida do médico residente na França?

    Dr. Marco Antonio – Atualmente a rotina das residências é muito diversa a depender dos hospitais e mesmo para o treinamento em especialidades é comum que o interno faça rotações semestrais em diversos hospitais da França ou até de outros países da UE, se assim bem entender, além de estágios semestrais de pesquisa, oferecidos aos internos seniores. Atualmente a bolsa paga para os internos na França varia de cerca de 1300 a 2500 Euros. Para os residentes brasileiros a quantia parece maravilhosa, valendo em torno de R$ 7.500 em comparação com os parcos R$ 2.200 recebidos como bolsa pelos médicos em formação em nosso país. Mas, assim como em muitos hospitais no Brasil, os internos franceses sofrem com o seguinte problema: profissionalmente, são cobrados como médicos formados, mas legalmente e financeiramente são tratados como estudantes, e não são infrequentes, as queixas por motivos de síndrome de burn-out, por excesso de trabalho dos internos. Também vale lembrar que o custo de vida na França é bastante elevado, especialmente em Paris, conhecida como uma das cidades mais caras do mundo, e apenas o aluguel de um pequeno apartamento na periferia da cidade já pode custar mais de mil euros.
     

    • Editora Sanar – Diante disso, vale a pena sair do Brasil para tentar uma especialização na França?

    Dr. Marco Antonio – A França apesar de formar milhares de novos médicos anualmente e de receber centenas de médicos estrangeiros todos os anos, ainda sofre com a falta de profissionais, principalmente das especialidades mais generalistas em várias regiões do país, como Picardie, Haute-Normandie e Poitou-Charentes, devido ao acelerado envelhecimento da população nas cidades do interior. Já o mercado na região de Paris é muito competitivo e elitista e o acesso é muito mais difícil. Os salários para os médicos que trabalham exclusivamente no serviço público estão em torno dos 5,5 mil euros, e os que conseguem entrar no competitivo mercado privado conseguem ver esse valor aumentar em até 500%.

    Deve-se lembrar que a vida de médico é de muita dedicação, não importa em que país ou situação o médico faça sua prática. O savoir-vivre francês infelizmente não é perfeitamente aplicável aos modos de vida de seus médicos, principalmente aos mais jovens, que sofrem rotinas de trabalho não muito diferentes das que estamos acostumados aqui. Porém, no final das contas, se o que o médico procura é morar num local com qualidade de vida, liberdade, democracia e segurança, acho que a resposta está bem clara.
     

    • Editora Sanar – Onde é possível adquirir mais informações sobre todo este processo?

    Dr. Marco Antonio – Para mais informações, favor ler os links que deixo abaixo ou entrar em contato com a Embaixada Francesa, no SCAC (Serviço de Cooperação e Ação Cultural) da Embaixada da França no Brasil.

    Gostaria de agradecer às colegas e amigas Dra. Wassila Benhabib-Boukelif e Dra Valentine Martin pela ajuda com as informações.

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Por Sanar

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